[...] a transferência,
no tratamento analítico, invariavelmente nos aparece, desde o início, como a
arma mais forte da resistência, e podemos concluir que a intensidade e
persistência da transferência constituem efeito e expressão da resistência.
Ocupamo-nos do mecanismo da
transferência, é verdade, quando o remontamos ao estado de prontidão da libido,
que conservou imagos infantis, mas o papel que a transferência desempenha no
tratamento só pode ser explicado se entrarmos na consideração de suas relações
com as resistências.
[...] desejávamos
sugerir que não se deve deixar desencorajar pela natureza amiúde repulsivamente
suja e indecente deste material popular de nele buscar confirmação valiosa das
opiniões psicanalíticas. Assim, nesta ocasião, pudemos estabelecer o fato de
que o folclore interpreta os símbolos oníricos da mesma maneira que a
psicanálise, e que, ao contrário da altamente proclamada opinião popular,
deriva um grupo de sonhos de necessidades e desejos que se tornaram imediatos. Por
outro lado, gostaríamos de expressar a opinião de que é cometer uma injustiça
com o povo comum supor que emprega esta forma de entretenimento simplesmente
para satisfazer os desejos mais grosseiros. Parece antes que por trás destas
feias fachadas se acham ocultas reações mentais a impressões da vida que devem
ser tomadas a sério, que até mesmo entristecem - reações a que o povo comum
está pronto a entregar-se, desde que se façam acompanhar por uma produção de
prazer grosseiro.
[...] Na psicologia
que se baseia na psicanálise, acostumamo-nos a tomar como ponto de partida os
processos mentais inconscientes, com cujas peculiaridades nos tornamos
familiarizados através da análise. Consideramos que são os processos mais
antigos, primários, resíduos de uma fase de desenvolvimento em que eram o único
tipo de processo mental. O propósito dominante obedecido por estes processos
primários é fácil de reconhecer; ele é descrito como o princípio de
prazer-desprazer [Lust-Unlust],
ou, mais sucintamente, princípio de prazer. Estes processos esforçam-se por
alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer evento que possa
despertar desprazer. (Aqui, temos a repressão.) Nossos sonhos à noite e, quando
acordados, nossa tendência a afastar-nos de impressões aflitivas são resquícios
do predomínio deste princípio e provas do seu poder.
[...] Os
pensamentos latentes do sonho não diferem em nenhum aspecto dos produtos de
nossa atividade consciente habitual; merecem o nome de pensamentos
pré-conscientes e, em verdade, podem ter sido conscientes em algum momento do
estado de vigília. Entretanto, por entrarem em contato com as tendências
inconscientes durante a noite, assimilaram-se a estas, degradaram-se, por assim
dizer, à condição de pensamentos inconscientes, e ficaram sujeitos às leis
pelas quais a atividade inconsciente é dirigida. E aqui temos a oportunidade de
aprender o que não poderíamos ter adivinhado pela especulação, ou por outra
fonte de informação empírica - que as leis da atividade inconsciente diferem
amplamente daquelas da consciente. Inferimos pormenorizadamente quais são as
peculiaridades do Inconsciente
e podemos esperar aprender ainda mais sobre elas mediante investigação mais
profunda dos processos da formação onírica.
[...] A
inconsciência pareceu-nos, a princípio, apenas uma característica enigmática de
um ato psíquico definido. Atualmente ela significa mais para nós. É sinal de
que este ato partilha da natureza de determinada categoria psíquica, que
conhecemos por outras características mais importantes, e que ele pertence a um
sistema de atividade psíquica merecedor de nossa plena atenção. O valor índice
do inconsciente ultrapassou de muito sua importância como propriedade. O
sistema assinalado pelo fato de seus atos isolados serem inconscientes é
chamado ‘O Inconsciente’, por falta de termo melhor e menos ambíguo. Em alemão,
proponho denotar esse sistema pelas letras Ubw, abreviatura da palavra ‘Unbewusst‘. E este é o terceiro e mais significativo sentido que
o termo ‘inconsciente’ adquiriu na psicanálise.
[...] O estado
atual de nosso conhecimento leva-nos a concluir que o fator essencial na
construção de sonhos é um desejo inconsciente - geralmente um desejo infantil,
agora reprimido - que pode vir a se expressar nesse material somático ou
psíquico (e também nos resíduos diurnos, portanto) e pode abastecer estes com
uma força que os capacita a forçar seu caminho em direção à consciência, mesmo
durante a suspensão do pensamento, à noite. O sonho é, em todos os casos, uma
realização deste desejo
inconsciente, seja o que for que possa conter mais - advertência, reflexão,
admissão, ou qualquer outra parte do rico conteúdo do estado de vigília
pré-consciente que continuou, sem ser tratado, noite adentro. É este desejo inconsciente que dá à
elaboração onírica seu caráter peculiar, como revisão inconsciente do material
pré-consciente. Um psicanalista pode caracterizar como sonhos apenas os
produtos da elaboração onírica: apesar do fato de só se chegar aos pensamentos
oníricos latentes a partir da interpretação do sonho, ele não pode
considerá-los como parte deste, mas apenas como parte da reflexão pré-consciente.
(A revisão secundária pela instância consciente é aqui considerada como parte
da elaboração onírica. Mesmo que devêssemos separá-la, isto não envolveria
nenhuma alteração em nossa concepção. Teríamos então de dizer: os sonhos, no
sentido analítico, compreendem a elaboração onírica propriamente dita,
juntamente com a revisão secundária de seus produtos.) A conclusão a ser tirada
destas considerações é que não se pode colocar o caráter realizador de desejos
dos sonhos no mesmo nível que seu caráter de advertência, admissão, tentativa
de solução etc., sem negar o conceito de uma dimensão psíquica de profundidade,
o que equivale a dizer, sem negar o ponto de vista da psicanálise.
O CASO SCHREBER – O
livro O caso Schreber, artigos sobre técnica
e outros trabalhos, de Sigmund Freud, trata acerca da história clínica, o
estado de beatitude, os delírios, a tentativa de interpretação, os delírios de
perseguição, substituição, sobre o mecanismo da paranoia, delírios de ciúme,
erotomania, repressão, fixação, o fracasso da depressão e a paranoia, com um
pós-escrito a respeito do caso. Em seguida traz artigos sobre a técnica
abordando sobre o manejo da interpretação de sonhos na psicanálise, a dinâmica
de transferência, recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, sobre o
início do tratamento, recordar, refletir e elaborar, observações sobre o amor
transferencial, os sonhos no folclore, o simbolismo do pênis em sonhos que
ocorrem no folclore, um sonho mau, simbolismo das fezes e ações oníricas relacionadas,
ouro de sonho, cagou na sepultura, a luz da vida, um sonho vivido, sonho e
realidade, a ascensão do camponês ao céu, estúpido, medo, o anel da felicidade,
não adianta chorar sobre o leite derramado, sobre a psicanálise, formulações
sobre os dois princípios do funcionamento mental, tipos de desencadeamento da
neurose, contribuições a um debate sobre a masturbação, uma nota sobre o
inconsciente na psicanálise, um sonho probatório, a ocorrência em sonhos do
material oriundo dos contos de fada, o tema dos três escrínios, duas mentiras
contadas por crianças, a disposição à neurose obsessiva, breves escritos e a
significação das sequências de vogas.
REFERÊNCIA
FREUD,
Sigmund. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de
Janeiro: Imago, 1980.
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