[...] A realidade é que essas esperanças
messiânicas e apocalipticas no futuro desviam a atenção do místico da sua
preocupação essencial pelo Momento Eterno e encorajam uma dependência em
relação à mera passagem do tempo como um veículo de graça e crescimento. A
concomitância de nossa perigosa crise ecológica com a súbita expansão da
tecnologia da comunicação de massa não sugere, na verdade, que o mundo esteja
em uma situação apocalíptica ou mesmo escatológica, em um período de revelação
catastrófica e de desastre iminente. Por vezes, quando se tem a impressão de
que o futuro nos está falhando, é bastante natural que ocorra uma ressurgencia
de religião e de interesse pelas coisas eternas: é o nosso único recurso. Isso
pode não ir além do conforto supersticioso da magia e da fantasia ou do
refugio, em desespero, na proteção do Altíssimo; mas, por outro lado, pode
também ser algo como a sensação irresistível de abandono e paz que
ocasionalmente se apossa das pessoas que se defrontam com a morte. Em tais
ocasiões, não há como escapar ao fato de que o ego humano, na procura da
felicidade, do poder e da integridade, e com toda a sua vontade e inteligência,
chegou a uma situação de perplexidade. Até mesmo o conforto da crença e da
esperança religiosa parece vazio, não passando de simples formas fantásticas e
refinadas de tentativa de salvar a extinção as nossas personalidades
cuidadosamente elaboradas. A personalidade, entretanto, é um fantasma ainda
menos substancial que o nosso corpo, consistindo em um trabalho efêmero da arte
que, como uma composição musical, se desvanece ao ser tocada; ao se fazer,
porém, o silêncio, ouve-se uma outra melodia, pois estamos reduzidos à inocente
simplicidade de ouvir aquilo que acontece agora. Nisso realmente se resume o
misticismo contemplativo – estar consciente, sem julgamento ou comentário, do
que realmente está acontecendo neste momento, tanto em nosso intimo como
exteriormente, sem nos apercebermos sequer de nossos pensamentos involuntários,
como se não passassem de mero ruído de chuva. Tal comportamento só é possível
quando está claro que não há mais nada a fazer, nem meio de progredir ou
recuar. Aguarda sem prensar, pois ainda não estás pronto para tal: assim, a
escuridão será a luz e a quietude, a dança. Assim, quando não há passado nem
futuro, as portas da percepção se abrem e vemos tudo como realmente é –
infinito. Todos aqueles que jamais se deixaram reduzir a essa simplicidade
sentirão, certamente, que se trata de uma árida supersimplificação, que deve
haver muito mais do que isto – em matéria de doutrinas, preceitos e práticas –
para se obter uma efetiva consciência religiosa. aqui, então, serão expostas
todas as velhas objeções à negatividade das ideias místicas, à dissolução do
Deus, nosso Pai, na divina escuridão ou nuvem do desconhecimento dos místicos
ocidentais, ou no Vazio informe dos budistas. Não se pode senão reiterar o
ponto de que o místico somente nega os conceitos e ídolos de Deus, e desse
modo, abre as portas da percepção, com a crença de que, se Deus é real, não
precisa ser procurado em qualquer direção especifica ou concebido de qualquer
modo especial. Para ver a luz, é somente necessário parar de sonhar e abrir os
olhos.
A VIDA CONTEMPLATIVA – O livro A vida contemplativa:
um estudo sobre a necessidade da religião mística pelo guia espiritual da
juventude moderna, do filósofo e escritor britânico, Alan Wilson Watts
(1915-1973), trata de temas como a época do espírito, a dádiva da união, a
realização da união, a existência de Deus, o coração de Deus, a vida de ação e
a vida contemplativa.
REFERÊNCIA
WATTS,
Alan. A vida contemplativa: um estudo sobre a necessidade da religião mística
pelo guia espiritual da juventude moderna. Rio de Janeiro: Record, 1971.
A vida
contemplativa.
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