[...] na formação de soberania capitalista
(corpo pleno do capital-dinheiro como socius)
a grande axiomática social tem substituído os códigos territoriais e as sobrecodificações
despóticas que caracterizam as formações precedentes; assim se formou um conjunto
gregário, molar, cujo poder de sujeição não tem igual. Vimos sobre que bases funciona
esse conjunto: todo um campo de imanência que se reproduz numa escala cada vez maior,
que não para de multiplicar seus axiomas à medida das suas necessidades, que se
enche de imagens e de imagens de imagens, através das quais o desejo é determinado
a desejar a sua própria repressão (imperialismo)
— uma descodificação e uma desterritorialização sem precedentes, que instauram
uma conjugação como sistema de relações diferenciais entre os fluxos descodificados
e desterritorializados, de tal maneira que a inscrição e a repressão sociais já
não têm necessidade de incidir diretamente sobre os corpos e as pessoas, mas, ao
contrário, os precedem (axiomática,
regulação e aplicação) — uma mais-valia determinada como mais-valia de fluxo, cuja
extorsão não ocorre por simples diferença aritmética entre duas quantidades homogêneas
e de mesmo código, mas precisamente por relações diferenciais entre grandezas heterogêneas
que não são de mesma potência: fluxo de capital e fluxo de trabalho como mais-valia
humana na essência industrial do capitalismo, fluxo de financiamento e fluxo de
pagamento ou de rendas na inscrição monetária do capitalismo, fluxo de mercado e
fluxo de inovação como mais-valia maquínica no funcionamento comercial e bancário
do capitalismo (mais-valia como
primeiro aspecto da imanência) — uma classe dominante tanto mais impiedosa quanto
menos põe a máquina a seu serviço, pois é a serva da máquina capitalista: classe
única, neste sentido, que se contenta em tirar rendimentos que, por enormes que
sejam, têm apenas uma diferença aritmética em relação às rendas-salários dos trabalhadores,
ao passo que ela funciona mais profundamente como criadora, reguladora e guardiã
do grande fluxo não apropriado, não possuído, incomensurável relativamente aos salários
e aos lucros, que marca a cada instante os limites interiores do capitalismo, seu
deslocamento perpétuo e sua reprodução numa
escala ampliada (jogo dos limites interiores
como segundo aspecto do campo de imanência capitalista, definido pela relação
circular “grande fluxo de financiamento-refluxo das rendas salariais-afluxo do lucro
bruto”) — e difusão da antiprodução na produção, como realização ou absorção da
mais-valia, de tal maneira que o aparelho militar, burocrático e policial se acha
fundado na própria economia, que produz diretamente investimentos libidinais da
repressão de desejo (antiprodução
como terceiro aspecto da imanência, exprimindo a dupla natureza do capitalismo,
produzir por produzir, mas nas condições do capital). Não há um só desses
aspectos, nem a mínima operação, nem o menor mecanismo industrial ou financeiro
que deixe de manifestar a demência da máquina capitalista e o caráter patológico
de sua racionalidade (não falsa racionalidade, mas verdadeira racionalidade desse patológico, dessa demência, “porque a máquina funciona,
estejam certos disso”). Ela não corre o risco de devir louca, pois já é louca de
uma ponta a outra desde o início,e é disto que sai sua racionalidade. O humor negro
de Marx, a fonte do Capital, é sua
fascinação por uma tal máquina: como isso pôde montar-se, sobre que fundo de descodificação e de desterritorialização,
como isso funciona, cada vez mais descodificada, cada vez mais desterritorializada,
como isso funciona tão solidamente através da axiomática, através da conjugação
de fluxos, como isso produz a terrível classe única dos homens cinzentos que mantêm
a máquina, como isso não corre o risco de morrer sozinho, mas, antes, o que faz
é nos levar a morrer, suscitando até o fim investimentos de desejo que nem sequer
passam por uma ideologia enganadora e subjetiva e que nos fazem gritar até o fim
Viva o capital na sua realidade, na sua
dissimulação objetiva! Nunca houve, a não ser na ideologia, capitalismo humano,
liberal, paternal etc. O capital define-se por uma crueldade sem igualquando comparada
com o sistema primitivo da crueldade, define-se por um terror sem igual quando comparado
com regime despótico do terror. Os aumentos de salário, a melhoria do nível de vida
são realidades, mas realidades que decorrem de tal ou qual axioma suplementar que
o capitalismo é sempre capaz de acrescentar à sua axiomática em função de uma ampliação
dos seus limites (façamos o New Deal,
defendamos e reconheçamos sindicatos mais fortes, promovamos a participação, a classe
única, venhamos a dar umpasso em direção à Rússia que faz o mesmo em nossa direção
etc.). Mas, na realidade ampliada que condicionaessas ilhotas, a exploração não
para de endurecer, a falta é arranjada da maneira mais hábil, as soluções finais
do tipo “problema judeu” são preparadas muito minuciosamente, o terceiro Mundo
é organizado como parte integrante do capitalismo. A reprodução dos limites
interiores do capitalismo numa escala cada vez mais ampliada tem várias
consequências: permitir no centro os aumentos e melhorias de nível, deslocar do
centro para a periferia as formas mais duras de exploração, mas também multiplicar
no próprio centro os enclaves de sobre-exploração, suportar facilmente as formações
ditas socialistas (não é o socialismo à maneira dos kibutz que incomoda o Estado sionista e nem é o socialismo russo
que incomoda o capitalismo mundial). Não é or metáfora que se constata isso: as
fábricas são prisões, elas não se assemelham a prisões, elas o são. tudo está
demente no sistema: é que a máquina capitalista se nutre de fluxos
descodificados e desterritorializados; ela os descodifica e os desterritorializa
ainda mais, mas fazendo-os passar para um
aparelho axiomático que os conjuga e que, nos pontos de conjugações, produz pseudocódigos
e reterritorializações artificiais. [...].
O ANTI-ÉDIPO – O livro O Anti-Édipo:
capitalismo e esquizofrenia, dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari,
trata sobre as máquinas desejantes, a
produção desejante, o orpo sem órgãos, o sujeito e o gozo, psiquiatria
materialista, as máquinas, o todo e as partes, psicanálise e familismo: a santa
família, o imperialismo de Édipo, três textos de Freud, a síntese conectiva de
produção, a síntese disjuntiva de registro, a síntese conjuntiva de consumo, recapitulação
das três sínteses, repressão e recalcamento, neurose e psicose, o processo, selvagens,
bárbaros, civilizados, socius inscritor, a máquina territorial primitiva,
problema de Édipo, psicanálise e etnologia, a representação territorial, a
máquina despótica bárbara, a representação bárbara ou imperial, o Urstaat, a
máquina capitalista civilizada, a representação capitalista; introdução à
esquizoanálise, o campo social, o inconsciente molecular, psicanálise e
capitalismo, primeira tarefa positiva da esquizoanálise, segunda tarefa
positiva da esquizoanálise e balanço-programa para máquinas desejantes.
REFERÊNCIA
DELEUZE,
Gilles; GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo:
34, 2010.
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