[...] A memória sempre me fascinou. Pense no que
ela é capaz de nos proporcionar. Podemos nos lembrar, por vontade própria, de
nosso primeiro dia de aula na escola secundária, de nosso primeiro encontro, de
nosso primeiro amor. Ao fazer isso, não nos recordamos somente do evento em si,
mas experimentamos também a atmosfera em que ele ocorreu — os cenários, os
sons, os cheiros, o ambiente social, o momento do dia, as conversas e o clima
emocional. Recordar o passado é uma forma de viagem mental no tempo. Ela nos
liberta dos limites temporais e espaciais e permite que nos movamos livremente
ao longo de dimensões completamente outras. Toda revolução tem suas origens no
passado, e a que culminou na nova ciência da mente não é nenhuma exceção. Embora
o papel central da biologia no estudo dos processos mentais fosse novo, a
capacidade dessa disciplina de influenciar o modo como o homem vê a si mesmo já
estava em jogo. Charles Darwin provou que não somos uma criação especial, mas
sim o produto de uma evolução gradual a partir de animais inferiores, que são
nossos ancestrais. Darwin sustentou, além disso, que todas as formas vivas
provêm de um ancestral comum — remontam à criação da vida propriamente dita.
Ele propôs a ideia ainda mais arrojada de que a força que impulsiona a evolução
não é nenhum propósito consciente, inteligente ou divino, mas um processo
“cego” de seleção natural, um processo completamente mecânico de seleção por
ensaio e erro, que atua com base nas variações hereditárias.
[...] A nova biologia da mente é potencialmente
mais perturbadora, pois sugere que não apenas o corpo, mas também a mente e as
moléculas específicas por trás de nossos processos mentais mais complexos — a
consciência que temos de nós mesmos e dos outros, a consciência do passado e do
futuro — evoluíram de nossos ancestrais animais. Além disso, ela postula que a
consciência é um processo biológico que será um dia explicado em termos de vias
de sinalização molecular utilizadas por populações de células nervosas em interação.
[...] As descobertas fornecidas pela nova ciência
da mente se manifestam de maneira mais evidente em nossa compreensão dos
mecanismos moleculares que o cérebro utiliza para armazenar as memórias. A
memória — a capacidade de adquirir e armazenar informações tão simples quanto
os detalhes da vida cotidiana e tão complexas quanto o conhecimento abstrato da
geografia ou da álgebra — é um dos aspectos mais notáveis do comportamento
humano. A memória nos possibilita resolver os problemas com que nos defrontamos
na vida diária, evocando diversos fatos ao mesmo tempo, uma capacidade que é
vital para a solução de problemas. Num sentido mais amplo, a memória
proporciona continuidade às nossas vidas. Ela nos fornece uma imagem coerente
do passado que coloca em perspectiva a experiência atual. A imagem pode não ser
racional ou exata, mas é persistente. Sem a força coesiva da memória, a
experiência se estilhaçaria numa quantidade de fragmentos tão elevada quanto o
número de momentos de uma vida. Sem a viagem mental no tempo que a memória nos
possibilita, não teríamos consciência alguma de nossa história pessoal, não
teríamos nenhum meio de nos recordarmos das alegrias que servem como marcos
luminosos em nossas vidas. Somos quem somos por obra daquilo que aprendemos e
de que lembramos. Nossos processos de memória servem melhor às nossas
necessidades quando podemos recordar facilmente os eventos prazerosos em nossa
vida e diluir o impacto emocional dos eventos traumáticos e dos
desapontamentos. Mas, às vezes, as lembranças terríveis persistem e arruínam a
vida, como acontece no transtorno de estresse pós-traumático, condição da qual
sofrem algumas pessoas que tiveram uma experiência direta dos eventos
aterrorizantes do Holocausto, da guerra, de um estupro ou de um desastre
natural.
[...] A nova ciência da mente acredita que o
entendimento mais profundo da biologia da memória conduzirá a tratamentos mais
eficazes tanto para a perda da memória quanto para a persistência das
lembranças dolorosas. De fato, é bem provável que essa nova ciência venha a ter
implicações práticas para muitas áreas da saúde. Ainda assim, seus objetivos
vão além da busca de soluções para doenças devastadoras. A nova ciência da
mente tenta penetrar o mistério da consciência, incluindo seu mistério maior: o
modo como o cérebro de cada pessoa cria a consciência de um eu singular e o
senso de livre arbítrio.
EM BUSCA
DA MEMÓRIA – O livro Em busca da memória:
o nascimento de uma nova ciência da mente, do neurocientista austríaco Eric
Richard Kandel, trata sobre a memória pessoal e a biologia do armazenamento da
memória, a infância, a educação americana, a célula, a fala e a célula nervosa,
conversações entre as células nervosas, sistemas neuronais simples e complexos,
os diferentes tipos de memória nas diferentes regiões do cérebro, em busca de
um sistema ideal para estudar a memória, análogos neurais da aprendizagem, fortalecendo
as conexões sinápticas, um centro para o estudo da neurobiologia e do
comportamento, os mesmo os comportamentos simples podem ser modificados pela aprendizagem,
a experiência modifica as sinapses, os fundamentos biológicos da
individualidade, as moléculas e a memória de curto prazo, a memória de longo
prazo, os genes da memória, o diálogo entre os genes e as sinapses, retornando
à memória complexa, as sinapses também guardam nossas mais caras lembranças, a imagem
cerebral do mundo externo, é preciso prestar atenção!, uma pilulazinha vermelha,
ratos & homens e doenças mentais, um novo modo de tratar a doença mental, a
biologia e o renascimento do pensamento psicanalítico, a consciência, redescobrindo
Viena via Estocolmo e aprendendo com a memória: perspectivas.
REFERÊNCIA
KANDEL,
Eric. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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