quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

ECOLOGIA SOCIAL, DE MURRAY BOOKCHIN


É hoje impossível considerar pouco importantes, marginais ou "burgueses" os problemas ecológicos. O aumento da temperatura do planeta em virtude do teor crescente de anidrido carbônico na atmosfera, a descoberta de enormes buracos na camada de ozônio - atribuíveis ao uso exagerado de clorofluorcarbonetos - que permitem a passagem das radiações ultravioletas, a poluição maciça dos oceanos, do ar, da água potável e dos alimentos, a extensa deflorestação causada pelas chuvas ácidas e pelo abate incontrolado, a disseminação de material radioativo ao longo de toda a cadeia alimentar... tudo isto conferiu à ecologia uma importância que não tinha no passado. A sociedade atual está a danificar o planeta a níveis que superam a sua capacidade de autodepuração. Avizinhamo-nos do momento em que a Terra não estará em formas de manter a espécie humana nem as complexas formas de vida não humana, que se desenvolveram ao longo de milhões de anos de evolução orgânica. Face a este cenário catastrófico há o risco, a julgar pelas tendências em curso na América do Norte e nalguns países da Europa ocidental, de se tentar curar os sintomas em vez das causas e de pessoas ecologicamente empenhadas procurarem soluções cosméticas em vez de respostas duradouras. O crescimento dos movimentos "verdes" um pouco por todo o mundo - inclusive no Terceiro Mundo- testemunha a existência de novo impulso para combater corretamente o desastre ecológico. Mas torna-se cada vez mais evidente que se necessita de bastante mais que de um "impulso". Por importante que seja deter a construção de centrais nucleares, de autoestradas, de grandes aglomerações urbanas ou reduzir a utilização de produtos químicos na agricultura e na indústria alimentar, é necessário darmo-nos conta que as forças que conduzem a sociedade para a destruição planetária têm as suas raízes na economia mercantil do "cresce ou morres", num modo de produção que tem de expandir-se enquanto sistema concorrencial. O que está em causa não é a simples questão de "moralidade", de "psicologia" ou de "cobiça". Neste mundo competitivo em que cada um se acha reduzido a ser comprador ou vendedor e em que cada empresa se deve expandir para sobreviver, o crescimento limitado é inevitável. Adquiriu a inexorabilidade duma lei física, funcionando independentemente de intenções individuais, de propensões psicológicas ou de considerações éticas.
[...] A ecologia social, tal como a concebo, não é mensagem primitivista tecnocrática. Tenta definir o lugar da humanidade "na" natureza - posição singular, extraordinária - sem cair num mundo de cavernícolas antitecnológicos, nem levantar voo do planeta com fantasiosas astronaves e estações orbitais de ficção científica. A humanidade faz parte da natureza, embora difira profundamente da vida não humana pela sua capacidade de pensar conceitualmente e de comunicar simbolicamente. A natureza, por sua vez, não é simplesmente cena panorâmica a olhar passivamente através da janela, é a evolução na sua totalidade, tal como o indivíduo é a sua própria biografia e não a simples edição de dados numéricos que exprimem o seu peso, altura, talvez "inteligência" e assim por diante. Os seres humanos não são unicamente uma entre muitas formas de vida, forma especializada para ocupar um dos muitos nichos ecológicos no mundo natural. São seres que, pelo menos potencialmente, podem tornar autoconsciente e, por conseguinte, autodirigida a evolução biótica. Com isto não quero dizer que a humanidade chegue a ter conhecimento suficiente da complexidade do mundo natural para poder ser o timoneiro da sua evolução, dirigindo-a à sua vontade. As minhas reflexões sobre a espontaneidade sugiram prudência nas intervenções sobre o mundo natural, (sustentam que se requer) grande cautela nas modificações a empreender. Mas, como disse em "Pensar Ecologicamente", o que verdadeiramente nos faz únicos é podermos intervir na natureza com um grau de autoconsciência e flexibilidade desconhecido nas outras espécies. Que a intervenção seja criadora ou destrutiva é problema que devemos enfrentar em toda a reflexão sobre a nossa interação com a natureza. Se as potencialidades humanas de autodireção consciente da natureza são enormes devemos contudo recordar que somos hoje ainda menos que humanos. A nossa espécie é uma espécie dividida - dividida antagonisticamente por idade, caráter, classe, rendimento, etnia, etc. - e não uma espécie unida. Falar de "humanidade" em termos zoológicos, como fazem atualmente tantos ecologistas - inclusivamente tratar as pessoas como espécie e não como seres sociais que vivem em complexas criações institucionais - é ingenuamente absurdo. Uma humanidade iluminada, reunida para se dar conta das suas plenas potencialidades numa sociedade ecologicamente harmoniosa, é apenas uma esperança e não apenas uma realidade, um "dever ser" e não um "ser". Enquanto não tivermos criado uma sociedade ecológica, a capacidade de nos matarmos uns aos outros e de devastar o planeta fará de nós - como efetivamente faz - uma espécie menos evoluída do que as outras. Não conseguir ver que atingir a humanidade plena é problema social que depende de mutações institucionais e culturais fundamentais é reduzir a ecologia radical à zoologia e tornar quimérica qualquer tentativa de realizar uma sociedade ecológica.
[...] Uma nova política deveria, quanto a mim, implicar a criação duma esfera pública "de base" extremamente participativa, a nível da cidade, do campo, das aldeias e bairros. Decerto o capitalismo provocou destruição tanto dos vínculos comunitários como do mundo natural. Em ambos os casos encontramo-nos face a simplificação das relações humanas e não humanas, à sua redução a formas interativas e comunitárias elementares. Mas onde existam ainda laços comunitários e onde - mesmo nas grandes cidades - possam nascer interesses comuns, esses devem ser cultivados e desenvolvidos. Estudei este tipo de política comunal (repito: entendo política no sentido helênico, não no seu significado atual que denomino "estatalidade") no meu livro "O Progresso da Urbanização e o Declínio da Cidadania". Por difícil que pareça, na Europa (e em menor grau, creio, nos Estados Unidos) acredito na possibilidade duma confederação de municípios livres como contra-poder de base à centralização crescente do poder por parte do Estado-nação. Quero fazer notar que, neste campo, a política ecológica é em muitos casos não apenas possível mas também coerente com a ecologia concebida como estudo da comunidade, quer humana quer não humana. Uma sociedade ecológica pressupõe formas participativas de base, comunitárias, que tal política se propõe realizar no futuro. A ecologia não é nada se se não ocupar do modo como interagem as formas de vida para construir e se desenvolverem como comunidades [...].

ECOLOGIA SOCIAL – A obra Ecologia social e outros ensaios, do escritor anarquista verde norte-americano, Murray Bookchin, aborda questões sobre a ecologia social, hecatombes de quarenta milhões de bisões, sem hierarquia e sem classes, o que é a natureza, vínculos comunitários, municipalismo comunitário, da tribo à cidade, a cidade e a urbe, município e democracia direta, o Estado contra a cidade, as classes sociais em reformulação, a comunidade e a fábrica, comunalismo: a dimensão democrática do anarquismo, grupos de afinidade, autogestão e tecnologias alternativas, sociedade e ecologia, a relação da sociedade com a natureza, o conceito de ecologia social, a filosofia da ecologia social, ecologia e pensamento revolucionário, anarquismo e ecologia, um manifesto ecológico, o poder de destruir e o poder de criar, tecnologia e população, ecologia e sociedade, uma visão de mundo mais coerente, nenhum presente parte do Estado, ecologia profunda e um momento de transição.

REFERÊNCIA
BOOKCHIN, Murray. Ecologia social. Rio de Janeiro: Achiamé. 2010.

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