É hoje impossível considerar pouco importantes,
marginais ou "burgueses" os problemas ecológicos. O aumento da
temperatura do planeta em virtude do teor crescente de anidrido carbônico na
atmosfera, a descoberta de enormes buracos na camada de ozônio - atribuíveis ao
uso exagerado de clorofluorcarbonetos - que permitem a passagem das radiações
ultravioletas, a poluição maciça dos oceanos, do ar, da água potável e dos
alimentos, a extensa deflorestação causada pelas chuvas ácidas e pelo abate
incontrolado, a disseminação de material radioativo ao longo de toda a cadeia
alimentar... tudo isto conferiu à ecologia uma importância que não tinha no
passado. A sociedade atual está a danificar o planeta a níveis que superam a
sua capacidade de autodepuração. Avizinhamo-nos do momento em que a Terra não
estará em formas de manter a espécie humana nem as complexas formas de vida não
humana, que se desenvolveram ao longo de milhões de anos de evolução orgânica. Face
a este cenário catastrófico há o risco, a julgar pelas tendências em curso na
América do Norte e nalguns países da Europa ocidental, de se tentar curar os
sintomas em vez das causas e de pessoas ecologicamente empenhadas procurarem
soluções cosméticas em vez de respostas duradouras. O crescimento dos movimentos
"verdes" um pouco por todo o mundo - inclusive no Terceiro Mundo-
testemunha a existência de novo impulso para combater corretamente o desastre
ecológico. Mas torna-se cada vez mais evidente que se necessita de bastante
mais que de um "impulso". Por importante que seja deter a construção
de centrais nucleares, de autoestradas, de grandes aglomerações urbanas ou
reduzir a utilização de produtos químicos na agricultura e na indústria
alimentar, é necessário darmo-nos conta que as forças que conduzem a sociedade
para a destruição planetária têm as suas raízes na economia mercantil do
"cresce ou morres", num modo de produção que tem de expandir-se
enquanto sistema concorrencial. O que está em causa não é a simples questão de
"moralidade", de "psicologia" ou de "cobiça".
Neste mundo competitivo em que cada um se acha reduzido a ser comprador ou
vendedor e em que cada empresa se deve expandir para sobreviver, o crescimento
limitado é inevitável. Adquiriu a inexorabilidade duma lei física, funcionando
independentemente de intenções individuais, de propensões psicológicas ou de
considerações éticas.
[...] A ecologia social, tal como a concebo, não é
mensagem primitivista tecnocrática. Tenta definir o lugar da humanidade
"na" natureza - posição singular, extraordinária - sem cair num mundo
de cavernícolas antitecnológicos, nem levantar voo do planeta com fantasiosas
astronaves e estações orbitais de ficção científica. A humanidade faz parte da
natureza, embora difira profundamente da vida não humana pela sua capacidade de
pensar conceitualmente e de comunicar simbolicamente. A natureza, por sua vez,
não é simplesmente cena panorâmica a olhar passivamente através da janela, é a
evolução na sua totalidade, tal como o indivíduo é a sua própria biografia e
não a simples edição de dados numéricos que exprimem o seu peso, altura, talvez
"inteligência" e assim por diante. Os seres humanos não são
unicamente uma entre muitas formas de vida, forma especializada para ocupar um
dos muitos nichos ecológicos no mundo natural. São seres que, pelo menos
potencialmente, podem tornar autoconsciente e, por conseguinte, autodirigida a
evolução biótica. Com isto não quero dizer que a humanidade chegue a ter
conhecimento suficiente da complexidade do mundo natural para poder ser o timoneiro
da sua evolução, dirigindo-a à sua vontade. As minhas reflexões sobre a
espontaneidade sugiram prudência nas intervenções sobre o mundo natural,
(sustentam que se requer) grande cautela nas modificações a empreender. Mas,
como disse em "Pensar Ecologicamente", o que verdadeiramente nos faz
únicos é podermos intervir na natureza com um grau de autoconsciência e
flexibilidade desconhecido nas outras espécies. Que a intervenção seja criadora
ou destrutiva é problema que devemos enfrentar em toda a reflexão sobre a nossa
interação com a natureza. Se as potencialidades humanas de autodireção
consciente da natureza são enormes devemos contudo recordar que somos hoje
ainda menos que humanos. A nossa espécie é uma espécie dividida - dividida
antagonisticamente por idade, caráter, classe, rendimento, etnia, etc. - e não
uma espécie unida. Falar de "humanidade" em termos zoológicos, como
fazem atualmente tantos ecologistas - inclusivamente tratar as pessoas como
espécie e não como seres sociais que vivem em complexas criações institucionais
- é ingenuamente absurdo. Uma humanidade iluminada, reunida para se dar conta
das suas plenas potencialidades numa sociedade ecologicamente harmoniosa, é
apenas uma esperança e não apenas uma realidade, um "dever ser" e não
um "ser". Enquanto não tivermos criado uma sociedade ecológica, a
capacidade de nos matarmos uns aos outros e de devastar o planeta fará de nós -
como efetivamente faz - uma espécie menos evoluída do que as outras. Não
conseguir ver que atingir a humanidade plena é problema social que depende de
mutações institucionais e culturais fundamentais é reduzir a ecologia radical à
zoologia e tornar quimérica qualquer tentativa de realizar uma sociedade
ecológica.
[...] Uma
nova política deveria, quanto a mim, implicar a criação duma esfera pública
"de base" extremamente participativa, a nível da cidade, do campo,
das aldeias e bairros. Decerto o capitalismo provocou destruição tanto dos
vínculos comunitários como do mundo natural. Em ambos os casos encontramo-nos
face a simplificação das relações humanas e não humanas, à sua redução a formas
interativas e comunitárias elementares. Mas onde existam ainda laços
comunitários e onde - mesmo nas grandes cidades - possam nascer interesses
comuns, esses devem ser cultivados e desenvolvidos. Estudei este tipo de
política comunal (repito: entendo política no sentido helênico, não no seu
significado atual que denomino "estatalidade") no meu livro "O
Progresso da Urbanização e o Declínio da Cidadania". Por difícil que
pareça, na Europa (e em menor grau, creio, nos Estados Unidos) acredito na
possibilidade duma confederação de municípios livres como contra-poder de base
à centralização crescente do poder por parte do Estado-nação. Quero fazer notar
que, neste campo, a política ecológica é em muitos casos não apenas possível
mas também coerente com a ecologia concebida como estudo da comunidade, quer
humana quer não humana. Uma sociedade ecológica pressupõe formas participativas
de base, comunitárias, que tal política se propõe realizar no futuro. A
ecologia não é nada se se não ocupar do modo como interagem as formas de vida
para construir e se desenvolverem como comunidades [...].
ECOLOGIA SOCIAL – A obra Ecologia social e outros ensaios, do escritor anarquista verde
norte-americano, Murray Bookchin, aborda questões sobre a ecologia social,
hecatombes de quarenta milhões de bisões, sem hierarquia e sem classes, o que é
a natureza, vínculos comunitários, municipalismo comunitário, da tribo à
cidade, a cidade e a urbe, município e democracia direta, o Estado contra a
cidade, as classes sociais em reformulação, a comunidade e a fábrica, comunalismo:
a dimensão democrática do anarquismo, grupos de afinidade, autogestão e
tecnologias alternativas, sociedade e ecologia, a relação da sociedade com a
natureza, o conceito de ecologia social, a filosofia da ecologia social,
ecologia e pensamento revolucionário, anarquismo e ecologia, um manifesto
ecológico, o poder de destruir e o poder de criar, tecnologia e população,
ecologia e sociedade, uma visão de mundo mais coerente, nenhum presente parte
do Estado, ecologia profunda e um momento de transição.
REFERÊNCIA
BOOKCHIN,
Murray. Ecologia social. Rio de Janeiro: Achiamé. 2010.
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