quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FELIZ ANO NOVO


Luiz Alberto Machado

O ano novo é como o dia que amanhece com todas as perspectivas no horizonte.

Os dias são como as horas que passam quase imperceptíveis na circunstância.

As horas são como os minutos que quase nem se percebe.

E nos segundos, tudo pode acontecer por um triz: sejam chegadas, partidas.

Isso porque tudo é feito de agora e sempre.

E só depende de nós.

Depende apenas de nós todas as conquistas, vitórias e até mesmo o indesejável.

Tudo o que almejamos depende das nossas escolhas e opções.

Tudo que sonhamos depende de nossas condutas, nossas conduções.

Tudo é passível de erros e acertos.

E nessa bifurcação, só valerá o aprendizado na busca pelo melhor, pelo justo, pelo certo e por todos os nossos ideais e anseios.

Todas as metas e objetivos são passíveis de se atingir, mesmo que tenhamos que voltar - nunca será tarde para recomeçarmos, porque tudo está no horizonte ao alcance dos olhos.

E basta ver o dia raiar todas as manhãs na confirmação de um novo dia e construindo uma nova esperança.

Isso nos dá a certeza de que a verdadeira força da realização está em nós mesmos.

Por isso é preciso andar firme, seguir em frente para escolher aonde se quer chegar.

Um ano novo se anuncia e nos ensina que é preciso aprender com o passado para construir o futuro no presente.

E vamos juntos porque nunca estaremos sozinhos na caminhada.

Porque os nossos passos serão os de todos aqueles que se extasiam de vida com todas as felicidades e alegrias juntas a nos fazer tão melhores quanto já fomos, herdeiros do que já foi para sermos o que será.

Tudo é feito pelo que faremos adiante, vamos brindar!

A vida prossegue e vamos juntos para o amanhã que nos espera.

De mãos dadas, podemos nos iluminar com o Sol que desvela toda vida.

A estrada é nossa!

Vamos juntos!

Feliz Ano Novo.


Veja aqui ou aqui.




terça-feira, 30 de dezembro de 2014

CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS, DE NIETZSCHE



[...] Os senhores me perguntam o que são todas as idiossincrasias dos filósofos?... Por exemplo, sua falta de sentido histórico, seu ódio contra a representação mesma do vir-a-ser, seu egipcismo. Eles acreditam que desistoricizar uma coisa, torná-la uma sub specie aeterni, construir a partir dela uma múmia, é uma forma de honrá-la. Tudo o que os filósofos tiveram nas mãos nos últimos milênios foram múmias conceituais; nada de efetivamente vital veio de suas mãos. Eles matam, eles empalham, quando adoram, esses senhores idólatras de conceitos. Eles trazem um risco de vida para todos, quando adoram. A morte, a mudança, a idade, do mesmo modo que a geração e o crescimento são para eles objeções - e até refutações. O que é não vem-a-ser; o que vem-a-ser não é... Agora, eles acreditam todos, mesmo com desespero, no Ser. No entanto, visto que não conseguem se apoderar deste, eles buscam os fundamentos pelos quais ele se lhes oculta. "É preciso que uma aparência, que um 'engano' aí se imiscua, para que não venhamos a perceber o ser: onde está aquele que nos engana?" "Nós o temos, eles gritam venturosamente, o que nos engana é a sensibilidade! Esses sentidos, que por outro lado são mesmo totalmente imorais, nos enganam quanto ao mundo verdadeiro. Moral: conseguir desembaraçar-se do engano dos sentidos, do vir-a-ser, da história, da mentira. História não é outra coisa senão crença nos sentidos, crença na mentira. Moral: dizer não a tudo o que nos faz crer nos sentidos, a todo o resto da humanidade. Tudo isto é o “povo”. Ser filósofo, ser múmia, apresentar o monótono-teísmo através de uma mímica de coveiros! - E antes de tudo para fora com o corpo, esta ideia fixa dos sentidos digna de compadecimento! Este corpo acometido por todas as falhas da lógica, refutado, até mesmo impossível, apesar de ser suficientemente impertinente para se portar como se fosse efetivo!"...
[...] Todas as paixões têm um tempo em que são meramente nefastas, em que aviltam suas vítimas com o peso da estupidez; e um tempo posterior, muito posterior, em que se casam com o espírito, em que se "espiritualizam". Outrora, em virtude da estupidez na paixão, combatia-se a própria paixão: conjurava-se para a sua aniquilação. Todos os antigos monstros da moral são unânimes quanto a isso: "il faut tuer les passions". A formulação mais famosa desta sentença encontra-se no Novo Testamento, naquele Sermão da Montanha, no qual, dito de passagem, as coisas não foram consideradas de modo algum desde o alto. Aí mesmo, por exemplo, diz-se com respeito à sexualidade: "Se teu olho te escandaliza, arranca-o fora". Por sorte nenhum cristão age segundo este preceito. Aniquilar os sofrimentos e os desejos, apenas para evitar sua estupidez e as consequências desagradáveis de sua estupidez, se nos apresenta hoje como sendo mesmo apenas uma forma aguda desta última. Não passamos a admirar mais os dentistas que arrancam os nossos dentes, para que eles não doam mais... Por outro lado, é preciso confessar com alguma equidade que, sobre o solo de crescimento do Cristianismo, o conceito de "Espiritualização da Paixão" não podia ser concebido de forma alguma. Como é de fato reconhecido, a igreja primitiva lutou contra os "Inteligentes" em favor dos "Pobres de Espírito": como seria possível esperar dela uma guerra inteligente contra a paixão? - A igreja combate o sofrimento através da extirpação em todos os sentidos: sua prática, seu "tratamento" é o da castração. Ela nunca pergunta: "como se espiritualiza, se embeleza, se diviniza um desejo?" Em todos os tempos, ela pôs a ênfase da disciplina na supressão (da sensibilidade, do orgulho, do desejo de domínio, de posse e de vingança). - Mas atacar os sofrimentos na raiz é o mesmo que atacar a vida na raiz: a práxis da igreja é inimiga da vida...
[...] Todo o âmbito da moral e da religião pertence a este conceito das causas imaginárias. - "Explicação" dos sentimentos universais desagradáveis. Estes sentimentos são condicionados pelos seres que são nossos inimigos (os espíritos maus são o caso mais célebre - as histéricas que foram mal compreendidas como bruxas). Eles são condicionados por ações que não são passíveis de aprovação (o sentimento do "pecado", do "caráter pecaminoso", "imputado" a um mal-estar fisiológico - sempre se encontra razões para se estar descontente consigo mesmo). Eles são condicionados como punições, como a paga por algo que não deveríamos ter feito, para algo que não deveríamos ter sido (ideia universalizada de forma impudente por Schopenhauer através de uma proposição, na qual a moral aparece como o que é, como a própria envenenadora e caluniadora da vida: "toda e qualquer grande dor, seja ela corporal, ou espiritual, expressa o que merecemos; pois ela não poderia advir-nos, se não a merecêssemos". Mundo como Vontade e Representação. Eles são condicionados enquanto consequências de ações irrefletidas que prosseguem terrivelmente (os afetos, os sentidos são estipulados como causas, como "culpáveis"; estados de necessidade fisiológicos interpretados com a ajuda de outros estados de necessidade como "merecidos"). - "Explicação" dos sentimentos universais agradáveis. Eles são condicionados pela confiança em Deus. Eles são condicionados pela consciência de boas ações (a assim chamada "boa consciência"; um estado fisiológico que por vezes parece tão similar a uma digestão feliz, que chegamos a confundi-los). Eles são condicionados pelo desenlace feliz de certos empreendimentos (falsa conclusão, de uma ingenuidade patética: o desenlace feliz de um empreendimento não cria, para um hipocondríaco ou para um Pascal, nenhum sentimento universal agradável). Estes são condicionados pela crença, pelo amor, pela esperança - as virtudes cristãs. – Em verdade, todas estas pretensas explicações são consequências de estados de prazer e de desprazer traduzidos, por assim dizer, em um falso dialeto: se está em condições de ter esperanças porque o sentimento fundamental fisiológico está de novo forte e rico; confia-se em Deus porque o sentimento de plenitude e de força entrega ao indivíduo a quietude. - A moral e a religião pertencem completamente  à psicologia do erro: em todos os casos particulares, a causa e o efeito são confundidos; ou bem a verdade é confundida com o efeito do que se crê como verdadeiro; ou bem um estado de consciência com a causalidade desse estado.
[...] Qual pode ser nossa única doutrina?- Que ninguém dá ao homem suas propriedades; nem Deus, nem a sociedade, nem seus pais e ancestrais, nem ele mesmo (-  o contrassenso da representação, aqui por fim recusada, é ensinado por Kant, e talvez mesmo já por Platão, como "liberdade inteligível"). Ninguém é responsável em geral por ele existir, por ele ser constituído de tal ou tal modo, por ele se encontrar sob estas circunstâncias, nesta ambiência. A fatalidade de sua existência não pode ser separada da fatalidade de tudo o que foi e de tudo o que será. O homem não é a consequência de uma intenção própria, de uma vontade, de uma finalidade. Com ele não é feita a tentativa de alcançar um "ideal de homem" ou um "ideal de felicidade" ou um "ideal de moralidade". - É absurdo querer fazer rolar sua existência em direção a uma finalidade qualquer. Nós inventamos o conceito de "finalidade": na realidade falta a finalidade... É-se necessariamente, se é um pedaço de fatalidade, se pertence ao todo, se está no todo. Não há nada que pudesse julgar, medir, comparar, condenar nosso ser, pois isso significaria julgar, medir, comparar, condenar o todo... Mas não há nada fora do todo! Que ninguém mais seja responsável, que o modo de ser não possa ser reconduzido a uma causa prima, que o mundo não seja uma unidade nem enquanto mundo sensível, nem enquanto "espírito": só isso é a grande libertação. - Com isso a inocência do vir-a-ser é restabelecida... O conceito de "Deus" foi até aqui a maior objeção contra a existência... Nós negamos Deus, negamos a responsabilidade em Deus: somente com isso redimimos o mundo.
[...] Eu apresento a partir de agora, para não perder o meu jeito afirmativo, este jeito que só tem a ver mediada e involuntariamente com a contradição e a crítica, as três tarefas em virtude das quais se precisa de educadores. Tem-se de aprender a ver, tem-se de aprender a pensar, tem-se de aprender a falar e escrever: o alvo em todas as três é uma cultura nobre. - Aprender a ver: acostumar os olhos à quietude, à paciência, a aguardar atentamente as coisas; protelar os juízos, aprender a circundar e envolver o caso singular por todos os lados. Esta é a primeira preparação para a espiritualidade: não reagir imediatamente a um estímulo, mas saber acolher os instintos que entravam e isolam. Aprender a ver, assim como eu o entendo, é quase isso que o modo de falar não-filosófico chama de a vontade forte: o essencial nisso é precisamente o fato de poder não "querer", de poder suspender a decisão. Toda ação sem espiritualidade, bem como toda vulgaridade repousa sobre a incapacidade de sustentar uma oposição a um estímulo - o "precisa-se reagir" segue-se a cada impulso. Em muitos casos, uma tal necessidade já é prova de um caráter doentio, de decadência, de um sintoma de esgotamento. – Quase tudo que a rudeza não-filosófica denomina com o nome de "vício" é meramente aquela incapacidade fisiológica de não reagir. Uma aplicação do ter-aprendido-a-ver: à medida que nos tornamos um destes que aprende, nos tornamos em geral lentos, desconfiados e resistentes. Deixa-se inicialmente advir todo tipo de coisa estranha e nova com uma quietude hostil - se retirará a mão daí. O ter todas as portas abertas, o deitar de bruços submisso diante de todo e qualquer pequeno fato, o inserir-se e o lançar-se sempre pronto para o salto no diverso, em resumo a célebre "objetividade moderna" é de mau gosto, é não-nobre par excellence.
[...] Moral para Psicólogos. - Não desempenhar nenhuma psicologia barata! Nunca observar por observar! Isto dá uma falsa ótica, uma vesguice, algo forçado e desmesurante. Vivenciar enquanto um querer vivenciar não funciona. Não é permitido olhar para si mesmo em uma vivência, toda olhada torna-se aí um "mau olhado". Um psicólogo nato protege-se instintivamente de ver por ver; o mesmo vale para o pintor nato. Ele nunca trabalha "segundo a natureza" - ele abandona ao seu instinto, à sua câmera obscura o transpassamento e a expressão do "caso", da "natureza", do "vivenciado"... Ele não tem consciência senão do universal, da conclusão, do resultado: ele não conhece aquela abstração arbitrária do caso singular. - O que acontece, quando se age de outra maneira? Por exemplo, quando à moda dos novelistas parisienses se implementa a grande e a pequena psicologia barata? Espreita-se aí do mesmo modo a efetividade, se traz toda noite para casa a mão cheia de curiosidades... Mas eu diria: só se vê o que por último vem à tona - um monte de nódoas, um mosaico na melhor das hipóteses, de qualquer forma algo co-adicionado, inquieto e de cores gritantes. São os irmãos Goncourt que alcançam o que há de pior nisto: eles não alinhavam sequer três frases sem simplesmente ferir os olhos, os olhos do psicólogo. A natureza, avaliada artisticamente, não é nenhum modelo. Ela exagera, ela desfigura, ela deixa brechas. A natureza é o acaso. O estudo "segundo a natureza" parece-me um mau sinal: ele trai sujeição, fraqueza, fatalismo. Esta prostração pulverizada diante dos fatos pequenos é indigna de um artista completo. Ver o que é pertence a um outro gênero de espíritos, aos espíritos anti-artísticos, aos objetivos. É preciso saber quem se é...
Para a Psicologia do Artista - Para que haja a arte, para que haja uma ação e uma visualização estéticas é incontornável uma precondição fisiológica: a embriaguez. A embriaguez precisa ter elevado primeiramente a excitabilidade de toda a máquina: senão não se chega à arte. Todos os modos mais diversamente condicionados da embriaguez ainda possuem a força para isso: antes de tudo, a embriaguez da excitação sexual, a mais antiga e originária forma da embriaguez. Da mesma forma, a embriaguez que nasce como consequência de todo grande empenho do desejo, de toda e qualquer afecção forte; a embriaguez da festa, do combate, dos atos de bravura, da vitória, de todo e qualquer movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez na destruição; a embriaguez sob certas influências meteorológicas, por exemplo a embriaguez primaveril; ou sob a influência dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade acumulada e dilatada. - O essencial na embriaguez é o sentimento de elevação da força e de plenitude. A partir deste sentimento nos entregamos às coisas, as obrigamos a nos tornar, as violentamos. – Denomina-se esse evento como uma idealização. Desprendamo-nos aqui de um preconceito: o idealizar não consiste, como geralmente se pensa, em uma subtração e uma dedução disto que é pequeno e secundário. O que é decisivo é muito mais uma monstruosa exaltarão dos traços principais, de modo que os outros traços pertinentes se dissipam.
[...] Casuística de Psicólogo. -  O psicólogo é alguém que conhece o homem: para que estuda propriamente os homens? Ele quer retirar deles pequenas vantagens, ou mesmo grandes - ele é um político!... Este aí também é um conhecedor dos homens: e vós dizeis que ele não quer com isso nada para si, que ele é um grande "impessoal". Atentai mais incisivamente! Talvez ele ainda queira até mesmo uma vantagem pior: sentir-se superior aos homens, ter o direito de olhar para eles desde cima, não se misturar mais com eles. Este "impessoal" é um desprezador de homens: e aquele primeiro é da espécie mais humana, independentemente do que possa dizer a aparência. Ele se coloca no mínimo como igual, ele se insere... O compasso psicológico dos alemães parece-me estar colocado em questão por toda uma série de casos, cuja modéstia me impede de apresentar a lista. Em um caso não me faltará um grande ensejo para fundamentar minha tese: eu guardo rancor dos alemães por terem se equivocado quanto a Kant e a sua "Filosofia das Portas dos Fundos", como a chamo. - Isto não foi condizente com a tipologia da retidão intelectual. - Uma outra coisa que não consigo escutar é um famigerado e nefando "e": os alemães dizem "Goethe e Schiller". Temia que dissessem "Schiller e Goethe"... Então não se conhece este Schiller? -Mas há ainda um "e" pior; ouvi com meus próprios ouvidos (apesar de ser apenas dentre professores universitários): "Schopenhauer e Hartmann"...
[...] L'art pour l'art - A luta contra a finalidade na arte é sempre a luta contra a tendência moralizante na arte, contra a sua subordinação à moral. L'art pour l'art significa: "Que o diabo carregue a moral!" - Mas até mesmo esta inimizade denuncia a força preponderante do preconceito. Se se exclui da arte a finalidade própria à pregação moral e ao melhoramento da humanidade, então ainda está longe de seguir daí que a arte é em geral sem finalidade, sem meta, sem sentido; em resumo, a arte pela arte - um verme que morde seu próprio rabo. É preferível nenhuma finalidade a uma finalidade da moral!" - assim fala a mera paixão. Um psicólogo pergunta em contrapartida: o que faz toda arte? ela não louva? ela não glorifica? ela não seleciona? não realça? Com tudo isto, ela fortalece e enfraquece certas estimativas de valor... Isto é apenas um acessório? Um acaso? Algo de que o interesse do artista não tomaria parte absolutamente? Ou então: não é o pressuposto para tanto que o artista esteja em condições de empreender tudo isto ... ? Seu instinto mais profundo tende para a arte, ou, ao invés disso, muito mais para o sentido da arte, para a vida? Para algo desejável da vida? - A arte é o maior estimulante para a vida: como se poderia entendê-la como sem finalidade, como sem meta, como l'art pour l'art? Uma pergunta ressurge: a arte faz com que se manifeste também algo feio, duro, discutível da vida - ela não parece com isto dirimir a paixão pela vida? - E de fato houve filósofos que lhe emprestaram este sentido: "apartar-se da vontade", ensinava  Schopenhauer enquanto intuito total da arte, "estar afinado com a resignação" honrava ele enquanto a grande utilidade da tragédia. - Mas isto - já dei a entender - é uma ótica de pessimista e um "mau-olhado": precisa-se apelar para os próprios artistas. O que é que o artista trágico comunica de si? Não é exatamente um estado sem temor frente ao temível e problemático, que ele indica? - Esse estado mesmo é algo desejável; quem o conhece o louva com os louvores mais elevados. Ele o comunica, ele precisa comunicá-lo, pressuposto que é um artista, um gênio da comunicação. A valentia e a liberdade do sentimento frente a um inimigo poderoso, frente a uma sublime adversidade, frente a um problema que desperta horror - esse estado triunfal é aquele que o artista seleciona, que ele glorifica. Diante da tragédia, o que há de belicoso em nossa alma festeja suas Saturnais; quem procura por sofrimento, o homem heróico, exalta com a tragédia sua existência - a ele apenas, o artista trágico oferta o cálice desta dulcíssima crueldade.
[...] Por fim uma palavra sobre aquele mundo, ao qual busquei acessos, ao qual talvez tenha encontrado um novo acesso - o mundo antigo. Meu gosto, que pode bem ser o contrário de um gosto tolerante, também está longe aqui de dizer sim em bloco: ele não gosta absolutamente de dizer sim, de preferência ainda um não, na melhor das hipóteses não diz nada... Isto vale em relação a culturas como um todo, isto vale em relação a livros - vale também para lugares e paisagens. No fundo há um número muito pequeno de livros antigos, que contam em minha vida; os mais célebres não se encontram entre eles. Meu sentido para o estilo, para o epigrama enquanto estilo, despertou quase instantaneamente ao contato com Salustio. Eu não esqueço o espanto de meu honrado professor Corssen, quando precisou dar ao seu pior aluno de latim a melhor nota, - de uma tacada só estava pronto. Conciso, rigoroso, com tanta substância quanto possível por fundamento, uma malícia fria contra a "bela palavra", também contra o "belo sentimento" - nisto desvendei a mim mesmo. Se reconhecerá em mim até o meu Zaratustra uma ambição muito séria pelo estilo romano, pelo "aere perennius" no estilo. - Não de modo diverso se passaram as coisas para mim em meio ao primeiro contato com Horácio. Até hoje nunca tive em nenhum outro poeta o mesmo encanto artístico que me foi dado desde o princípio pela Ode de Horácio. Em certas línguas, não se deve sequer querer o que aqui é alcançado. Este mosaico de palavras, no qual cada palavra espraia sua força enquanto som, enquanto lugar, enquanto conceito, para a direita e para a esquerda e por sobre o todo, este minimum em abrangência e em número de signos, este maximum de energia dos signos com isto intentado. Tudo isto é romano, e, se quiserem acreditar em mim, nobre por excelência. Todo o resto da poesia torna-se inversamente algo por demais popular - um mero falatório sentimental...


CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS – A obra Crepúsculo dos ídolos: ou como filosofar a marteladas, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, trata do problema de Sócrates, a razão na filosofia, como o mundo-ver5dade se tornou enfim uma fábula, os quatros grandes erros (o erro da confusão entre causa e efeito: a religião e a moral; de uma causalidade falsa; das causas imaginárias; e do livre-arbítrio: a psicologia da vontade), aqueles que querem t0rnar a humanidade melhor, o que os alemão estão na iminência de perder, passatempos inatuais, o que devo aos antigos e o martelo fala, entre outros assuntos como psicologia, religião, arte e, sobretudo, filosofia.

REFERÊNCIA
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos: ou como filosofar a marteladas.

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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO, DE SIGMUND FREUD


[...] A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar as medidas paliativas. ‘Não podemos passar sem construções auxiliares’, diz-nos Theodor Fontane. Existem talvez três medidas desse tipo: derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça; satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela. Algo desse tipo é indispensável. Voltaire tinha os derivativos em mente quando terminou Candide com o conselho para cultivarmos nosso próprio jardim, e a atividade científica constitui também um derivativo dessa espécie. As satisfações substitutivas, tal como as oferecidas pela arte, são ilusões, em contraste com a realidade; nem por isso, contudo, se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que a fantasia assumiu na vida mental. As substâncias tóxicas influenciam nosso corpo e alteram a sua química. Não é simples perceber onde a religião encontra o seu lugar nessa série. Temos de pesquisar mais adiante.
[...] Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só se relaciona a esses últimos. Em conformidade a essa dicotomia de objetivos, a atividade do homem se desenvolve em duas direções, segundo busque realizar - de modo geral ou mesmo exclusivamente - um ou outro desses objetivos.
[...] A religião restringe esse jogo de escolha e adaptação, desde que impõe igualmente a todos o seu próprio caminho para a aquisição da felicidade e da proteção contra o sofrimento. Sua técnica consiste em depreciar o valor da vida e deformar o quadro do mundo real de maneira delirante - maneira que pressupõe uma intimidação da inteligência. A esse preço, por fixá-las à força num estado de infantilismo psicológico e por arrastá-las a um delírio de massa, a religião consegue poupar a muitas pessoas uma neurose individual. Dificilmente, porém, algo mais. Existem, como dissemos, muitos caminhos que podem levar à felicidade passível de ser atingida pelos homens, mas nenhum que o faça com toda segurança. Mesmo a religião não consegue manter sua promessa. Se, finalmente, o crente se vê obrigado a falar dos ‘desígnios inescrutáveis’ de Deus, está admitindo que tudo que lhe sobrou, como último consolo e fonte de prazer possíveis em seu sofrimento, foi uma submissão incondicional. E, se está preparado para isso, provavelmente poderia ter-se poupado o détour que efetuou.
[...] A vida humana em comum só se torna possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que permanece unida contra todos os indivíduos isolados. O poder dessa comunidade é então estabelecido como ‘direito’, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’. A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização.
[...] A civilização atual deixa claro que só permite os relacionamentos sexuais na base de um vínculo único e indissolúvel entre um só homem e uma só mulher, e que não é de seu agrado a sexualidade como fonte de prazer por si própria, só se achando preparada para tolerá-la porque, até o presente, para ela não existe substituto como meio de propagação da raça humana.
[...] o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau. Não podemos deixar de lembrar um incidente ocorrido na câmara dos deputados francesa, quando a pena capital estava em debate. Um dos membros acabara de defender apaixonadamente a abolição dela e seu discurso estava sendo recebido com tumultuosos aplausos, quando uma voz vinda do plenário exclamou: ‘Que messieurs les assassins commencent! O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. - Homo homini lupus.
[...] O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. Chega a hora em que cada um de nós tem de abandonar, como sendo ilusões, as esperanças que, na juventude, depositou em seus semelhantes, e aprende quanta dificuldade e sofrimento foram acrescentados à sua vida pela má vontade deles. Ao mesmo tempo, seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição. Elas são indubitavelmente indispensáveis. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade.
[...] Essas inter-relações são tão complicadas e, ao mesmo tempo, tão importantes, que, ao risco de me repetir, as abordarei ainda de outro ângulo. A seqüência cronológica, então, seria a seguinte. Em primeiro lugar, vem a renúncia ao instinto, devido ao medo de agressão por parte da autoridade externa. (É a isso, naturalmente, que o medo da perda de amor equivale, pois o amor constitui proteção contra essa agressão punitiva.) Depois, vem a organização de uma autoridade interna e a renúncia ao instinto devido ao medo dela, ou seja, devido ao medo da consciência. Nessa segunda situação, as más intenções são igualadas às más ações e daí surgem sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da consciência continua a agressividade da autoridade. Até aqui, sem dúvida, as coisas são claras; mas onde é que isso deixa lugar para a influência reforçadora do infortúnio (da renúncia imposta de fora), e para a extraordinária severidade da consciência nas pessoas melhores e mais dóceis?Já explicamos essas particularidades da consciência, mas provavelmente ainda temos a impressão de que essas explicações não atingem o fundo da questão e deixam ainda inexplicado um resíduo. Aqui, por fim, surge uma idéia que pertence inteiramente à psicanálise, sendo estranha ao modo comum de pensar das pessoas. Essa idéia é de um tipo que nos capacita a compreender por que o tema geral estava fadado a nos parecer confuso e obscuro, pois nos diz que, de início, a consciência (ou, de modo mais correto, a ansiedade que depois se torna consciência) é, na verdade, a causa da renúncia instintiva, mas que, posteriormente, o relacionamento se inverte. Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. Se pudéssemos colocar isso mais em harmonia com o que já sabemos sobre a história da origem da consciência, ficaríamos tentados a defender a afirmativa paradoxal de que a consciência é o resultado da renúncia instintiva, ou que a renúncia instintiva (imposta a nós de fora) cria a consciência, a qual, então, exige mais renúncias instintivas.
[...] A repetição da mesma fórmula se justifica pela consideração de que tanto o processo da civilização humana quanto o do desenvolvimento do indivíduo são também processos vitais - o que equivale a dizer que devem partilhar a mesma característica mais geral da vida. Por outro lado, as provas da presença dessa característica geral, pela razão mesma de sua natureza geral, fracassam em nos ajudar a estabelecer qualquer diferenciação [entre os processos], enquanto não for reduzida por limitações especiais. Só podemos ficar satisfeitos, portanto, afirmando que o processo civilizatório constitui uma modificação, que o processo vital experimenta sob a influência de uma tarefa que lhe é atribuída por Eros e incentivada por Ananké - pelas exigências da realidade -, e que essa tarefa é a de unir indivíduos isolados numa comunidade ligada por vínculos libidinais. Quando, porém, examinamos a relação existente entre o processo desenvolvimental ou educativo dos seres humanos individuais, devemos concluir, sem muita hesitação, que os dois apresentam uma natureza muito semelhante, caso não sejam o mesmo processo aplicado a tipos diferentes de objeto. O processo da civilização da espécie humana é, naturalmente, uma abstração de ordem mais elevada do que a do desenvolvimento do indivíduo, sendo, portanto, de mais difícil apreensão em termos concretos; tampouco devemos perseguir as analogias a um extremo obsessivo. Contudo, diante da semelhança entre os objetivos dos dois processos - num dos casos, a integração de um indivíduo isolado num grupo humano; no outro, a criação de um grupo unificado a partir de muitos indivíduos -, não podemos surpreender-nos com a similaridade entre os meios empregados e os fenômenos resultantes. Em vista de sua excepcional importância, não devemos adiar mais a menção de determinado aspecto que estabelece a distinção entre os dois processos. No processo de desenvolvimento do indivíduo, o programa do princípio do prazer, que consiste em encontrar a satisfação da felicidade, é mantido como objetivo principal. A integração numa comunidade humana,ou a adaptação a ela, aparece como uma condição dificilmente evitável, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa ser alcançado. Talvez fosse preferível que isso pudesse ser feito sem essa condição. Em outras palavras, o desenvolvimento do indivíduo nos parece ser um produto da interação entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de ‘egoísta’, e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de ‘altruísta’. Nenhuma dessas descrições desce muito abaixo da superfície. No processo de desenvolvimento individual, como dissemos, a ênfase principal recai sobretudo na premência egoísta (ou a premência no sentido da felicidade), ao passo que a outra premência, que pode ser descrita como ‘cultural’, geralmente se contenta com a função de impor restrições. No processo civilizatório, porém, as coisas se passam de modo diferente. Aqui, de longe, o que mais importa é o objetivo de criar uma unidade a partir dos seres humanos individuais. É verdade que o objetivo da felicidade ainda se encontra aí, mas relegado ao segundo plano. Quase parece que a criação de uma grande comunidade humana seria mais bem-sucedida se não se tivesse de prestar atenção à felicidade do indivíduo. Assim, pode-se esperar que o processo desenvolvimental do indivíduo apresente aspectos especiais, próprios dele, que não são reproduzidos no processo da civilização humana. É apenas na medida em que está em união com a comunidade como objetivo seu, que o primeiro desses processos precisa coincidir com o segundo. Assim como um planeta gira em torno de um corpo central enquanto roda em torno de seu próprio eixo, assim também o indivíduo humano participa do curso do desenvolvimento da humanidade, ao mesmo tempo que persegue o seu próprio caminho na vida. Para nossos olhos enevoados, porém, o jogo de forças nos céus parece fixado numa ordem que jamais muda; no campo da vida orgânica, ainda podemos perceber como as forças lutam umas com as outras e como os efeitos desse conflito estão em permanente mudança. Assim também as duas premências, a que se volta para a felicidade pessoal e a que se dirige para a união com os outros seres humanos, devem lutar entre si em todo indivíduo, e assim também os dois processos de desenvolvimento, o individual e o cultural, têm de colocar-se numa oposição hostil um para com o outro e disputar-se mutuamente a posse do terreno. Contudo, essa luta entre o indivíduo e a sociedade não constitui um derivado da contradição - provavelmente irreconciliável - entre os instintos primevos de Eros e da morte. Trata-se de uma luta dentro da economia da libido, comparável àquela referente à distribuição da libido entre o ego e os objetos, admitindo uma acomodação final no indivíduo, tal como, pode-se esperar, também o fará no futuro da civilização, por mais que atualmente essa civilização possa oprimir a vida do indivíduo.
[...] A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial. Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade. Agora só nos resta esperar que o outro dos dois ‘Poderes Celestes’, o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado?

O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – O livro O mal-estar na civilização, de Sigmund Freud, aborda temas como religião, o propósito da vida, derivativos poderosos, satisfações substitutas e substâncias tóxicas, princípio do prazer e da realidade, a felicidade da quietude e o isolamento voluntário, os amortecedores de preocupações, deslocamentos da libido, aniquilamento dos instintos, a técnica da arte de viver, a vitória do cristianismo, as viagens de descobrimento, o conhecimento das neuroses, a felicidade, o deus de prótese, exigências da civilização, Eros e Ananke, amor e a civilização e a sexualidade, a agressividade, o comunismo, o narcisismo, a pobreza psicológica, a teoria dos instintos, instintos objetais, neuroses de transferência, instintos de vida e de morte, sadismo, o sentimento de culpa, a punição e o remorso.

REFERÊNCIA
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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