[...] uma
coisa que é proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado [..] onde existe uma proibição tem de haver um
desejo subjacente.
[...] Se
uma só pessoa consegue gratificar o desejo reprimido, o mesmo desejo está
fadado a ser despertado em todos os outros membros da comunidade. A fim de
sofrear a tentação o transgressor invejado tem de ser despojado dos frutos de
seu empreendimento e o castigo, não raramente, proporcionará àqueles que o
executam uma oportunidade de cometer o mesmo ultraje, sob a aparência de um ato
de expiação. Na verdade, este é um dos fundamentos do sistema penal humano e
baseia-se, sem dúvida corretamente, na pressuposição de que os impulsos
proibidos encontram-se presentes tanto no criminoso como na comunidade que se
vinga. Nisto, a psicanálise apenas confirma o costumeiro pronunciamento dos
piedosos: todos nós não passamos de miseráveis pecadores.
[...] Na
raiz da proibição existe sempre um impulso hostil contra alguém que o paciente
ama - um desejo de que essa pessoa morra. Esse impulso é reprimido por uma
proibição e esta se liga a algum ato específico, que, por deslocamento,
represente talvez um ato hostil contra a pessoa amada. Existe uma ameaça de
morte se o ato for realizado. Mas o processo vai além e o desejo original de que a pessoa morra
é substituído pelo medo de que
ela possa morrer. Assim é que, quando a neurose parece ser tão compassivamente
altruísta, está simplesmente compensando uma atitude subjacente contrária de
brutal egoísmo. Podemos descrever como ‘sociais’ as emoções que são
determinadas pelas demonstrações de consideração por outra pessoa, sem tomá-la
como objeto sexual. O recuo ao que está por trás desses fatores sociais pode
ser ressaltado como uma característica fundamental da neurose, embora se trate
de uma característica que é posteriormente disfarçada pela supercompensação.
[...] Assim o fato que é característico da
neurose é a preponderância dos elementos sexuais sobre os elementos instintivos
sociais. Os instintos sociais,
contudo, derivam-se eles próprios de uma combinação de componentes egoísticos e
eróticos em totalidades de um tipo especial.
[...] Poder-se-ia
sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma
neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a
caricatura de um sistema filosófico.
[...] A
natureza associal das neuroses tem sua origem genética em seu propósito mais
fundamental, que é fugir de uma realidade insatisfatória para um mundo mais
agradável de fantasia. O mundo real, que é assim evitado pelos neuróticos,
acha-se sob a influência da sociedade humana e das instituições coletivamente
criadas por ela. Voltar as costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da
comunidade dos homens.
[...] A
raça humana, se seguirmos as autoridades no assunto, desenvolveu, no decurso
das eras, três desses sistemas de pensamento - três grandes representações do
universo: animista (ou mitológica), religiosa e científica. Destas, o animismo,
o primeiro a ser criado, é talvez o mais coerente e completo e o que dá uma
explicação verdadeiramente total da natureza do universo.
[...] Com
esses três estágios em mente, pode-se dizer que o animismo em si mesmo não é
ainda uma religião, mas contém os fundamentos sobre os quais as religiões
posteriormente foram criadas. É evidente também que os mitos se baseiam em
premissas animistas, embora os pormenores da relação entre os mitos e o
animismo pareçam estar inexplicados em alguns aspectos essenciais.
[...] A
feitiçaria seria, então, a arte de influenciar espíritos tratando-os da mesma
maneira como se tratariam seres humanos em circunstâncias semelhantes:
apaziguando-os, corrigindo-os, tornando-os propícios, intimidando-os,
roubando-lhes o poder, submetendo-os à nossa vontade - através dos mesmos
métodos que se têm mostrado eficazes com homens vivos. A magia, por outro lado,
é algo diferente: fundamentalmente, ela despreza os espíritos e faz uso de
procedimentos especiais e não dos métodos psicológicos do dia-a-dia. É fácil
imaginar que a magia é o ramo mais primitivo e mais importante da técnica
animista, porque, entre outros, os métodos mágicos podem ser utilizados para
tratar com os espíritos e a magia pode ser aplicada também a casos onde,
segundo nos parece, o processo de espiritualização da natureza ainda não foi realizado.
[...] A
magia tem de servir aos mais variados propósitos - ela deve submeter os
fenômenos naturais à vontade do homem, proteger o indivíduo de seus inimigos e
de perigo, bem como conceder-lhe poderes para prejudicar os primeiros. Mas o
princípio em cuja pressuposição a ação mágica se baseia - ou, mais
propriamente, o princípio da magia - é tão notável que nenhuma das autoridades
deixou de identificá-lo.
[...] Apenas
em um único campo de nossa civilização foi mantida a onipotência de pensamentos
e esse campo é o da arte. Somente na arte acontece ainda que um homem consumido
por desejos efetue algo que se assemelhe à realização desses desejos e o que
faça com um sentido lúdico produza efeitos emocionais - graças à ilusão
artística - como se fosse algo real. As pessoas falam com justiça da ‘magia da
arte’ e comparam os artistas aos mágicos. Mas a comparação talvez seja mais
significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não
começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente a serviço de
impulsos que estão hoje, em sua maior parte, extintos. E entre eles podemos
suspeitar da presença de muitos intuitos mágicos.
[...] Ao
concluir, então, esta investigação excepcionalmente condensada, gostaria de
insistir em que o resultado dela mostra que os começos da religião, da moral,
da sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo. Isso entra em
completo acordo com a descoberta psicanalítica de que o mesmo complexo
constitui o núcleo de todas as neuroses, pelo menos até onde vai nosso
conhecimento atual. Parece-me ser uma descoberta muito surpreendente que também
os problemas da psicologia social se mostrem solúveis com base num único ponto
concreto: - a relação do homem com o pai. É mesmo possível que ainda outro
problema psicológico se encaixe nesta mesma conexão. Muitas vezes tive ocasião
de assinalar que a ambivalência emocional, no sentido próprio da expressão - ou
seja, a existência simultânea de amor e ódio para os mesmos objetos - jaz na
raiz de muitas instituições culturais importantes. Não sabemos nada da origem
dessa ambivalência. Uma das pressuposições possíveis é que ela seja um fenômeno
fundamental de nossa vida emocional. Mas parece-me bastante válido considerar
outra possibilidade, ou seja, que originalmente ela não fazia parte de nossa
vida emocional, mas foi adquirida pela raça humana em conexão com o
complexo-pai, precisamente onde o exame psicanalítico de indivíduos modernos
ainda a encontra revelada em toda a sua força.
TOTEM E TABU – O livro Totem e tabu & outros trabalhos, de Sigmund Freud, aborda temas
como o horror ao incesto, totemismo, exogamia, tabu e ambivalência emocional,
expiação ou purificação, fixação psíquica, ritos de apaziguamento, tabu aos
mortos, função do luto, tabu e a neurose, animismo, magia, onipotência dos
pensamentos, senso de culpa, deslocamento, perturbações psiconeuróticas,
autocensuras obsessivas, animismo, narcisismo, animatismo, o retorno do
totemsmo na infância, teorias nominalistas, teorias sociológicas, teorias
psicológicas, as fobias, o sacrifício, o totemismo e as religiões, a doutrina
do pecado original e um posfácio contendo os interesses científicos,
psicológicos, fisiológicos, filosóficos, biológicos, do desenvolvimento,
sociológico e educacional da psicanálise, observações e exemplos da prática
analítica, sonhos, fausse reconnaissance (déja raconte) no tratamento
psicanalítico, Pitágoras, Moises de Michelangelo e um post escript com algumas
reflexões sobre psicologia escolar.
REFERÊNCIA
FREUD, Sigmund. Totem e tabu & outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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