sábado, 28 de março de 2015

BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL, DE SLAVOJ ŽIŽEK


[...] a América tem o direito a ataques preventivos, ou seja, a atacar países que ainda não representam uma ameaça clara contra os Estados Unidos, mas que poderiam sê-lo no futuro; [...] aqui se reproduz o velho paradoxo da escolha imposta, a liberdade de escolher com a condição de que se faça a escolha certa. [...] a tese de que, longe de arrancar os EUA de seu sono ideológico, o 11 de Setembro foi usado como o sedativo que permitiu à ideologia dominante “renormalizar-se”[...], longe de acordar os EUA, o 11 de Setembro nos fez dormir outra vez, continuar nosso sonho depois do pesadelo das últimas décadas.
[...] Kant em seu “O que é o Iluminismo”: “Pense o quanto quiser, com toda a liberdade que quiser, mas obedeça!”. [...] oculto no raciocínio de Kant: a liberdade de pensamento não somente não solapa a servidão social real, mas na verdade a sustenta. [...] O que é problemático na forma com a ideologia dominante nos impõe esta escolha não é o fundamentalismo, mas a própria democracia: como se a única alternativa ao “fundamentalismo” fosse o sistema político da democracia parlamentar liberal.
[...] Ao contrário do século XIX dos projetos e ideais utópicos ou científicos, dos planos para o futuro, o século XX buscou a coisa em si – a realização direta da esperada Nova Ordem. O momento último e definidor do século XX foi a experiência direta do Real como oposição à realidade social diária – O Real e sua violência extrema como o preço a ser pago pela retirada das camadas enganadoras da realidade. [...] Ernest Jünger já celebrava o combate corpo-a-corpo como o autêntico encontro intersubjetivo: a autenticidade reside no ato de violenta transgressão, do Real lacaniano.
[...] o paradoxo de, numa era frenética de capitalismo global, o principal resultado da revolução é reduzir a dinâmica social à imobilidade.[...] Paradoxalmente, a própria volta à normalidade capitalista anti-messiânica é sentida como o objeto da expectativa messiânica – aquilo que o país simplesmente espera, em estado e animação congelada. Em Cuba, as próprias renúncias são sentidas/impostas como prova da autenticidade do Evento revolucionário – o que em psicanálise é chamado de lógica da castração. Toda a identidade político-ideológica se baseia na fidelidade à castração.
[...] Se a paixão pelo Real termina no puro semblante do espetacular efeito do Real, então em exata inversão, a paixão pós-moderna pelo semblante termina numa volta violenta à paixão pelo Real [...] A Realidade Virtual simplesmente generaliza esse processo de oferecer um produto esvaziado de sua substância: oferece a própria realidade esvaziada de sua substancia, do núcleo duro e resistente do Real.
[...] Não foi a realidade que invadiu a nossa imagem: foi a imagem que invadiu e destruiu a nossa realidade (ou seja, as coordenadas simbólicas que determinam o que sentimos como realidade) [...] o que devíamos nos ter perguntado enquanto olhávamos para os televisores no dia 11 de setembro é simplesmente: onde já vimos esta mesma coisa repetida vezes sem conta? [...] a noção de Lacan da “travessia da fantasia” como o momento conclusivo do tratamento psicanalítico [...] do que deveria fazer a psicanálise: é evidente que ela deveria nos libertar da influência das fantasias idiossincráticas e nos permitir enfrentar a realidade como ela realmente é! Mas isso é exatamente o que não faz parte das ideias de Lacan – ele e deseja é quase exatamente o contrário. Na vida diária, estamos imersos na “realidade” (estruturada e suportada pela fantasia) e essa imersão é perturbada por sintomas que atestam o fato de que outro nível reprimido de nossa psique resiste a ela. “Atravessar a fantasia” – a saber, com a fantasia estrutura o excesso que resiste à nossa imersão na realidade diária.
[...] a dialética do semblante e do Real não pode ser reduzida ao foto elementar de que a virtualização de nossas vidas diárias, a experiência de vivermos cada vez mais num universo artificialmente construído, gera a necessidade urgente de “retornar ao Real” para reencontrar terreno firme em alguma “realidade real”. O Rela que retorna tem o status de outro semblante: exatamente por ser real, ou seja, em razão de seu caráter traumático e excessivo, não somos capazes de integrá-lo na nossa realidade (no que sentimos como tal), e portanto somos forçados a senti-lo como um pesadelo fantástico.
[...] A “guerra contra o terrorismo” funciona então como um ato cujo verdadeiro objetivo é nos acalmar, na falsamente segura convicção de que nada mudou realmente.
[...] a explosão e colapso das torres gêmeas do WTC em setembro de 2001 foram, pelo contrário, o último grito espetacular da guerra do século XX. O que nos espera é algo muito mias estranho: o espectro de uma guerra “imaterial”, em que o ataque é invisível. Estamos entrando numa nova era de guerra paranóica em que a principal tarefa será identificar o inimigo e suas armas. Nessa nova guerra, os agentes vão cada vez menos assumir publicamente seus atos.
[...] a única atitude aceitável é a solidariedade incondicional com todas as vítimas. A atitude ética correta é aqui substituída pela matemática moralizadora da culpa e do horror, que perde de vista um ponto importante: a morte terrível de todo indivíduo é absoluta e incomparável. [...] o liberalismo capitalista global que se opõe ao fundamentalismo maometano é ele próprio um modo de fundamentalismo, de forma que, na atual “guerra contra o terrorismo”, estamos na verdade diante de um choque de fundamentalismo. [...] esconde o paradoxo contrário, os fundamentalistas maometanos não são verdadeiramente fundamentalistas, já são “modernistas”, um produto e um fenômeno do capitalismo global moderno – representam a forma como o mundo árabe luta para se ajustar ao capitalismo global. Quando tratamos com a esquerda atual, devemos sempre ter em mente o narcisismo da esquerda pela Causa perdida.
Em psicanálise, a traição do desejo tem um nome preciso: felicidade. Quando extamente se pode dizer que a pessoas são felizes? Três condições da felicidade na Tchecoslováquia no final da década de 1970: 1. Suas necessidades materiais básicas eram satisfeitas – não excessivamente bem satisfeitas, pois o próprio excesso de consumo pode gerar infelicidade. 2. Uma segunda característica, extremamente importante: existia o Outro (o partido) para receber a culpa de tudo que estivesse errado, de forma que ninguém tinha de se sentir verdadeiramente responsável. 3. [...] havia um Outro Lugar ( o Ocidente consumista) com que sempre se podia sonhar [...] É um conceito pagão: para os pagãos, o objetivo da vida é ser feliz (a ideia de “viver felizes para sempre” é uma versão cristianizada do paganismo),e o sentido religioso e a atividade política são considerados as mais altas formas de felicidade (ver Aristóteles).
Era pós-moderna que as gerações mais velhas são substituídas pelas mais novas, em que tudo que aparece tem de desaparecer mais cedo ou mais tarde.
[...] Não devemos jamais reduzir o Outro a nosso inimigo, a defensor do falso conhecimento, e assim por diante: nele ou nela sempre há de existir o Absoluto do impenetrável abismo de outra pessoa. O totalitarismo do século XX, com seus milhões de vítimas, mostrou o resultado último de seguir até o fim o que nos parece uma “ação subjetivamente justa”.
[...] A democracia é hoje o principal fetiche político, a rejeição dos antagonismos sociais básicos: na situação eleitoral, a hierarquia social é momentaneamente suspensa, o corpo social é reduzido a uma multidão pura passível de ser contada, e aqui também o antagonismo é suspenso. [...] Esse é o grande paradoxo da democracia: dentro da ordem política existente, toda campanha conta a corrupção termina cooptada pela extrema direita populista.
[...] A ordem política democrática é por sua própria natureza suscetível à corrupção. A escolha última é: aceitamos e endossamos essa corrupção com um espírito de sabedoria resignada e realista, ou reunimos a coragem para formular uma alternativa de esquerda à democracia para quebrar esse círculo viciosos de corrupção democrática e a campanha direitista para se livrar dela?
[...] fuga para a privacidade hoje significa adotar as fórmulas de autenticidade privada propagadas pela indústria cultural recente – desde as ligações sobre o iluminamento espiritual, a última mania cultural e outras modas, até as atividades físicas da corrida e do fisioculturismo. A verdade última do retiro na privacidade é a confissão pública de segredos íntimos num programa de TV – contra essa espécie de privacidade, devemos enfatizar que hoje a única forma de romper as restrições da mercadização alienada é inventar uma nova coletividade. O resultado último da subjetivação global não é o desaparecimento da “realidade objetiva”, mas o desaparecimento de nossa próprio subjetividade, que se transforma num capricho fútil, enquanto a realidade social continua seu curso.
[...] A noção “totalitária” de um “mundo administrado”, em que a experiência mesma da liberdade subjetiva seja a forma como surge a sujeição a mecanismos disciplinadores, é na verdade o verso fantasmático obsceno da ideologia (e prática) pública “oficial” da autonomia individual e da liberdade [...] A completa passividade é a fantasia política proibida que mantém nossa experiência consciente como sujeitos ativos e autodefinidores – é a perversa fantasia definitiva: a noção de que, no mais íntimo de nosso ser, somos instrumentos da jouissance do Outro (Matriz), esvaziados da substância da vida como baterias.
Nosso dever hoje é acompanhar esses atos, esses momentos éticos. O pior pecado é dissolver esses atos na falsa universalidade do “ninguém é puro”. É sempre possível jogar esse jogo, que oferece ganho duplo ao jogador: o de manter a superioridade moral sobre aqueles que se envolvem na luta [...]
O pior a fazer com relação aos acontecimentos de 11 de setembro é elevá-los à condição de Mal Absoluto, um vácuo que não pode ser explicado nem dialetizado.
[...] O que esta em jogo agora não são diferentes opções econômicas ou políticas, mas nossa própria sobrevivência – na guerra ao terrorismo, ou vocês estão conosco ou estão contra nós”. E é aqui nesse ponto em que a referência à sobrevivência faz sua entrada em cena como legitimação última, que estamos tratando com a ideologia política em estado puro.
[...] o Estado de hoje está realmente definhando (com o advento da tão falada “desregulamentação” liberal)? Ou, pelo contrário, a “guerra ao terrorismo” não seria a afirmação mais forte ainda da autoridade do Estado? Não estaremos testemunhando hoje a mobilização inédita de todos os aparelhos (repressivos e ideológicos) do Estado? [...] Esta é a verdade da globalização: a construção de novos muros isolando os europeus prósperos do fluxo de imigrantes.

BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL – O livro Bem-Vindo ao deserto do Real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio, do filósofo, teórico crítico e cientista social esloveno Slavoj Žižek, trata de temas as paixões do real, paixões do semblante, reapropriações, a lição do mulá Omar, a felicidade depois do 11 de setembro, do Homo otarius a Homo Sacer, o cheiro do amor e a política do Real, entre outros assuntos.

REFERÊNCIA
ŽIŽEK, Slavoj. Bem-Vindo ao deserto do Real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio. São Paulo: Boitempo, 2003 .

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GILLES LIPOVETSKY


GILLES LIPOVETSKY – O filósofo, professor e teórico da Hipermodernidade, Gilles Lipovetsky, é autor de uma série de livros que abordam sobre a temática do hiperconsumo e do individualismo na contemporaneidade.

Durante a mais longa parte da história da humanidade, as sociedades funcionaram sem conhecer os movimentados jogos das frivolidades. Assim, as formações sociais ditas selvagens ignoraram e conjuraram implacavelmente, durante sua existência multimilenar, a febre da mudança e o crescimento das fantasias individuais. A legitimidade inconteste do legado ancestral e a valorização da continuidade social impuseram em toda parte a regra de imobilidade, a repetição dos modelos herdados do passado, o conservantismo sem falha das maneiras de ser e de parecer. O processo e a noção de moda, em tais configurações coletivas, não têm rigorosamente nenhum sentido. Aliás, não que os selvagens, mesmo fora dos trajes cerimoniais, não tenham por vezes o gosto muito vivo das ornamentações e não procurem certos efeitos estéticos, mas nada que se assemelhe ao sistema da moda. Mesmo múltiplos, os tipos de enfeites, os acessórios e penteados, as pinturas e tatuagens permanecem fixados pela tradição, submetidos a normas inalteradas de geração em geração. Hiperconservadora, a sociedade primitiva impede o aparecimento da moda por ser esta inseparável de uma relativa desqualificação do passado: nada de moda sem prestígio e superioridade concedidos aos modelos novos e, ao mesmo tempo, sem uma certa depreciação da ordem antiga. Inteiramente centrada no respeito e na reprodução minuciosa do passado coletivo, a sociedade primitiva não pode em nenhum caso deixar manifestarem-se a sagração das novidades, a fantasia dos particulares, a autonomia estética da moda. Sem Estado nem classes e na dependência estrita do passado mítico, a sociedade primitiva é organizada para conter e negar a dinâmica da mudança e da história. Como poderia ela entregar-se aos caprichos das novidades quando os homens não são reconhecidos como os autores de seu próprio universo social, quando as regras de vida e os usos, as prescrições e as interdições sociais são colocados como resultantes de um tempo fundador que se trata de perpetuar numa imutável imobilidade, quando a antiguidade e a perpetuação do passado são os fundamentos da legitimidade? Para os homens, nada mais resta fazer senão continuar na mais estrita fidelidade àquilo que foi contado, nos tempos originários, pelas narrativas míticas. Na medida em que as sociedades foram submetidas, tanto em suas atividades mais elementares como nas mais carregadas de sentido, aos comportamentos dos ancestrais fundadores, e na medida em que a unidade individual não pôde afirmar uma relativa independência em relação às normas coletivas, a lógica da moda viu-se absolutamente excluída. A sociedade primitiva criou uma barreira redibitória à constituição da moda, na medida em que esta consagra explicitamente a iniciativa estética, a fantasia, a originalidade humana, e implica, além disso, uma ordem de valor que exalta o presente novo em oposição frontal com o modelo de legitimidade imemorial fundado na submissão ao passado coletivo. Para que o reino das frivolidades possa aparecer, será preciso que sejam reconhecidos não apenas o poder dos homens para modificar a organização de seu mundo, mas também, mais tardiamente, a autonomia parcial dos agentes sociais em matéria de estética das aparências. [...]

O IMPÉRIO DO EFÊMERO – O livro O império do efêmero, de Gilles Lipovetsky aborda temas como o feérico das aparências, a moda e o Ocidente, o momento aristocrático, a moda de cem anos, a moda aberta, a moda consumada, a sedução das coisas, a publicidade mostra suas garras, cultura à moda mídia, voga o sentido, os deslizamentos progressivos do social, entre outros assuntos.

Uma nova modernidade nasceu: ela coincide com a “civilização do desejo” que foi construída ao longo da segunda metade do século XX. Essa revolução e inseparável das novas orientações do capitalismo posto no caminho da estimulação perpetua da demanda, da mercantilização e da multiplicação indefinida das necessidades: o capitalismo de consumo tomou o lugar das economias de produção. Em algumas décadas, a affluent society alterou os gêneros de vida e os costumes, ocasionou uma nova hierarquia dos fins bem como uma nova relação com as coisas e com o tempo, consigo e com os outros. A vida no presente tomou o lugar das expectativas do futuro histórico e o hedonismo, o das militâncias politicas; a febre do conforto substituiu as paixões nacionalistas e os lazeres, a revolução. Sustentado pela nova religião do melhoramento continuo das condições de vida, o maior bem-estar tornou se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em todas as esquinas. Raros são os fenômenos  que conseguiram modificar tão profundamente os modos de vida e os gostos, as aspirações e os comportamentos da maioria em um intervalo de tempo tão curto. Jamais se reconhecera tudo que o homem novo das sociedades liberais “deve” a invenção da sociedade de consumo de massa. [...] Muitas são as razões que levam a pensar que a cultura da felicidade mercantil não pode ser considerada um modelo de vida boa. São suficientes, no entanto, para invalidar radicalmente seu principio? Porque o homem não e Uno, a filosofia da felicidade tem o dever de fazer justiça a normas ou princípios de vida antitéticos. Temos de reconhecer a legitimidade da frivolidade hedonística ao mesmo tempo que a exigência da construção de si pelo pensamento e pelo agir. A filosofia dos Antigos procurava formar um homem sábio que permanecesse idêntico a si próprio, querendo sempre a mesma coisa na coerência consigo e na rejeição do supérfluo. Isso e de fato possível, de fato desejável? Não o creio. Se, como sublinha Pascal, o homem e um ser feito de “contrariedades”, a filosofia da felicidade não tem de excluir nem a superficialidade nem a “profundidade”, nem a distração fútil nem a difícil constituição de si mesmo. O homem muda ao longo da vida e não esperamos sempre as mesmas satisfações da existência. Significa dizer que não poderia haver outra filosofia da felicidade que não desunificada e pluralista: uma filosofia menos cética que eclética, menos definitiva que móvel. No quadro de uma problemática “dispersa”, não e tanto o próprio consumismo que compete denunciar, mas sua excrescência ou seu imperialismo constituindo obstáculo ao desenvolvimento da diversidade das potencialidades humanas. Assim, a sociedade hipermercantil deve ser corrigida e enquadrada em vez de posta no pelourinho. Nem tudo e para ser rejeitado, muito e para ser reajustado e reequilibrado a fim de que a ordem tentacular do hiperconsumo não esmague a multiplicidade dos horizontes da vida. Nesse domínio, nada esta dado, tudo esta por inventar e construir, sem modelo garantido. Tarefa árdua, necessariamente incerta e sem fim, a conquista da felicidade não pode ter prazo. O que e verdade para a sociedade e verdade para o individuo: o homem caminha rumo a um horizonte que se evapora a medida que ele imagina estar próximo, toda solução trazendo consigo novos dilemas. A cada dia, a felicidade tem de ser reinventada e ninguém detém as chaves que abrem as portas da Terra Prometida: sabemos apenas pilotar sem instrumentos e retificar ponto por ponto, com mais ou menos sucesso. Lutamos por uma sociedade e uma vida melhor, buscamos incansavelmente os caminhos da felicidade, mas o que nos e mais precioso, a alegria de viver, como ignorar que sempre nos será dada por acréscimo?

A FELICIDADE PARADOXAL – O livro A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, de Gilles Lipovetsky aborda na primeira parte sobre a sociedade do hiperconsumo, as três eras do capitalismo de consumo, o nascimento dos mercados de massa, a produção e marketing de massa, uma tripla invenção: marca, acondicionamento e publicidade; os grandes magazines, a sociedade de consumo de massa, a economia fordista, uma nova salvação, além da posição social: o consumo emocional, do consumo ostentatório ao consumo experiencial, o consumo intimizado, paixão pelas marcas e consumo democrático, fetichismo das marcas, luxo e individualismo; hperconsumo e ansiedade, poder e impotência do hiperconsumidor, medicalização do consumo, controle do corpo e espoliação, um hipermaterialismo médico, consumo, tempo e jogo; o consumo como viagem e como divertimento, hedonismo, lazer e economia da experiência; a compra-prazer, a febre da mudança perpétua, o consumo, a infância e o tempo;  rejuvenescer a experiência vivida, nostalgia e desejo de insignificância, a organização pós-fordista da economia, a economia da variedade, extensão das séries e produção personalizada, a reorientação de marketing de grande distribuição, a corrida à inovação, a inflação das novidades, a economia da velocidade, cronoconcorrência, imagem, preço e qualidade, hiperpublicidade e hipermarcas, rumo a um turboconsumidor, o consumo discricionário de massa, a revolução do auto-serviço, o hedonismo consumidor, o turboconsumismo, o consumo hiperindividualista, o consumidor-viajante, o consumo continuo, um turboconsumismo policrônico, o efeito Diva, o consumo balcanizado, a criança hiperconsumidora, Power Age, entre medida e caos, consumidor “profissional” e consumidor anárquico, o fabuloso destino do Homo consumericus, o consumo-mundo, o consumo sem freio, a espiritualidade consumista, o hiperconsumidor cativado pela ética, o consumismo sem fronteira, o consumo reflexivo, da vitrine à consciência, o hiperconsumo como destino, limites da mercantilização, relações mercantis e sociabilidade, aniquilação dos valores? A sentimentalizacao do mundo, frivolidade e fragilidade. Na segunda parte, aborda sobre prazeres privados e a felicidade ferida, Penía: gozos materiais, insatisfação existencial, da decepção, consumo e decepção, os novos vetores da decepção, vida profissional, vida sentimental, vida malograda, desejos, frustrações e publicidade, a publicidade prometeica, extensão do domínio publicitário, a ilusão da onipotência, a publicidade-reflexo, a tragédia do hiperconsumo, a falta, o agir e os outros, pobreza e delinquência: a violência da felicidade, exclusão, consumo e individualização, precariedade e individualismo selvagem, miséria material, miséria interior, aflições e renascimento, a vida recomeçada, Dionísio: sociedade hedonista, sociedade antidionisíaca, a sagração das pequenas felicidades, o cotidiano ludicizado, lazeres e tempo para si, era das comunidades, era dos indivíduos, conforto e bem-estar sensitivo, do conforto tecnicista ao bem-estar emocional, o amor pela casa: o conforto no conforto. conforto, tecnologias de conexão e segurança, o design polissensorial, beber e comer, Gargantua envergonhado, prazeres gastronômicos e cozinha hipemoderna, o desvanecimento do carpe diem, o triunfo de Knock, orgia pesada, sexo ajuizado, um hedonismo bem temperado, sexo, amor e narcisismo; noites de embriaguez dias de festa, drogas, desestruturação e criminalização, a ressurreição da festa, a festa maneira, Super-Homem: obsessão pelo desempenho, prazeres dos sentidos; vida profissional, vida privada, trabalho e tempo livre, feliz no trabalho? Corpos competitivos e preguiçosos, a euforia esportiva, sociedade dopante, esporte-lazer e corpos preguiçosos, superar-se ou sentir-se bem? “Maior bem-estar” e corpo das sensações, medicalização, prudência e sofrimento; o consumo paliativo, sexo-máquina, o amor, sempre; sexo-proeza, sexo emocional; miséria sexual e gozo sensual, Nemesis: superexposição da felicidade, regressão da inveja; o mau-olhado, quando a felicidade se mostra, a inveja neutralizada, dizer a felicidade, medo da inveja e modernidade, confiança: felicidade e inveja, confiança: suspeita e inveja, as metamorfoses da inveja, luxo e comparação provocante, inveja existencial e inveja geral, o recuo da inveja, Homo felix: grandeza e miséria de uma utopia, felicidade e esperança, sabedoria da ilusão, consumo destrutível e responsável, uma sociedade de hiperconsumo durável, hiperconsumo e anticonsumo, frugalidade e felicidade, a sabedoria ou a última ilusão, a sabedoria light, ilusão da sabedoria, ética e estética: uma nova barbárie, barbárie estética, barbárie moral, o espírito de consumo, arcaísmos, o pós-hiperconsumo, o ecletismo da felicidade, entre outros assuntos.

Com a era individualista abre-se a possibilidade de uma era de violência total da sociedade contra o Estado, sendo uma das suas consequências uma violência não menos ilimitada do Estado sobre a sociedade, ou seja o Terror como modo moderno de governo pela violência exercida em massa, não só contra os opositores, mas também contra os partidários do regime. As mesmas razões que permitem à violência civil subverter a ordem social e política tornam possível um desafio sem precedentes do poder em relação à sociedade, nascendo o Terror na nova configuração ideológica resultante da supre macia do indivíduo: quer os massacres, as deportações, os processos se realizem em nome da vontade do povo quer da emancipação do proletariado, o Terror só é possível em função de uma representação democrática e, portanto, individualista, do corpo social, embora, sem dúvida, para denunciar a sua perversão e para restabelecer pela violência a prioridade do todo coletivo. Do mesmo modo que a vontade revolucionária não pode explicar-se por contradições objetivas de classe, também é vão querer dar conta do Terror a partir de simples necessidades circunstanciais é porque o Estado, de acordo com o ideal democrático, se proclama idêntico e homogéneo à sociedade que, com efeito, pode chegar a desafiar toda a legalidade, a desenvolver uma repressão sem limites, sistemática, indiferente às noções de inocência e de culpabilidade Se, por conseguinte, a evolução individualista-democrática implica correlativamente, na longa duração, uma redução dos signos ostentatórios do poder estatal e o advento de um poder benevolente, suave, protetor nem por isso deixou de permitir a emergência de uma forma particularmente sangrenta de poder, que podemos interpretar como uma última revivescência do brilho do soberano condenado pela ordem moderna, uma formação de compromisso entre os sistemas da crueldade simbólica tradicional e a impessoalidade gestionária do poder democrático A grande fase do individualismo revolucionário termina ante os nossos olhos: depois de ter sido um agente de guerra social, o individualismo contribui atualmente para abolir a ideologia da luta de classes. Nos países ocidentais desenvolvidos, a era revolucionária encerrou-se, a luta de classes institucionalizou-se, já não é portadora de descontinuidade histórica, os parti dos revolucionários encontram-se num estado de deliquescência total, a ne gociação leva por todo o lado a melhor sobre os confrontos violentos. [...]

A ERA DO VAZIO – O livro A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo, de Gilles Lipovetsky, trata acerca da sedução non stop, da indiferença pura, Narciso ou a estratégia do vazio, modernismo e pós-modernismo, a sociedade humorística e violências selvagens, violências modernas.

OS TEMPOS HIPERMODERNOS – O livro Os tempos hipermodernos, de Gilles Lipovetsky, aborda sobre o individualismo paradoxal, tempo contra tempo ou a sociedade hipermoderna, a entrevista marcos de uma trajetória intelectual, entre outros diversos assuntos.

REFERÊNCIAS
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
______. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005.
______. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
______. Os tempos hipermodernos, São Paulo: Barcarolla, 2004.


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terça-feira, 17 de março de 2015

PSICOPATOLOGIA: SENSAÇÃO, PERCEPÇÃO E CONSCIÊNCIA


PSICOPATOLOGIA - O termo psicopatologia é de origem grega, reunindo os termos psikhé, alma, e patologia, objetivando o estudo da vida psíquica anormal independente dos problemas clínicos, com a função de esclarecimento, ordenação e cultura, visando conhecer os fenômenos psíquicos patológicos e oferecer à psiquiatria as bases para a compreensão de sua origem, mecanismo intimo e futuro desenvolve. 
A psicopatologia é o ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença mental – suas causas, as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação. Pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. O campo da psicopatologia inclui um grande número de fenômenos humanos especiais, associados ao que se denominou historicamente de doença mental. São vivências, estados mentais e padrões comportamentais que apresentam, por um lado, uma especificidade psicológica (as vivências dos doentes mentais possuem dimensão própria, genuína, não sendo apenas “exageros” do normal) e, por outro, conexões complexas com a psicologia do normal (o mundo da doença mental não é um mundo totalmente estranho ao mundo das experiências psicológicas “normais”).
A psicopatologia não se confunde com a neurologia das chamadas funções corticais superiores (não se resume, portanto, a uma ciência natural dos fenômenos relacionados às zonas associativas do cérebro lesado), nem à hipotética psicologia das funções mentais desviadas. A psicopatologia é, pois, uma ciência autônoma, e não um prolongamento da neurologia ou da psicologia. Dessa forma, é uma ciência básica, que serve de auxílio à psiquiatria, a qual é, por sua vez, um conhecimento aplicado a uma prática profissional e social concreta.
O domínio da psicopatologia estende-se a todo fenômeno psíquico que possa apreender-se em conceitos de significação constantes e com possibilidade de comunicação. Assim, a psicopatologia, como ciência, exige um pensamento rigorosamente conceptual, que seja sistemático e que possa ser comunicado de modo inequívoco. Na prática profissional, entretanto, participam ainda opiniões instintivas, uma intuição pessoal que nunca se pode comunicar. Dessa forma, a ciência psicopatológica é tida como uma das abordagens possíveis do homem mentalmente doente, mas não a única.

PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA VERSUS PSICOPATOLOGIA DINÂMICA - Para a psiquiatria descritiva, interessa fundamentalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas, aquilo que caracteriza a vivência patológica como sintoma mais ou menos típico. Já para a psiquiatria dinâmica, interessa o conteúdo da vivência, os movimentos internos de afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiência particular, pessoal, não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos. A boa prática em saúde mental implica a combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva e uma abordagem dinâmica, pessoal e subjetiva do doente e de sua doença.

PSICOPATOLOGIA MÉDICA VERSUS PSICOPATOLOGIA EXISTENCIAL - A perspectiva médico-naturalista trabalha com uma noção de homem centrada no corpo, no ser biológico como espécie natural e universal. Assim, o adoecimento mental é visto como um mau funcionamento do cérebro, uma desregulação, uma disfunção de alguma parte do “aparelho biológico”. Já na perspectiva existencial, o doente é visto principalmente como “existência singular”, como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua dimensão elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano.

PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL-COGNITIVISTA VERSUS PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA - Na visão comportamental, o homem é visto como um conjunto de comportamentos observáveis, verificáveis, que são regulados por estímulos específicos e gerais, e por certas leis e determinantes do aprendizado. Associada a essa visão, a perspectiva cognitivista centra atenção sobre as representações cognitivas conscientes de cada indivíduo. Na visão psicanalítica, os sintomas e síndromes mentais são considerados formas de expressão de conflitos, predominantemente inconscientes, de desejos que não podem ser realizados, de temores aos quais o indivíduo não tem acesso. O sintoma é encarado, nesse caso, como uma “forma ção de compromisso”, um certo arranjo entre o desejo inconsciente, as normas e as permissões culturais e as possibilidades reais de satisfação desse desejo.

PSICOPATOLOGIA CATEGORIAL VERSUS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL - As entidades nosológicas ou transtornos mentais específicos podem ser compreendidos como entidades completamente individualizadas, com contornos e fronteiras bem-demarcados. Assim, entre a esquizofrenia e os transtornos afetivos bipolares e os delirantes, haveria, por exemplo, uma fronteira nítida, configurando-os como entidades ou categorias diagnósticas diferentes e discerníveis na sua natureza básica. Em contraposição a essa visão “categorial”, alguns autores propõem uma perspectiva “dimensional” em psicopatologia, que seria hipoteticamente mais adequada à realidade clínica. Haveria, então, dimensões como, por exemplo, o espectro esquizofrênico, que incluiria desde formas muito graves, tipo “demência precoce” (com grave deterioração da personalidade, embotamento afetivo, muitos sintomas residuais), formas menos deteriorantes de esquizofrenia, formas com sintomas afetivos, chegando até um outro pólo, de transtornos afetivos, incluindo formas com sintomas psicóticos até formas puras de depressão e mania (hipótese esta que se relaciona à antiga noção de psicose unitária).

PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VERSUS PSICOPATOLOGIA SOCIOCULTURAL - A psicopatologia biológica enfatiza os aspectos cerebrais, neuroquímicos ou neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais. Em contraposição, a perspectiva sociocultural visa estudar os transtornos mentais como comportamentos desviantes que surgem a partir de certos fatores socioculturais, como discriminação, pobreza, migração, estresse ocupacional, desmoralização sociofamiliar, etc. Os sintomas e os transtornos devem ser estudados, segundo essa visão, no seu contexto eminentemente sociocultural, simbólico e histórico.

PSICOPATOLOGIA OPERACIONALPRAGMÁTICA VERSUS PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL - Na visão operacional-pragmática, as definições básicas de transtornos mentais e sintomas são formuladas e tomadas de modo arbitrário, em função de sua utilidade pragmática, clínica ou orientada à pesquisa. Por sua vez, o projeto de psicopatologia fundamental, proposto pelo psicanalista francês Pierre Fedida, visa centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os fundamentos de cada conceito psicopatológico, com ênfase à noção de doença mental como pathos, que significa sofrimento, paixão e passividade.

A SEMIOLOGIA – A semiologia é a ciência dos signos e campo de grande importância para o estudo da linguagem (semiótica linguística), da música (semiologia musical), das artes em geral e de todos os campos de conhecimento e de atividades humanas que incluam a interação e a comunicação entre dois interlocutores por meio de um sistema de signos. Entende-se por semiologia médica o estudo dos sintomas e dos sinais das doenças, estudo este que permite ao profissional de saúde identificar alterações físicas e mentais, ordenar os fenômenos observados, formular diagnósticos e empreender terapêuticas. Semiologia psicopatológica é, por sua vez, o estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais.
Três campos distintos no interior da semiologia: a semântica, responsável pelo estudo das relações entre os signos e os objetos a que tais signos se referem; a sintaxe, que compreende as regras e as leis que regem as relações entre os vários signos de um sistema de signos; e, finalmente, a pragmática, que se ocupa das relações entre os signos e os usuários, os sujeitos que os utilizam concretamente.
O signo é o elemento nuclear da semiologia; ele está para a semiologia assim como a célula está para a biologia e o átomo para a física. O signo é um tipo de sinal. Define-se sinal como qualquer estímulo emitido pelos objetos do mundo.
A semiologia médica e a psicopatológica tratam particularmente dos signos que indicam a existência de sofrimento mental, transtornos e patologias. A semiologia (tanto a médica como a psicopatológica) pode ser dividida em duas grandes subáreas: semiotécnica e semiogênese.
A semiotécnica refere-se a técnicas e procedimentos específicos de observação e coleta de sinais e sintomas, assim como à descrição de tais sintomas. No caso dos transtornos mentais, a semiotécnica concentra-se na entrevista direta com o paciente, seus familiares e demais pessoas com as quais convive. Fundamental, sobretudo para a semiotécnica em psicopatologia, é a observação minuciosa, atenta e perspicaz do comportamento do paciente, do conteúdo de seu discurso e do seu modo de falar, da sua mímica, da postura, da vestimenta, da forma como reage e do seu estilo de relacionamento com o entrevistador, com outros pacientes e com seus familiares.
A semiogênese é o campo de investigação da origem, dos mecanismos, do significado e do valor diagnóstico e clínico dos sinais e sintomas.

A ORDENAÇÃO DOS FENÔMENOS EM PSICOPATOLOGIA – O estudo da doença mental, como o de qualquer outro objeto, inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações. A observação articula-se dialeticamente com a ordenação dos fenômenos. Isso significa que, para observar, também é preciso produzir, definir, classificar, interpretar e ordenar o observado em determinada perspectiva, seguindo certa lógica. Classicamente, distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia: 1. Fenômenos semelhantes em todas as pessoas; 2. Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes. São fenômenos que o homem comum experimenta, mas apenas em parte são semelhantes aos que o doente mental vivencia;

CONCEITO DE NORMALIDADE - O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é saúde e doença mental.
Psiquiatria legal ou forense: a determinação de anormalidade psicopatológica pode ter importantes implicações legais, criminais e éticas, podendo definir o destino social, institucional e legal de uma pessoa.
Epidemiologia psiquiátrica: a definição de normalidade é tanto um problema como um objeto de trabalho e pesquisa. A epidemiologia, inclusive, pode contribuir para a discussão e o aprofundamento do conceito de normalidade em saúde.
Psiquiatria cultural e etnopsiquiatria: o conceito de normalidade em psicopatologia impõe a análise do contexto sociocultural; exige necessariamente o estudo da relação entre o fenômeno supostamente patológico e o contexto social no qual tal fenômeno emerge e recebe este ou aquele significado cultural.
Planejamento em saúde mental e políticas de saúde: estabelece critérios de normalidade, principalmente no sentido de verificar as demandas assistenciais de determinado grupo populacional, as necessidades de serviços, quais e quantos serviços devem ser colocados à disposição desse grupo, etc.
Orientação e capacitação profissional: são importantes na definição de capacidade e adequação de um indivíduo para exercer certa profissão, manipular máquinas, usar armas, dirigir veículos, etc.
Prática clínica: capacidade de discriminar, no processo de avaliação e intervenção clínica, se tal ou qual fenômeno é patológico ou normal, se faz parte de um momento existencial do indivíduo ou é algo francamente patológico.
Os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia são: 1. Normalidade como ausência de doença; 2. Normalidade ideal: a normalidade aqui é tomada como uma certa “utopia”. depende, portanto, de critérios socioculturais e ideológicos arbitrários, e, às vezes, dogmáticos e doutrinários; 3. Normalidade estatística: identifica norma e frequência que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população geral (como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas ansiosos, etc.); 4. Normalidade como bem-estar: definida pela OMS a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença; 5. Normalidade funcional: baseada em aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos; 6. Normalidade como processo: considera os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários; 7. Normalidade subjetiva: ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação a seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas; 8. Normalidade como liberdade: a doença mental é a perda da liberdade existencial e a saúde mental se vincularia às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino; 9. Normalidade operacional: critério assumidamente arbitrário, com finalidades pragmáticas explícitas.

SÍNDROMES E ENTIDADES NOSOLÓGICAS - As síndromes são agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas. A síndrome é puramente uma definição descritiva de um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas. Denominam-se entidades nosológicas, doenças ou transtornos específicos os fenômenos mórbidos nos quais podem se identificar (ou pelo menos presumir com certa consistência) certos fatores causais (etiologia), um curso relativamente homogêneo, estados terminais típicos, mecanismos psicológicos e psicopatológicos característicos, antecedentes genético-familiares algo específicos e respostas a tratamentos mais ou menos previsíveis.

FORMA E CONTEÚDO DOS SINTOMAS - Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos costumam ser enfocados: a forma dos sintomas, isto é, sua estrutura básica, relativamente semelhante nos diversos pacientes (alucinação, delírio, ideia obsessiva, labilidade afetiva, etc.), e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, etc.). De modo geral, os conteúdos dos sintomas estão relacionados aos temas centrais da existência humana, tais como sobrevivência e segurança, sexualidade, temores básicos (morte, doença, miséria, etc.), religiosidade, entre outros.

SENSAÇÃO – A sensação é o fenômeno psíquico elementar que resulta da ação da luz, do som, do calor sobre os órgãos dos sentidos. Existe uma relação causal entre o estimulo exterior e o estado psicológico no qual se designa a sensação.
As sensações são classificadas em dois grupos: externas e internas.
As sensações externas correspondem as sensações que refletem as propriedades e aspectos isolados das coisas e fenômenos que se encontram no mundo exterior. São chamadas de sensibilidade especial pelo fato d que essas sensações se originam de aparelhos especiais (receptores), os órgãos dos sentidos. Nesse gripo estão incluídas as sensações visuais, auditivas, gustativas, olfativas e táteis.
As sensações internas são aquelas que refletem os movimentos de partes isoladas do corpo e o estado dos órgãos internos. Ao conjunto dessas sensações se denomina sensibilidade geral. Os receptores dessas sensações se encontram nos músculos, nos tendões e na superfície dos diferentes órgãos, englobando três tipos de sensações: motoras, de equilíbrio e orgânicas.
Denomina-se estímulo à causa física – som, luz – que atua sobre os órgãos dos sentidos para produzir a sensação e excitação, à modificação física que a ação do excitante produz no órgão sensorial. Existem quatro tipos de excitantes: mecânicos, físicos (luz, som, calor), químicos e elétricos.
Para que se processe uma sensação são indispensáveis> 1 – a excitação de um órgão sensorial (receptor; 2 – a transmissão da excitação através de vias sensitivas ao centro cortical; 3 –a recepção pelo centro cortical.
Os analisadores são o conjunto anátomo-fisiológico que constitui os aparelhos sensoriais necessários à recepção das sensações. Os analisadores são formados de três partes essenciais: receptor periférico, que recebe os estímulos; nervos aferentes, que conduzem a excitação aos centros nervosos; centros corticais, correspondentes à terminação das fibras nervosas, onde se processa a elaboração dos impulsos nervosos procedentes do exterior.
No processo do conhecimento, as sensações ocupam o primeiro grau, elas efetuam as relações com o mundo exterior a conhecer os aspectos e as propriedades excitantes das que rodeiam o ser humano.
Em suma, as sensações são os elementos estruturais simples da forma da percepção.

ALTERAÇÕES DA SENSAÇÃO – As alterações na intensidade das sensações referem-se ao aumento e à diminuição do numero e da intensidade dos estímulos procedentes dos diversos campos da sensibilidade.
A hiperestesia é o aumento da intensidade das sensações. A hiperestesia sensorial é frequente nos neuróticos, nos estados de excitação maníaca de fraca intensidade, no hipertireoidismo, nos acessos de enxaqueca e, ocasionalmente, em casos de epilepsia.
A hipoestesia é a diminuição da sensibilidade especial. A diminuição da sensibilidade aos estímulos sensoriais é observada em todos os casos que se acompanham de depressão. Coincidem com a diminuição dos reflexos tendinosos, elevação da sensibilidade fisiológica e lentidão dos processos psíquicos.
Observa-se a hipoestesia nos estados depressivos, no estupor, nas síndromes que se acompanham de obnubilação da consciência, nas depressões pós-infecciosas e pós-traumáticas.
A anestesia é o termo empregado para designar a abolição de todas as formas de sensibilidade.
A analgesia é a perda da sensibilidade à dor, com a conservação de outras formas de sensiblidade – tátil, térmica e discriminatória. Ela pode ser observada na clinica psiquiátrica em casos de paralisia geral, catatonia, histeria e no estupor.
As anomalias da intensidade das sensações são observadas frequentemente nos neuróticos. Os doentes se queixam de excesso de sensibilidade e procuram defender-se do acréscimo patológico das excitações procedentes no meio exterior. Em alguns casos de depressão é possível observar a redução da sensibilidade aos estímulos sensoriais, de graus diversos, até seu desaparecimento momentâneo completo. Na histeria é possível verificação a debilitação e, até mesmo a abolição da capacidade de experimentar sensações em determinada região corporal.
Na excitação maníaca, os enfermos não se preocupam com as impressões sensoriais procedentes do meio exterior, não percebem ou percebem de maneira incompleta as impressões intensas e, menos ainda, os estímulos sensoriais de fraca intensidade.
Na obnubilação da consciência, as sensações perdem a nitidez; o estado de inconsciência inibe a reação das sensações.
No estupor nem sempre há elevação do limiar da sensibilidade aos diferentes estímulos sensoriais.
Nos estados crepusculares as sensações são imprecisas e, na maior parte das vezes, falseadas.
As alterações da sensibilidade tem uma importância extraordinária na catatonia. Os catatônicos apresentam diminuição de sensibilidade geral, com analgesia mais ou menos completa nos estados de estupor.
Na deficiência mental e nos estados demenciais os enfermos não podem sentir tão vivamente, nem perceber com a mesma nitidez do individuo são.
Os traumatismos encefálicos determinam, de modo geral, o aparecimento de transtornos psíquicos de gravidade e duração variáveis de acordo com a intensidade do traumatismo e a extensão das lesões cerebrais.

PERCEPÇÃO – O termo recepção é empregado correntemente para designar, em Psicologia, o ato pelo qual tomamos conhecimento de um objeto do meio exterior, considerado como real, isto é, como existente fora da própria atividade perceptiva. A percepção é considerada como a apreensão de uma situação objetiva baseada em sensações, acompanhada de representações e frequentemente de juízos, num ato único, o qual somente pode ser decomposto por meio de análise. O ato perceptivo consiste na apreensão de uma totalidade, de natureza especifica, verificando-se que sua organização, do ponto de vista funcional, não representa a simples adição de elementos locais e temporais captados pelos órgãos dos sentidos. Sem o material das sensações não existiram as percepções. Os objetivos da percepção comportam duas especiais de qualidades: as qualidades sensíveis e as qualidades formais. As percepções aparecem como totalidades estruturantes, porque também a pessoa na sua totalidade apenas é capaz de compreender o mundo em totalidades mais restritas.

ALTERAÇÕES DA PERCEPÇÃO – Nas alterações da percepção são incluídas as agnosias, as alterações da síntese perceptiva, as ilusões sensoriais e as aberrações perceptivas.
As agnosias é a lesão de um órgão sensorial periférico, do nervo aferente ou da zona cortical de projeção correspondente determinando o desaparecimento das sensações. Produz-se anestesia, surdez ou cegueira, segundo o órgão sensorial atingido. Consiste numa alteração intermediária entre as sensações e a percepção. Em alguns casos, observa-se a perda da diferenciação da intensidade e da extensão das sensações, permanecendo inalteradas as sensações elementares. Ela se manifesta de diversas formas e de acordo com as funções sensoriais atingidas pela lesão: visual, auditiva e táteis.
A agnosia visual é distinguida por objetos, formas, cor e espaço. Nos dois primeiros casos, o paciente se mostra incapacitado para identificar o objeto ou a forma que se lhe apresenta, em virtude de se encontrar alterada a integração das sensações elementares. Na agnosia visual os conteúdos da esfera ótica constituem para o paciente muito mais contornos, superfícies e cores, luzes e sombras, do que as coisas dotadas de realidade, comprovação da existência de defeitos sensoriais fisiológicos, os quais dependiam de lesões do lobo occipital na região da cissura calcariana. Os defeitos indicavam que as vias ópticas ou suas projeções tinham sido atingidas.
A agnosia tátil refere-se à incapacidade para reconhecer objetos mediante o sentido do tato, apesar da sensibilidade se encontrar conservada no fundamental. Existem duas formas: agnosia primaria ou perceptiva, quando o transtorno recai sobre as qualidades dos objetos, ou seja, quando perde a sensibilidade de discriminar as diferenças de intensidade e extensão das sensações táteis; e agnosia semântica, quando constitui verdadeira astereognosia, ou seja, a análise da forma é correta, porém o doente não pode identificar o objeto quanto ao seu valor e utilização, só conseguindo através de deduções e suposições.
A síntese perceptiva é o resultado das ligações funcionais dos elementos nervosos, as quais refletem os aspectos particulares dos objetos e fenômenos da natureza. As perturbações da síntese perceptiva determinam alterações primitivas na percepção dos objetos e fenômenos do mundo exterior e do próprio corpo. As alterações da síntese perceptiva são observadas nas fases iniciais da esquizofrenia, na perplexidade e em casos de despersonalização. Os doentes se queixam, por exemplo, de uma sensação de irrealidade, de estranheza, de transformação do mundo exterior, de que as pessoas e os objetos estão modificados.
A ilusão é a percepção deformada de um objeto real e presente. Por si mesma, a ilusão não se constitui sintoma de doença mental. Nos doentes mentais, as ilusões são devidas à perturbação da atenção, às influencias emocionais e às alterações da consciência. As ilusões apresentam-se com frequência nos estados maníacos, em virtude das oscilações da atenção; nos imbecis, nos quais a capacidade de compreensão é muito reduzida; nas alterações da consciência; nas enfermidades cerebrais orgânicas; nos estados de inquietação da melancolia e em todas as formas clinicas de esquizofrenia. No delirium tremens as ilusões visuais são frequentes.
As aberrações perceptivas ou cromática ou sensorial, que consiste no fato de se emprestar cores inusitadas aos objetos exteriores. O fenômeno é observado na alteração perceptiva provocada pela mescalina, quando os objetos adquirem cores aberrantes, que não existem realmente. A aberração perceptiva é observada nos casos de intoxicação pelas drogas psicodelépticas e em formas iniciais de esquizofrenia.

RESUMO: SENSSOPERCEPÇÃO - Todas as informações do ambiente, necessárias à sobrevivência do indivíduo, chegam até o organismo por meio das sensações. Os diferentes estímulos físicos (luz, som, calor, pressão, etc.) ou químicos (substâncias com sabor ou odor, estímulos sobre as mucosas, a pele, etc.) agem sobre os órgãos dos sentidos, estimulando os diversos receptores e, assim, produzindo as sensações. Define-se sensação como o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou biológicos variados, originados fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores, estimulando-os. Os estímulos sensoriais fornecem a alimentação sensorial aos sistemas de informação do organismo. As diferentes formas de sensação são geradas por estímulos sensoriais específicos, como visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, proprioceptivos e cinestésicos. Por percepção, entende-se a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo sensorial. A percepção diz respeito à dimensão propriamente neuropsicológica e psicológica do processo, à transformação de estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes.

CONSCIÊNCIA – O termo consciência origina-se da junção de dois vocábulos latinos: cum (com) e scio (conhecer), indicando o conhecimento compartilhado com outro e, por extensão, o conhecimento “compartilhado consigo mesmo”, apropriado pelo indivíduo. O estudo da consciência mostra como é artificial a fragmentação da atividade psíquica em diferentes partes ou em funções isoladas. Não existem funções intelectuais, afetivas e volitivas independentes na contextura da vida psíquica. A decomposição analítica da consciência em fenômenos particulares é feita apenas, por necessidade da exposição, para facilitar o estudo da atividade da mente. Na realidade, os processos psíquicos se apresentam de imediato quando se coloca em atitude de observação da consciência como uma totalidade, como atividade sintética em que os fenômenos se encontram vinculados uns aos outros, estabelecendo-se entre eles uma relação de causa e efeito.
A consciência é definida como um complexo de fenômenos psíquicos elementares ou complicados, afetivos e intelectivos, que se apresentam na unidade de tempo e que permitem o conhecimento do próprio eu e do mundo exterior. A consciência é a zona clara da vida psíquica que se encontra em situação oposta à zona escura, de dimensões mais amplas, chamada de inconsciente. Assim, a consciência representa a atividade nervosa de determinada área dos grandes hemisférios, em dado momento, sob dadas condições, possuindo determinada excitabilidade ótima. Nesse momento, toda a parte restante dos grandes hemisférios encontra-se em estado de maior ou menor redução da excitabilidade. Os focos com excitabilidade ótima estão mesclados na massa dos grandes hemisférios cerebrais e se acham na dependência dos laços temporários que se formam nos centros corticais. A existência de um mecanismo responsável pelo estado de vigília e de sono é um fato de observação já antiga e, mais recentemente, as pesquisas neurofisiológicas demonstraram que o sistema reticular ativador, em conexão intima com os centros hipotalâmicos da vigília e do sono, é o responsável pela regulação do nível de vigilância. Nesse particular, as diferentes gradações da vigilância correspondem a diferentes graus de consciência que podem ir gradativamente da completa lucidez da consciência à inconsciência.
A consciência pode se encarada sob dois aspectos: o subjetivo e o objetivo.
A consciência subjetiva é a propriedade de serem os fenômenos conscientes conhecidos pelo individuo.
A consciência é objetiva por seu conteúdo que se reflete no plano subjetivo sob a forma de percepções, representações, conceitos.
A consciência pode ser considerada, do ponto de vista psicológico, como um processo de coordenação e de síntese da atividade psíquica. Nesse processo podem-se destacar que: a consciência do eu, como conhecimento que se tem de existir como individualidade distinta das demais coisas do mundo; e a consciência dos objetos, significando que tudo que é apreendido ou se encontra no campo da consciência, seja uma percepção, uma representação ou um conceito.
O inconsciente possui três diferentes significados: 1 – designa os processos nervosos que escapam inteiramente ao conhecimento pessoal, como a maior das regulações orgânicas, reflexos, automatismos, dos quais somente os efeitos podem tornar-se conscientes; 2 – em sentido mais amplo, é tudo quanto num determinado momento escapa à consciência, sem diferenciar entre o subconsciente e o inconsciente; 3 – para Freud ao qualificar os processos dinâmicos que atuam eficazmente sobre a conduta sem que atinjam a consciência. Em psicologia o inconsciente é empregado como adjetivo para qualificar determinado fato psicológico que escapa ao conhecimento do individuo. Para Jung o inconsciente contém apenas as partes da personalidade que poderiam ser conscientes se o processo da cultura não as tivesse reprimido. As características funcionais do inconsciente são atemporalidade, não existe tempo; ele é atemporal; isenção de contradição, não há lugar para negação ou dúvida, nem graus diversos de certeza ou incerteza; princípio do prazer, não segue as ordens da realidade, submete-se apenas ao princípio do prazer; e o processo primário, as cargas energéticas (catexias) acopladas às representações psíquicas, às ideias, são totalmente móveis.

ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA – Só existe alteração da consciência quando os fenômenos psíquicos se acham modificados em sua totalidade. As alterações da consciência são devidas a perturbações da atividade fisiológica dos hemisférios cerebrais. Pode também resultar de alterações da interdependência entre as áreas corticais e as regiões subcorticais.
Obnubilação da consciência é a designação de um desvio mórbido do curso normal dos processos psíquicos, caracterizados essencialmente pela diminuição do grau de clareza do sensório com lentidão da compreensão, dificuldade da percepção e da elaboração das impressões sensoriais. Na consciência do individuo obnubilado não surge nada de novo. Os processos psíquicos são fragmentários e os sentimentos muito imprecisos, sem que possam conduzir à execução de qualquer ato volitivo. O doente revela-se indiferente, apático, sem iniciativa e sem espontaneidade. A obnubilação da consciência representa um sintoma obrigatório na maior parte dos transtornos mentais sintomáticos.
O coma é uma consequência da obnubilação da consciência. O termo provém do grego e significa sono profundo. Entende-se por coma o estado mais acentuado da perda da consciência, que se acompanha, geralmente, de perturbações neurológicas e somáticas gerais. Quando existe ainda um certo desassossego e uma atividade psíquica confusa, fala-se em coma vigil ou agripnico e, ao alcançar a profundidade extrema é chamado de carus. No estado comatoso a consciência se acha profundamente alterada ou quando abolida, tanto assim que o enfermo não dispõe da capacidade de se manter aberto ao mundo externo e, desse modo, ter consciência do vivo. Os estados de coma são observados em todas as formas diretas ou indiretas de lesão cerebral.
O delírio oniróide é uma síndrome observada no curso de doenças febris, intoxicações crônicas e enfermidades cerebrais orgânicas. Em sua fase de pleno desenvolvimento, caracteriza-se por estes sintomas fundamentais: obnubilação da consciência, desorientação e alucinações. Após uma fase premonitória, de curta duração, em que o doente apresenta mal-estar, sono inquieto, sensações imprecisas, intranquilidade, cefaleia e hiperestesia, surge no quadro clinico a excitação psicomotora. Em alguns caos, o quando é o de uma leve excitação maníaca, com estado de animo eufórico, excitabilidade fácil e tendência incessante à ocupação. Na maior parte dos casos, no quadro de delírio dominam as visões oníricas, acompanhadas algumas vezes de alucinações auditivas, cinestesias e neurovestibulares, pseudo-alucinações e ideias deliroides. A percepção do mundo exterior está completamente deformada pelas ilusões. O delírio oniroide apresenta-se no curso de enfermidades tóxicas e infecciosas.
A amência ou confusão mental é uma perturbação mental caracterizada principalmente por turvação mais ou menos acentuada da consciência, acompanhada de fenômenos de excitação psicomotora. A síndrome está caracterizada por obnubilação mais ou menos acentuada da consciência, com incoerência do pensamento de natureza oniroide e perplexidade, que resulta na incapacidade de apreender o enfermo a realidade objetiva. Como corolário, existe desorientação no tempo e no espaço, dificuldade de compreender a situação, lentidão nas respostas, com predominância de vivencias alucinatórias oniroides. O estado efetivo é de caráter depressivo ansioso. Estes são os elementos fundamentais da confusão mental aguda. A amência aparece nas doenças infecciosas.
Os estados crepusculares são estreitamentos transitórios da consciência, com a conservação de uma atividade mais ou menos coordenada. Acompanha-se de falsa compreensão da situação. Em geral, a percepção do mundo exterior é imperfeita ou de todo inexistente. Em alguns casos é possível observar a presença de alucinações e ideias deliroides.
O onirismo é caracterizado pela predominância extraordinária das representações imaginadas sobre as perturbações sensoriais e sensitivas, que são acentuadamente deformadas e amplificadas. Os estados de onirismo costumam apresentar-se nas perturbações mentais exógenas e na esquizofrenia.
Nas alterações da consciência do eu estão o êxtase, vivencia de transformação do eu, transitivismo, possessão, estados segundos e convicção da inexistência pessoal.
O êxtase representa o mais elevado grau do sentimento vital. De acordo com a sua acepção etimológica, é a vivência de sentir-se fora de si, uma transformação da consciência do eu e da consciência do mundo, que, em estado normal, se caracteriza pelo conhecimento das limitações da própria existência pela individualização do confinamento em um corpo e em uma consciência individual. O êxtase é observado com maior frequência em enfermos histéricos e mais raramente na esquizofrenia.
A vivência de transformação do eu ocorre no inicio dos transtornos mentais psicóticos ou depois da remissão dos sintomas, transformando intima e internamente, de metamorfoses dos pensamentos e sentimentos, como algo vago e indefinido do eu empírico e sente o seu eu mudado ou transformado. Sobrevém a vivência de transformação da própria pessoa que consiste no fato de que o enfermo já não pensa, não sente e nem age como antes, pois experimentou uma profunda mutação de sua personalidade.
O transitivismo é o fenômeno que consiste em o enfermo sentir-se transformado em outra pessoa. Em psicopatologia, o termo serve para designar as alterações observadas em alguns enfermos, que consistem no desaparecimento da relação entre o corpo e os objetos do meio exterior.
A possessão é a alteração da consciência do eu caracterizada pelo fato de o individuo sentir-se possuído por entidades sobrenaturais, especialmente espíritos e demônios.
Os estados segundos são alterações especiais da consciência vigil que surgem em consequência de acontecimentos desagradáveis. O enfermo vivencia estados de consciência alternantes, correspondentes a duas personalidades distintas: a consciente e a inconsciente ou reprimida, sem que uma conserve lembrança da outra. Durante a fase inconsciente o paciente manifesta certo grau de estreitamento da consciência e se mantém lúcido durante a fase consciente. Os estados segundos são observados exclusivamente em enfermos neuróticos, sendo possível provoca-los pela hipnose ou pela sugestão. Uma de suas manifestações comuns é o sonambulismo.
A convicção de inexistência da pessoa consiste na convicção de inexistência do próprio corpo ou de certos órgãos, ou de que o enfermo não se encontra vivo e sim morto. O paciente apresenta uma forma de aniquilamento da própria corporalidade.
Na embriaguez patológica observam-se habitualmente alterações de consciência. Em casos graves verificam-se obnubilação e impulsos patológicos.
Na epilepsia observam-se alterações características da consciência. A supressão rápida da consciência é uma das mais frequentes formas de inicio da crise generalizada.
Nos casos de esquizofrenia observam-se alguns sintomas típicos como a vivencia de transformação do eu. Verifica-se, ainda, o transitivismo que representa um sintoma de primeira ordem para o diagnostico da enfermidade.

REFERÊNCIAS
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre : Artmed, 2008.
PAIM, Isaías. Curso de psicopatologia. São Paulo: EPU, 1993.


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segunda-feira, 16 de março de 2015

PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE


PSICOLOGIA DA CIÊNCIA - A Psicologia da Ciência investiga o impacto dos processos psicológicos e das características pessoais de um cientista em temas do desenvolvimento de suas teorias e pesquisas cientificas. Examina a forma pela qual as personalidades, os processos cognitivos, o histórico de desenvolvimento e as experiências sociais dos cientistas afetam o tipo de ciência que realizam e as teorias que criam.

PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE – É o estudo cientifico das forças que tornam as pessoas únicas.  

PERSONALIDADE – Originário do latim persona, referindo-se à mascara teatral utilizada na encenação de dramas romanos. Na psicologia é a organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Para Atkinson e Hilgard (2011), são padrões distintos e característicos de pensamentos, emoções e comportamentos que formam o estilo pessoal de um individuo para interagir com o ambiente físico e social. Gazzaniga e Heaterton (2005) assinalam que se refere às características, respostas emocionais, pensamentos e comportamentos do individuo que são relativamente estáveis ao longo do tempo e em diferentes circunstâncias. Schultz & Schultz (2013) definem que se trata de um  agrupamento permanente e peculiar de características que podem mudar em reposta a situações diferentes. Os aspectos internos e externos peculiares permanentes do caráter de uma pessoa que influenciam o comportamento em situações diferentes. A personalidade pode ser entendida como mistura de fatores temperamentais (determinados pela biologia) e caracterológicos (determinados pelo ambiente).
Os aspectos principais da personalidade reunidos para ajudar a compreender a natureza complexa do individuo: aspectos inconscientes, o individuo é influenciado por eles, forças que não estão na consciência imediata; forças do ego, influenciado por elas, oferecendo uma identidade ou self; ser biológico, o individuo é único, com única natureza genética, física, fisiológica e temperamental; as pessoas são condicionadas e modeladas pelas experiências e pelo ambiente a sua volta; dimensão cognitiva, as pessoas pensam e interpretam ativamente o mundo a seu redor de forma única; conjunto de traços, habilidades e predisposições específicas; dimensão espiritual, em relação à própria vida, que os enobrece e os induz a ponderar sobre o significado de sua existência, não sendo meros robôs programados, mas que buscam a felicidade e autossatisfação; a natureza do individuo é uma interação continua entre a pessoa e determinado ambiente. Esses oito aspectos em conjunto auxiliam na definição e compreensão da personalidade humana.

TEORIAS DA PERSONALIDADE – Teoria é um conjunto de pressupostos relacionados que permite aos cientistas utilizar o raciocínio lógico-dedutivo para formulação de hipóteses testáveis. Relaciona-se intimamente com a epistemologia que é um instrumento utilizado pelos cientistas em sua busca pelo conhecimento. As teorias são constituídas sobre evidencias cientificas obtidas de maneira relativamente neutra. As teorias lidam com um amplo conjunto de afirmações sobre causas e consequências para dar sentido e ordem às observações, proporcionando um campo fértil para produção de hipóteses testáveis. São práticas e essenciais para avanço de qualquer ciência. Os pilares para construção de teorias são a especulação e a observação empírica. As teorias são constuidas sobre pressupostos sujeitos a uma interpretação individual; são reflexos da historia pessoal, experiências, filosofia de relacionamentos e o olhar para o mundo. Sua importância e utilidade repousa na capacidade de produzir pesquisa e de explicar os dados da pesquisa.
A taxonomia é a classificação das coisas de acordo com suas relações naturais e faz parte do desenvolvimento das ciências. Podem transformar-se em teorias quando produzem hipóteses testáveis e a explicar resultados de pesquisa.
A personalidade é um padrão de traços relativamente permanentes e de características singulares que confere ao mesmo tempo consistência e individualidade ao comportamento de uma pessoa.
Os traços da personalidade contribuem para a existência das diferenças de comportamento, de constância comportamental ao longo do tempo e de estabilidade de comportamento em meio às situações. Os traços podem ser únicos, comuns para alguns grupos ou compartilhados por espécies inteiras, mas seu padrão é diferente para cada individuo, vez que cada pessoa, embora semelhante a outras, em muitos aspectos, possui uma personalidade exclusiva.
As características são qualidades singulares de um individuo que incluem atributos como temperamento, psique e inteligência.
Robert McCrae e Paul Costa classificam as pessoas por meio de cinco traços permanentes de personalidade.
As teorias da personalidade estão baseadas nas informações referentes aos mundos histórico, social e psicológico de cada teórico na época que desenvolveram suas teorias.

TEMPERAMENTO – Refere-se às influencias inatas, genéticas e constitucionais que influem na personalidade, isto é, constituem a dimensão biológica da personalidade. Caballo (2011) identifica quatro dimensões do temperamento: Busca de novidade ou ativação comportamental, referindo-se à tendência genética a implicar-se em atividades exploratórias que levem à estimulação prazerosa ou a outras recompensas, bem como ao comportamento que evite o tédio ou a monotonia; impedimento do dano ou inibição comportamental, referindo-se à inibição de comportamentos que conduz ao castigo, às situações novas ou à frustração; dependência da recompensa ou manutenção comportamento, tendência constitucional a responder às situações reforçadoras e a manter comportamentos que continuam produzindo prazer ou que aliviam o castigo; e persistência, que é a tendência a continuar realizando um comportamento, apesar dos possíveis obstáculos ou dificuldades. Já Costa e McGrae apresentam cinco fatores temperamentais que formam a personalidade: neuroses, tendência ao mal-estar psicológico e ao comportamento impulsivo; extroversão, tendências a envolver-se em situações sociais e a sentir alegria e otimismo; abertura à experiência, curiosidade, receptividade a novas ideias e expressividade emocional; amabilidade, grau em que se mostra compaixão e hostilidade para com os outros; e responsabilidade, grau de organização e compromisso com os objetos pessoais.

CARÁTER – Refere-se a fatores psicossociais aprendidos, que influem na personalidade. Os esquemas são encontrados dentro do conceito de caráter, referindo-se às crenças básicas que um individuo tem para organizar sua visão sobre si mesmo, o mundo, as pessoas e o futuro. Eles são elementos organizados a partir de experiências e reações passadas que formam um corpo relativamente compacto e persostente de conhecimento, capaz de dirigir as valorizações e percepções posteriores. O caráter, incluindo os esquemas, reflete a dimensão psicológica da personalidade e são relevantes nos transtornos de personalidade.

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REFERÊNCIAS
ATKINSON, Richard; HILGARD, Ernest; ATKINSON, Rita; BEM, Daryl; HOEKSENA, Susan. Introdução à Psicologia. São Paulo: Cengage, 2011.
CABALLO, Vicente. Manual de transtornos da personalidade: descrição, avaliação e tratamento. São Paulo: Santos, 2011.
FADIMAN, James; FRAGER, Robert. Teorias da personalidade.São Paulo: Harbra, 2002.
FEIST, Jess; FEIST, Gregory. Teorias da personalidade. São Paulo: Mcgraw-Hill, 2008.
FRIEDMAN, Howard; SCHUSTACK, Miriam. Teorias da personalidade: da teoria clássica à pesquisa moderna. São Paulo: Prentice Hall, 2004.
GAZZANIGA, Michael; HEATHERTON, Todd. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SCHULTZ, Duane; SCHULTZ, Sydeny. Teorias da personalidade. São Paulo; Cengage Learning, 2013.


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