SOB A LUZ - Iniciei
este livro citando o nascimento e o momento de sair à luz como metáforas sugestivas
para a consciência. Quando o self surge na mente pela primeira vez, e para
sempre desse momento em diante, dois terços de cada dia vivido, sem nenhuma
pausa, saímos à luz da mente e nos tornamos conhecidos por nós mesmos. E agora
que a memória de tantas dessas ocasiões criou as pessoas que somos, podemos até
mesmo nos imaginar atravessando o palco sob a luz. Tudo começa modestamente,
nosso ser vivo em seu sentido mais simples relacionando-se com algo simples
dentro ou fora dos limites do corpo. E então a luz se intensifica e, à medida
que seu brilho aumenta, mais o universo se ilumina. Mais do que nunca, objetos
de nosso passado podem ser vistos com clareza, primeiro separadamente, depois
ao mesmo tempo; mais objetos de nosso futuro e ao nosso redor são intensamente
iluminados. Sob a luz crescente da consciência, a cada dia mais coisas vêm a ser
conhecidas, com mais detalhes e ao mesmo tempo. De seus princípios humildes a
seu estado presente, a consciência é uma revelação da existência — uma revelação
parcial, devo acrescentar. Em algum ponto de seu desenvolvimento, com a ajuda
da memória, do raciocínio e, mais tarde, da linguagem, a consciência também se
torna um meio de modificar a existência. Toda criação humana remonta àquele
momento de transição em que começamos a manipular a existência guiados pela revelação
parcial dessa própria existência. Só criamos um sentido do bem e do mal, assim
como normas de comportamento consciencioso, a partir do momento em que tomamos conhecimento
de nossa própria natureza e de outros como nós. A própria criatividade — a
habilidade para gerar novas ideias e artefatos — requer mais do que a
consciência pode fornecer. A criatividade requer uma memória fecunda para fatos
e habilidades, uma sofisticada memória operacional, excelente capacidade de
raciocínio, linguagem. Mas a consciência está sempre presente no processo da
criatividade, não só porque sua luz é indispensável, mas porque a natureza de
suas revelações guia o processo da criação, de um modo ou de outro, com maior ou
menor intensidade. Curiosamente, tudo o que inventamos, seja o que for, de
normas éticas e jurídicas a música e literatura, ciência e tecnologia, é
diretamente determinado ou inspirado pelas revelações da existência que a
consciência nos proporciona. Ademais, de um modo ou de outro, em um grau maior
ou menor, as invenções exercem um efeito sobre a existência assim revelada;
alteram-na, para melhor ou para pior. Existe um círculo de influências — existência,
consciência, criatividade —, e o círculo se fecha. O drama da condição humana
advém unicamente da consciência. Obviamente, a consciência e suas revelações permitem
que criemos uma vida melhor para nós mesmos e para outros, mas o preço que
pagamos por essa vida melhor é alto. Não é só o preço do risco, do perigo e da
dor. É o preço de conhecer o risco,
o perigo e a dor. Pior ainda: é o preço de conhecer o que é o prazer e de conhecer quando ele está ausente ou é
inacessível. Assim, o drama da condição humana advém da consciência porque diz
respeito ao conhecimento obtido em uma troca que nenhum de nós fez: o custo de
uma existência melhor é a perda da inocência sobre essa mesma existência. O
sentimento do que acontece é a resposta a uma pergunta que nunca fizemos, e é também
a moeda de uma troca faustiana que nunca poderíamos ter negociado. A natureza
fez isso por nós. Mas drama não é necessariamente tragédia. Em certa medida, de
várias maneiras imperfeitas, individual e coletivamente, temos meios para guiar
a criatividade e, com isso, melhorar a existência humana em vez de piorá-la.
Isso não é fácil de realizar; não há diretrizes a seguir, os êxitos podem ser pequenos,
o malogro é provável. Entretanto, se a criatividade for dirigida com sucesso,
mesmo modestamente, permitiremos à consciência, mais uma vez, cumprir seu papel
de regulador homeostático da existência. Conhecer contribuirá para ser. Tenho
até alguma esperança de que compreender a biologia da natureza humana
contribuirá com seu quinhão nas escolhas a serem feitas. Seja como for,
melhorar as condições da existência é precisamente a finalidade da civilização,
a principal consequência da consciência; e, por no mínimo 3 mil anos, com recompensas
maiores ou menores, melhorar é o que a civilização vem buscando. A boa notícia,
portanto, é que já começamos.
O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA – O livro O mistério da consciência, do médico neurologista e neurocientista
português, António Rosa Damásio, trata da busca pela
compreensão uma das áreas mais nebulosas do conhecimento, abordando acerca da
consciência humana. A partir do seu livro O Erro de Descartes, o autor
apresenta a sua revolucionária teoria do enigma da consciência, como sendo o
maior desafio da filosofia e das ciências da vida, descrevendo como a
consciência abriu caminho para o surgimento de realizações humanas como a arte,
a ciência, a tecnologia, a religião, a organização social, por meio de uma
pesquisa sobre o cérebro e da complexidade de todo ser humano, sua adaptação ao
ambiente, sua sobrevivência e os conflitos consigo mesmo que se realiza com um
sistema complexo que articula imaginação, criatividade e planejamento que fazem
surgir a consciência. O livro aborda questões como a transição da inocência, a
consciência moral, as qualidades sensoriais simples, o comportamento frente à
mente e o cérebro, a neurobiologia molecular, reflexões sobre dados
neurobiológicos e neuropsicológicos, o self e o proto-self, sentir e conhecer,
a emoção e o sentimento, homeostasia, a função biológica das emoções, atenção e
comportamento intencional, memória, a biologia do conhecimento, o mapeamento
dos sinais do corpo, o sistema somático-sensitivo, o sistema nervoso central, o
espaço operacional, a neurologia da consciência, anatomia e neuroanatomia,
imagens, padrão neural, representações, sistemas subjacentes a mente, entre
outros importantes assuntos.
REFERÊNCIA
DAMÁSIO, Antonio. O
mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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