A família surge-nos como um grupo natural de
indivíduos unidos por uma dupla relação biológica: por um lado a geração, que
dá as componentes do grupo; por outro as condições de meio que postula o
desenvolvimento dos jovens e que mantêm o grupo, enquanto os adultos geradores
asseguram essa função. Nas espécies animais, esta função dá lugar a
comportamentos instintivos, muitas vezes bastante complexos. Foi preciso
renunciar a fazer derivar das relações familiares assim definidas os outros fenômenos
sociais observados nos animais. Estes últimos aparecem pelo contrário tão
distintos dos instintos familiares que os investigadores mais recentes
relacionam-nos com um instinto original, dito de interatração. A espécie humana
caracteriza-se por um desenvolvimento singular das relações sociais, que sustêm
capacidades excepcionais de comunicação mental, e correlativamente por uma
economia paradoxal dos instintos que aí se mostram essencialmente susceptíveis
de conversão e de inversão não tendo efeito isolável senão de modo esporádico.
São assim permitidos comportamentos adaptativos duma variedade infinita. A sua
conservação e o seu progresso, por dependerem da sua comunicação, são antes de
tudo obra coletiva e constituem a cultura; ela introduz uma nova dimensão na
realidade social e na vida psíquica. Esta dimensão especifica a família humana
tal como todos os fenômenos sociais no homem. Se, com efeito, a família humana
permite observar, nas primeiras fases das funções maternais, por exemplo,
alguns traços de comportamento instintivo, identificáveis aos da família
biológica, basta refletir no que o sentimento da paternidade deve aos
postulados espirituais que marcaram o seu desenvolvimento, para compreender que
neste domínio as instâncias culturais dominam as naturais, ao ponto de não se
poder ter como paradoxais os casos em Será esta estrutura cultural da família
humana inteiramente acessível aos métodos da psicologia concreta: observação e
análise? Sem dúvida estes métodos bastam para pôr em evidência alguns traços
essenciais, tal como a estrutura hierárquica da família, e bastam para
reconhecer nela o órgão privilegiado desta coação do adulto sobre a criança,
coação à qual o homem deve uma etapa original e as bases arcaicas da sua
formação moral [...].
A FAMÍLIA
– O ensaio A família, do psicanalista francês Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981),
trata da instituição familiar, a sua estrutura cultural, coação do adulto sobre
a criança, hereditariedade psicológica, parentesco biológico, a família primitiva,
o complexo como fator concreto da psicologia familiar, definição geral do
complexo, o instinto, o complexo freudiano e a imago, complexo do desmame e
este como ablactação, o desmame e a crise do psiquismo, a imago do seio
materno, a forma exteroceptiva, satisfação proprioceptiva, mal-estar
interoceptivo, a imago pré-natal, o desmame e a prematuração específica do nascimento,
o apetite da morte, o laço domestico, a nostalgia do todo, o complexo da
intrusão, o ciúme como arquétipo dos sentimentos sociais, identificação mental,
a imago do semelhante, o sentido da agressividade primordial, o estádio do
espelho, potência segunda da imagem especular, estrutura narcísica do eu, o
drama do ciúme, o eu e o outrem, condições de fraternidade, complexo de Édipo,
esquema e valor objetivo do complexo, a família segundo Freud, o complexo da
castração, o mito parricida originário, as funções do complexo, maturação da
sexualidade, constituição da realidade e a repressão da sexualidade, os
fantasma do desmembramento, origem materna do super-eu arcaico, originalidade
da identificação edipiana, a imago do pai, o complexo e a relatividade
sociológica, matriarcado e patriarcado, abertura do vínculo social, o homem
moderno e a família conjugal, papel de formação familiar, declínio da imago
paterna, os complexos familiares em patologia, as psicoses de tema familiar,
formas delirantes do conhecimento, funções dos complexos nos delírios, reações
e temas familiares, determinismo da psicose, as nevroses familiares, sintoma
nevrótico e drama individual, da expressão do recalcado à defesa contra a
angustica, deformações específicas da realidade humana, a forma degrada de Édipo,
nevroses de Transfert, a histeria, a nevrose obsessiva, incidência individual
das causas familiares, neuroses de caráter, a nevrose de autopunição, a
introversão da personalidade e esquizonoia, desarmonia do par parental, prevalência
do complexo do desmame e a inversão da sexualidade.
REFERÊNCIA
LACAN,
Jacques. A família. Lisboa: Assírio e Alvin, 1981.
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