ZYGMUNT BAUMAN – O sociólogo polonês Zygmunt Bauman iniciou sua carreira como professor
emérito de Sociologia da Universidade de Varsóvia e Leeds e é autor de vários
livros sobre o consumo e a modernidade líquida.
Quem não se preocupa com o futuro, faz isso
por sua própria conta e risco. E certamente pagará um preço pesado. Mais cedo
do que tarde, descobre-se que o desagradável "adiamento da
satisfação" foi substituído por um curto adiamento da punição - que será
realmente terrível – por tanta pressa. Qualquer um pode ter o prazer quando
quiser, mas acelerar sua chegada não torna o gozo desse prazer mais acessível
economicamente. Ao fim e ao cabo, a única coisa que podemos adiar é o momento
em que nos daremos conta dessa triste verdade. Por mais amarga e deletéria que
seja, esta não é a única pequena cláusula anexada à promessa, grafada em letras
maiúsculas, do "desfrute agora, pague depois". Para impedir que o
efeito dos cartões de crédito e do crédito fácil se reduza a um lucro que o
emprestador só realiza uma vez com cada cliente, a dívida contraída tinha de
ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro. (Zygmunt Bauman, Capitalismo parasitário e
outros temas contemporâneos).
Pergunte-se o que é realmente uma família hoje em dia? O que significa?
E claro que há crianças, meus filhos, nossos filhos. Mas, mesmo a paternidade e
a maternidade, o núcleo da vida familiar, estão começando a se desintegrar no
divórcio... Avós e avôs são incluídos e excluídos sem meios de participar nas
decisões de seus filhos e filhas. Do ponto de vista de seus netos, o
significado das avós e dos avôs tem que ser determinado por decisões e escolhas
individuais. O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição
e realocação dos "poderes de derretimento" da modernidade. Primeiro,
eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o
domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua
alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações,
padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho,
para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de "quebrar a
forma" na história da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora
de fronteiras e capaz de tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém - eles
podem ser desculpados por ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados
por padrões e figurações que, ainda que "novas e aperfeiçoadas' eram tão duras
e indomáveis como sempre. Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse
substituído por outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas
apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar,
através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente
infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras
que (tão intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a
totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos
projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar
sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e
adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos
e apropriados para aquele lugar. (Zygmunt
Bauman, Modernidade líquida).
Diferentemente de “relações”, “parentescos”,
“parcerias” e noções similares — que ressaltam o engajamento mútuo ao mesmo
tempo em que silenciosamente excluem ou omitem o seu oposto, a falta de compromisso
—, uma “rede” serve de matriz tanto para conectar quanto para desconectar; não
é possível imaginá-la sem as duas possibilidades. Na rede, elas são escolhas
igualmente legítimas, gozam do mesmo status e têm importância idêntica. Não faz
sentido perguntar qual dessas
atividades complementares constitui
“sua essência”! A palavra “rede” sugere momentos nos quais “se está em contato”
intercalados por períodos de movimentação a esmo. Nela as conexões são estabelecidas
e cortadas por escolha. A hipótese de um relacionamento “indesejável, mas
impossível de romper” é o que torna “relacionar-se” a coisa mais traiçoeira que
se possa imaginar. Mas uma “conexão indesejável” é um paradoxo. As conexões podem
ser rompidas, e o são, muito antes que se comece a detestá-las. Elas são
“relações virtuais”. Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não
falar daqueles com “compromisso” muito menos dos compromissos de longo prazo),
elas parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que
se espera e se deseja que as “possibilidades românticas” (e não apenas
românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez
maior, aniquilando-se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de “ser
a mais satisfatória e a mais completa”.
Diferentemente dos “relacionamentos reais”
é fácil entrar
e sair dos
“relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”,
pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Entrevistado a respeito da
crescente popularidade do namoro pela Internet, em detrimento dos bares para
solteiros e das seções especializadas dos jornais e revistas, um jovem de 28 anos da Universidade de Bath
apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica: “Sempre se pode apertar a
tecla de deletar”. Como que obedecendo
à lei de
Gresham, as relações
virtuais (rebatizadas de
“conexões”) estabelecem o padrão que orienta todos os outros relacionamentos.
Isso não traz felicidade aos homens e mulheres que se rendem a essa pressão;
dificilmente se poderia imaginá-los mais felizes agora do que quando se
envolviam nas relações pré-virtuais. Ganha-se de um lado, perde-se de outro.
Como apontou Ralph Waldo Emerson, quando
se esquia sobre gelo fino, a salvação
está na velocidade. Quando se é traído
pela qualidade, tende-se a buscar a desforra
na quantidade. Se “os compromissos são irrelevantes” quando as relações
deixam de ser honestas e parece improvável que se sustentem, as pessoas se
inclinam a substituir as parcerias pelas redes. Feito isso, porém,
estabelecer-se fica ainda mais difícil (e adiável) do que antes — pois agora
não se tem mais a habilidade que faz, ou poderia fazer, a coisa funcionar.
Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade.
Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa
cansativa. Mais importante, a desagradável incerteza e a irritante confusão,
supostamente escorraçadas pela velocidade, recusam-se a sair de cena. A
facilidade do desengajamento e do rompimento (a qualquer hora) não reduzem os
riscos, apenas os distribuem de modo diferente, junto com as ansiedades que provocam. Este livro é
dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso
líquido mundo moderno. (Zygmunt Bauman, Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos).
Em suma, “comunidade” é o tipo de mundo que
não está, lamentavelmente, a nosso alcance — mas no qual gostaríamos de viver e
esperamos vir a possuir. Raymond Williams, atento analista de nossa condição
comum, observou de modo cáustico que o que é notável sobre a comunidade é que
“ela sempre foi”. Podemos acrescentar: que ela sempre esteve no futuro.
“Comunidade” é nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido — mas a que
esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que
podem levar-nos até lá. Paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma
maneira ou de outra, não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um
paraíso que conheçamos a partir de nossa própria experiência. Talvez seja um
paraíso precisamente por essa razão. A imaginação, diferente das duras
realidades da vida, é produto da liberdade desenfreada. Podemos “soltar” a imaginação,
e o fazemos com total impunidade — porque não teremos grandes chances de
submeter o que imaginamos ao teste da realidade. Não é só a “dura realidade”, a
realidade declaradamente “não comunitária” ou até mesmo hostil à comunidade,
que difere daquela comunidade imaginária que produz uma “sensação de
aconchego”. Essa diferença apenas estimula a nossa imaginação a andar mais
rápido e torna a comunidade imaginada ainda mais atraente. A comunidade imaginada
(postulada, sonhada) se alimenta dessa diferença e nela viceja. O que cria um
problema para essa clara imagem é outra diferença: a diferença que existe entre
a comunidade de nossos sonhos e a “comunidade realmente existente”: uma
coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, o sonho realizado, e (em
nome de todo o bem que se supõe que essa comunidade oferece) exige lealdade
incondicional e trata tudo o que ficar aquém de tal lealdade como um ato de
imperdoável traição. A “comunidade realmente existente”, se nos achas-
abandonar a busca — mas a continuar tentando. Sendo humanos, não podemos
realizar a esperança, nem deixar de tê-la. Pouco resta fazer para fugir ao
dilema — podemos negá-lo por nossa conta e risco. Uma boa coisa a fazer, contudo,
é avaliar as chances e perigos das soluções já propostas e tentadas. Armados de
tal conhecimento, estaremos aptos ao menos a evitar a repetição de erros do passado;
ou mesmo tentar evitar ir muito longe por caminhos que podem ser percebidos por
antecipação como sem saída. Uma avaliação desse tipo — provisória e incompleta
— é o que tentei neste livro. (Notar o uso abusivo do verbo poder...) Não
seremos humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não podemos ter as duas ao
mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos. Isso não é razão para que
deixemos de tentar (não deixaríamos nem se fosse uma boa razão). Mas serve para
lembrar que nunca devemos acreditar que qualquer das sucessivas soluções
transitórias não mereceria mais ponderação nem se beneficiaria de alguma outra
correção. O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o “perfeito” é um
inimigo mortal dos dois. (Zygmunt Bauman, Comunidade: a busca
por segurança no mundo atual).
A arte da “recomodificação” do
trabalho em sua forma nova e atualizada é singularmente imprópria para ser
aprendida a partir da pesada burocracia governamental, notoriamente inerte, presa
à tradição, resistente à mudança e amante da rotina. E essa burocracia é
particularmente imprópria para cultivá-la, ensiná-la e inculcá-la. É melhor
deixar esse trabalho para os mercados de consumo, já conhecidos por sua perícia
em treinar seus clientes em artes similares e por florescerem a
partir disso. E assim se faz. Transferir para o mercado a tarefa de recomodificar o
trabalho é o significado mais profundo da conversão do Estado ao
culto da “desregulamentação” e da “privatização”. O mercado de trabalho é um
dos muitos mercados de produtos em que se inscrevem as vidas dos indivíduos; o
preço de mercado da mão-de-obra é apenas um dos muitos que precisam ser
acompanhados, observados e calculados nas atividades da vida individual. Mas em
todos os mercados valem as mesmas regras. [...] Na sociedade de consumidores,
ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode
manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de
maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável.
A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita
ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fi m para ela
própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais
proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada
e encoberta – é a transformação
dos consumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que
talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel,
os diferentes significados das coisas, “e portanto as próprias coisas,
são vivenciados como imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e
cinzento” – enquanto tudo “flutua com igual gravidade específica na
corrente constante do dinheiro”. A tarefa dos consumidores, e o principal
motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é
sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacando-se da
massa de objetos indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica” e assim
captar o olhar dos consumidores (blasé!)... (Zygmunt Bauman, Comunidade: a busca
por segurança no mundo atual).
AMOR LÍQUIDO - A obra Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos,
trata sobre apaixonar-se e desapaixoonar-se, dentro e fica da caixa de
ferramentas da socialidade, sobre a dificuldade de amar o próximo, o convívio
destruído na era da modernidade líquida em que vivemos — um mundo repleto de
sinais confusos, propenso a mudar com
rapidez e de forma imprevisível.
COMUNIDADE – O livro Comundiade: a busca por segurança no mundo atual, trata da agonia de Tântalo, a reinserção dos
desenraizados , tempos de desengajamento ou a grande transformação, a secessão
dos bem-sucedidos, duas fontes do comunitarismo, direito ao reconhecimento,
direito à redistribuição, dDa igualdade ao multiculturalismo, o nível mais
baixo: o gueto e muitas culturas, uma humanidade.
CAPITALISMO PARASITÁRIO – A obra Capitalismo parasitário e outros temas
contemporâneos, aborda sobre o capitalismo
parasitário, a cultura de oferta, novos desafios para a educação, a relação
aluno/professor na fase líquida-moderna, a sociedade do medo, o corpo em
contradição e um homem com esperanças.
MODERNIDADE
LÍQUIDA – O livro Modernidade líquida trata do ser leve e
líquido, emancipação, as bênçãos mistas da liberdade, as casualidades e a sorte
cambiantes da crítica, indivíduo em combate com o cidadão, o compromisso da
teoria crítica na sociedade dos indivíduos, a teoria crítica revisitada, a
crítica da política-vida, individualidade, capitalismo - pesado e leve, tenho
carro, posso viajar, pare de me dizer; mostre-me!, a compulsão transformada em
vício, o corpo do consumidor, comprar como ritual de exorcismo, livre para
comprar - ou assim parece, separados, compramos, tempo/espaço, quando estranhos
se encontram, lugares êmicos, lugares fágicos, não-lugares, espaços vazios, não
fale com estranhos, a modernidade como história do tempo, da modernidade pesada
à modernidade leve, a sedutora leveza do ser, vida instantânea, trabalho, progresso
e fé na história, ascensão e queda do trabalho, do casamento à coabitação, digressão:
breve história da procrastinação, os laços humanos no mundo fluido, a
autoperpetuação da falta de confiança, comunidade, nacionalismo, marco, unidade
- pela semelhança ou pela diferença?, segurança a um certo preço, depois do
Estado- nação, preencher o vazio, Cloakroom communüies, escrever; escrever
Sociologia.
VIDA PARA O CONSUMO – O livro Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, de
Zygmunt Bauman, trata sobre o segredo mais bem guardado da sociedade dos
consumidores, consumismo versus consumo, sociedade de consumidores, cultura
consumista e baixas colaterais do consumismo 149
REFERÊNCIAS
BAUMAN,
Zygmunt. Vida para o consumo: a
transformação das pessoas em mercadoria. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços
humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 2004.
______.
Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003
______.
Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2010.
______.
Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Veja
mais aqui.