[...] Nas
nossas relações sociais o que ganha não é a força física, mas o verbo - o
orador eloquente, o sedutor da língua de prata, a criança persuasiva que impõe sua
vontade contra um pai mais musculoso.
[...] A
linguagem não é um artefato cultural que aprendemos da maneira como aprendemos
a dizer a hora ou como o governo federal está funcionando. Ao contrário, é
claramente uma peça do da constituição biológica do nosso cérebro. A linguagem
é uma habilidade complexa e especializada, que se desenvolve espontaneamente na
criança, sem qualquer esforço consciente ou instrução formal, que se manifesta
sem que se perceba sua lógica subjacente, que é qualitativamente a mesma em
todo indivíduo, e que difere de capacidades mais gerais de processamento de
informações ou de comportamento inteligente. Por esses motivos alguns
cognitivistas descreveram a linguagem como uma faculdade psicológica, um órgão
mental, um sistema neural ou um módulo computacional. Mas prefiro o simples e
banal termo "instinto". Ele transmite a ideia de que as pessoas sabem
falar mais ou menos da mesma maneira que as aranhas sabem tecer teias.
[...] Em primeiro lugar, cada frase que uma pessoa
enuncia ou compreende é virtualmente uma nova combinação de palavras, que
aparece pela primeira vez na história do universo. Por isso, uma língua não
pode ser um repertório de respostas; o cérebro deve conter uma receita ou programa
que consegue construir um conjunto ilimitado de frases a partir de uma lista
finita de palavras. Esse programa pode ser denominado gramática mental (que não
deve ser confundida com “gramáticas" pedagógicas ou estilísticas, que são
apenas guias para a elegância da prosa escrita). O segundo fato fundamental é
que as crianças desenvolvem as gramáticas complexas rapidamente e sem qualquer
instrução formal e, à medida que crescem, dão interpretações coerentes a novas
construções de frases que elas nunca escutaram antes. Portanto, afirmava ele,
as crianças têm de estar equipadas de modo inato com um plano comum às
gramáticas de todas as línguas, uma gramática universal, que lhes diz como
extrair os padrões sintáticos da fala de seus pais.
[...] A
universalidade da linguagem complexa é uma descoberta que enche os linguistas
de admiração e temor, e é a primeira razão para suspeitar que a linguagem não é
apenas uma invenção cultural qualquer mas o produto de um instinto humano
específico. As invenções culturais variam muito de sociedade para sociedade em
termos de sofisticação; dentro de uma sociedade, as invenções têm geralmente um
mesmo nível de sofisticação. Alguns grupos contam fazendo marcas em ossos e
cozinham em fogos que eles produzem girando gravetos na lenha; outros usam
computadores e fornos de microondas. No entanto, a linguagem acaba com essa
correlação.
[...] Em
primeiro lugar, acabemos com o folclore de que os pais ensinam a língua aos
filhos. Ninguém supõe, é claro, que pais dêem aulas explícitas de gramática,
mas muitos pais (e alguns psicólogos infantis, que deveriam estar mais bem
informados) acreditam que as mães dão aulas implícitas aos filhos.
[...] Talvez algumas das
coisas que temos de aprender sobre a língua sejam facilmente apreendidos por
mecanismos simples que precedem a evolução da gramática. Por exemplo, talvez
seja suficiente o tipo simples de circuito de aprendizagem para gravar qual
elemento vem antes de qual outro, desde que os elementos sejam primeiro
definidos e identificados por algum outro módulo cognitivo. Se um módulo gramatical
universal define um núcleo de um protagonista, a ordem relativa deles (núcleo
inicial ou núcleo final) poderia facilmente ser gravada. Nesse caso, a evolução
tendo tornado inatas às unidades computacionais básicas da língua, não haveria
necessidade de substituir cada pedaço de informação aprendida por uma conexão inata.
Simulações por computador da evolução mostram que a pressão para substituir
conexões neurais adquiridas por outras inatas diminui à medida que uma parcela
cada vez maior da rede se torne inata, porque a cada vez menos provável que
aprendizagem falhe para o resto.
[...] Se dividíssemos o desenvolvimento da linguagem em
fases umas tanto arbitrárias, como Balbucio de Sílabas, Balbucio Tagarela,
Estágio de uma Palavra e Estágio Telegráfico (Sequências de Duas Palavras), a
fase seguinte teria de ser chamada de Grande Explosão. Entre o final do segundo
ano e meados do terceiro, a linguagem das crianças transforma-se numa conversa
gramatical fluente, desabrochando de maneira tão rápida que desconcerta os
pesquisadores, e até agora ninguém conseguiu descobrir a sequência exata desse progresso.
[...] Ainda que os próprios genes especifiquem o design
básico da linguagem, eles têm de armazenar as características específicas da língua
no meio para que a língua de uma pessoa esteja sincronizada com a de todos os
outros, apesar da singularidade genética de cada indivíduo.
[...] Se formos empiristas, o mais provável é que também
sejamos associacionistas e behavioristas. Inversamente, se somos nativistas a respeito
da aprendizagem, e também sustentariam, provavelmente, uma concepção
estruturalista do pensamento e da percepção, e é um ponto de vista mentalista
para a explicação psicológica.
[...] Não evoluímos dos chimpanzés. Nós e os chimpanzés e
evoluímos de um ancestral comum, agora extinto. O ancestral humano-chimpanzé não
evoluiu dos macacos mas de um ancestral dos dois ainda mais antigo, também
extinto. E assim por diante, retrocedendo até nossos antepassados unicelulares.
Os paleontólogos gostam de dizer que, numa primeira aproximação, todas as
espécies estão extintas (a estimativa de 99%).
[...] Um dos lados arrola algumas qualidades que a
linguagem humana tem mas que até agora nenhum animal demonstrou: referência, o
uso de símbolos situados no tempo e no espaço em relação a seus referentes, criatividade,
percepção categorial da fala, ordenação coerente, estrutura hierárquica,
infinidade, recursividade, etc. O outro lado encontra algum contra-exemplo no
reino animal (talvez certos periquitos consigam discriminar sons de fala, ou
golfinhos ou papagaios consigam respeitar a ordem de palavras ao executar comandos,
ou algum pássaro canoro conseguir improvisar indefìnidamente sem se repetir) e
então se regozija com o fato de que a cidadela da singularidade humana foi
derrubada.
[...] Já que a seleção natural darwiniana supõe pequenos
passos incrementais que intensificam a função presente do módulo especializado,
a evolução de um 'novo' módulo é impossível em termos lógicos. No entanto, há
algo seriamente equivocado nesse argumento. Os seres humanos evoluíram a partir
de ancestrais unicelulares. Estes não tinham braços, pernas, coração, olhos,
fígado, etc. Portanto, olhos e fígados são impossíveis em termos lógicos.
[...] Depois de Darwin, teóricos sérios da evolução têm
insistido em dizer com firmeza que nem todo traço benéfico é uma adaptação
capaz de ser explicado por seleção natural. Quando um peixe-voador sai da água,
é extremamente adaptativo para ele voltar para água. Mas não precisamos da
seleção natural para explicar esse feliz acontecimento; a gravidade é
suficiente. Outros traços precisam igualmente de uma explicação diferente da
seleção. Às vezes, um traço em si não é uma adaptação mas consequência de outra
coisa que é uma adaptação. Não há vantagem em nossos ossos serem brancos e não
verdes, mas há vantagem em nossos ossos serem rígidos; construí-los com cálcio
é uma maneira de torná-los rígidos, e acontece que o cálcio é branco. Às vezes
um traço é um resultado obrigatório de sua história, como forma em S de nossa
espinha dorsal, que herdamos quando quatro patas se tornaram ruins e duas
pernas bom. Muitos traços simplesmente não podem surgir dadas as limitações da
estrutura corporal e o modo como os genes constroem o corpo.
[...] A complexidade adaptativa é também a razão pela
qual a evolução de órgãos complexos tende a ser lenta e gradual. Não porque
grandes mutações e rápidas mudanças violem alguma lei da evolução. É apenas
porque montagens complexas e exigem arranjos precisos de partes delicadas, e,
se a montagem se dá por mudanças aleatórias cumulativas, é melhor que sejam
pequenas. Órgãos complexos evoluem por pequenas etapas pela mesma razão que um
relojoeiro não usa uma marreta e o cirurgião não usa um cutelo de açougueiro.
[...] Faz diferença se você entende que eu digo que se
você me der alguns de seus frutos eu dividirei a carne que encontrar, ou que
você deveria me dar alguns frutos porque eu dividi a carne que encontrei, ou se
você não me der alguns frutos, vou levar embora a carne que encontrei. E, mais
uma vez, a recursividade dista de ser um dispositivo absurdamente potente.
[...] Por que tanta história em torno da linguagem? Ela
possibilitou aos homens se espalhar pelo planeta e operar grandes mudanças, mas
o que tem isso de mais extraordinário que o coral que constrói ilhas, minhocas
que moldam a paisagem construindo o solo, ou a bactéria capaz de fotossíntese
que pela primeira vez emitiu oxigênio corrosivo na atmosfera, uma catástrofe
ecológica em seu momento? Por que humanos falantes deveriam ser considerados
mais intrigantes que elefantes, pinguins, castores, camelos, cascáveis,
beija-flores, enguias elétricas, bichos-pau, sequóias gigantes, plantas carnívoras,
morcegos que se orientam por ecolocalização, ou peixes que vivem nas profundezas
dos oceanos e que possuem lanternas em suas cabeças?
[...] Eu ficaria deprimido se o que sabemos sobre o
instinto da linguagem ficasse restrita às tolas dicotomias hereditariedade-ambiente
(também conhecidas como natureza-educação, nativismo-empirismo, inato- adquirido,
biologia-cultura), a platitudes inúteis sobre interações inextricavelmente
entrelaçadas, ou à imagem cínica do pêndulo oscilante, tão na moda no meio
científico. Creio que nossa compreensão da linguagem oferece um modo mais
sofisticado de estudar a mente e a natureza humanas.
[...] A linguagem, como indiquei inicialmente, é um
universal nas sociedades humanas, e até onde sabemos sempre o foi na história
de nossa espécie. Embora as línguas sejam ininteligíveis entre si, por baixo
dessa variação superficial encontra-se o design computacional único da
gramática universal, com seus substantivos e verbos, estruturas sintagmáticas e
estruturas de palavras, casos e auxiliares etc.
[...] Conhecendo a ubiquidade da linguagem complexa em indivíduos
e culturas e o design mental único que subjaz a todas as línguas, nenhum idioma
me parece estranho, mesmo quando não entendo uma palavra sequer. A troça dos
habitantes das terras altas da Nova Guiné no filme de seu primeiro contato com
o resto do mundo, os gestos de um intérprete da língua de sinais, a tagarelice
de garotinhas num parque de diversões de Tóquio – através dos ritmos me imagino
vendo as estruturas subjacentes, e sinto que temos todos a mesma mente [...].
(Steven
Pinker, O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem)
Veja mais Instinto da Linguagem aqui.
DO QUE É FEITO O PENSAMENTO – O livro Do que é feito o pensamento a língua como janela para a natureza humana, do cientista cognitivo, professor de
Psicologia e diretor do Centro de Neurociência Cognitiva do MIT, Steven Pinker,
trata de palavras e mundos, toca do
coelho adentro, cinquenta mil conceitos inatos e outras teorias radicais sobre linguagem
e pensamento, cortando os ares, a metáfora da metáfora, o que há num nome, as sete palavras que não
podem ser ditas na televisão, os jogos que as pessoas fazem e fugindo da
caverna.
COMO A
MENTE FUNCIONA – O livro Como a mente
funciona, de Steven Pinker, aborda temas como equipamento padrão, máquinas pensantes, a vingança
dos nerds, o olho da
mente, boas ideias, desvairados, valores familiares e o sentido da vida.
TÁBULA RASA – O livro Tábula
rasa: a negação contemporânea da
natureza humana, de Steven Pinker, traz o ataque do autor aos três dogmas fortemente arraigados na
cultura ocidental - a ideia de que a mente de um recém-nascido é uma 'tábula
rasa' a ser preenchida pelos pais e pela sociedade; a concepção de que o homem
em seu estado primitivo é um bom selvagem; e a crença de que a alma imaterial
dotada de livre-arbítrio é a única responsável pelas ações do indivíduo. O
autor descreve a evolução histórica dessas três ideias, originadas
respectivamente das concepções de John Locke, de Rousseau e da religião,
demonstrando como elas se estabeleceram de forma inquestionável até comporem
uma espécie de 'doutrina oficial', que hoje influencia não só a criação dos
filhos, mas também a vida política.
REFERÊNCIAS
PINKER, Steven. Do que é feito o pensamento a língua como janela para a natureza humana. São Paulo : Companhia das Letras, 2008.
______.
Como a mente funciona. São Paulo : Companhia das Letras, 1998.
______. Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza
humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
______. Instinto da linguagem: como a mente cria a
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Veja
mais aqui.