[...] No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das
coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo
pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas
condicionado naturalmente, mas também historicamente. A época das invasões dos bárbaros,
durante a qual surgiram as indústrias artísticas do Baixo Império Romano e a
Gênese de Viena, não tinha apenas uma arte diferente da que caracterizava o
período clássico, mas também uma outra forma de percepção. Os grandes
estudiosos da escola vienense, Riegl Wickhoff, que se revoltaram contra o peso
da tradição classicista, sob o qual aquela arte tinha sido soterrada, foram
primeiros a tentar extrair dessa arte algumas conclusões sob a organização da
percepção nas épocas em que ela estava e vigor.
[...] Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos
espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que
ela esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas
no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar
a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil
identificar os fatores sociais específicos que condicionam o declínio atual da
aura. Ela deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente
difusão e intensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas "ficarem
mais próximas" é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua
tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade.
Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto
quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada dia
fica mais nítido a diferença entre a reprodução, como ela nos é oferecida pelas
revistas ilustradas e pelas atualidades cinematográficas, e a imagem. Nesta, a
unidade e a durabilidade se associam tão intimamente como, na reprodução, a
transitoriedade e a repetibilidade. Retirar o objeto do seu invólucro, destruir
sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de
captar "o semelhante no mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela
consegue captá-lo até no fenômeno único. Assim se manifesta na esfera sensorial
a tendência que na esfera teórica explica a importância crescente da
estatística. Orientar a realidade em função das massas e as massas em função da
realidade é um processo de imenso alcance, tanto para o pensamento como para a
intuição.
[...] Uma das tarefas mais importantes da arte foi sempre a de gerar uma
demanda cujo atendimento integral só poderia produzir-se mais tarde. A história
de toda forma de arte conhece épocas críticas em que essa forma aspira a
efeitos que só podem concretizar-se sem esforço num novo estágio técnico, isto
é, -numa nova forma de arte. As extravagâncias e grosserias artísticas daí
resultantes e que se manifestam sobretudo nas chamadas "épocas de
decadência" derivam, na verdade, do seu campo de forças historicamente
mais rico. Ultimamente, foi o dadaísmo que se alegrou com tais barbarismos. Sua
impulsão profunda só agora pode ser identificada: o dadaísmo tentou produzir
através da pintura (ou da literatura) os efeitos que o público procura hoje no
cinema.
[...] A massa é a matriz da qual emana, no momento atual, toda uma atitude
nova com relação à obra de arte. A quantidade converteu-se em qualidade. O
número substancialmente maior de participantes produziu um novo modo de
participação. O fato de que esse modo tenha se apresentado inicialmente sob uma
forma desacreditada não deve induzir em erro o observador. Afirma-se que as
massas procuram na obra de arte distração, enquanto o conhecedor a aborda com
recolhimento. Para as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o
conhecedor, objeto de devoção. Vejamos mais de perto essa crítica. A distração
e o recolhimento representam um contraste que pode ser assim formulado: quem se
recolhe diante de urna obra de arte mergulha dentro dela e nela se dissolve,
como ocorreu com um pintor chinês, segundo a lenda, ao terminar seu quadro. A
massa distraída, pelo contrário, faz a obra de arte mergulhar em si, envolve-a
com o ritmo de suas vagas, absorve-a em seu fluxo. O exemplo mais evidente é a
arquitetura. Desde o início, a arquitetura foi o protótipo de uma obra de arte
cuja recepção se dá coletivamente, segundo o critério da dispersão. As leis de
sua recepção são extremamente instrutivas.
[...] A crescente proletarização dos homens contemporâneos e a crescente
massificação são dois lados do mesmo processo. O fascismo tenta organizar as
massas proletárias recém-surgidas sem alterar as relações de produção e
propriedade que tais massas tendem a abolir. Ele vê sua salvação no fato de
permitir às massas a expressão de sua natureza, mas certamente não a dos seus
direitos. Deve-se observar aqui, especialmente se pensarmos nas atualidades
cinematográficas, cuja significação propagandística não pode ser superestimada,
que a reprodução em massa corresponde de perto à reprodução das massas. Nos
grandes desfiles, nos comícios gigantescos, nos espetáculos esportivos e
guerreiros, todos captados pelos aparelhos de filmagem e gravação, a massa vê o
seu próprio rosto. Esse processo, cujo alcance é inútil enfatizar, está
estreitamente ligado ao desenvolvimento das técnicas de reprodução e registro.
De modo geral, o aparelho apreende os movimentos de massas mais claramente que
o olho humano. Multidões de milhares de pessoas podem ser captadas mais
exatamente numa perspectiva a voo de pássaro. E, ainda que essa perspectiva
seja tão acessível ao olhar quanto à objetiva, a imagem que se oferece ao olhar
não pode ser ampliada, como a que se oferece ao aparelho. Isso significa que os
movimentos de massa e em primeira instância a guerra constituem uma forma do
comportamento humano especialmente adaptada ao aparelho. As massas têm o
direito de exigir a mudança das relações de propriedade; o Fascismo permite que
elas se exprimam conservando, ao mesmo tempo, essas relações. Ele desemboca,
consequentemente, na estetização da vida política.
[...] É a forma mais perfeita do art
pour l'art. Na época de Homero, a Humanidade oferecia-se em espetáculo aos
deuses olímpicos agora, ela se transforma em espetáculo para si mesma. Sua
auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua própria destruição
como uni prazer estético de primeira ordem. Eis a estetização da política, como
a pratica o fascismo. O comunismo responde com a politização da arte.
A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIVIDADE TÉCNICA – O livro
A obra de arte na era da sua reprodutividade técnica, do filósofo, sociólogo ensaísta,
critico literário e tradutor judeu alemão, Walter Benjamin (1892-1940), é um
ensaio que foi publicado em 1936, tratando da reprodutibilidade técnica, autenticidade, destruição da aura,
ritual e política, valor de culto e valor de exposição, fotografia. valor de eternidade, fotografia e cinema como
arte, cinema e teste, o intérprete cinematográfico, exposição perante a massa,
exigência de ser filmado, pintor e cinegrafista, recepção dos quadros, camundongo
Mickey, Dadaísmo, recepção tátil e recepção ótica e estética da guerra. Foi
produzido em um esforço para descrever uma teoria materialista da arte, que
seria "útil para a formulação das exigências revolucionárias na política
da arte", fazendo uma comparação entre teatro e cinema, fotografia e
pintura, de como a aura foi deturpada ao longo dos anos e de como a existência
parasitária no ritual foi perdendo-se com a ideologia burguesa.
REFERÊNCIA
BENJAMIN,
Walter. A obra de arte na era da
sua reprodutividade técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
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