EFETIVIDADE NO PROCESSO - O presente estudo de pesquisa se inscreve na temática
"Efetividade do processo". O que leva, portanto, a introdutoriamente
buscar o conceito de processo para, assim, poder abordar acerca da sua
efetividade. Assim, o processo em sentido amplo é o conjunto de regras e
princípios preestabelecidos que presidem o desenvolvimento de uma questão
judicial. Assim sendo, é o modo prático do exercício do direito de ação ou o
modo de conduzir alguma pretensão em juízo. Para Carnelutti (2002), o processo
é o conjunto dos atos e procedimentos ou a combinação deles para a consecução
de algum fim visado, ou um conjunto de atos destinados à formação de
imperativos jurídicos, cuja caraterística consiste na colaboração, para este
fim, das pessoas interessadas, com uma ou mais pessoas desinteressadas. Assim,
Carnelutti (2002) defende que o processo não funciona apenas no interesse das
partes, mas mediante o interesse das partes, porque a sua finalidade é,
primacialmente, a atuação da lei, com a conseqüente tutela dos direitos
individuais. Por isso mesmo, o processo é um instrumento do Estado, manejado e
controlado pelo próprio Estado, por meio dos juízes, seus legítimos
representantes.
O objetivo primordial do
processo judicial é poder proporcionar, àqueles que o utilizam, o efetivo
alcance dos resultados que deveriam ter decorrido do espontâneo cumprimento do
direito objetivo substancial. Desta forma, a finalidade do processo civil é tornar efetivo o direito em face da lei
aplicável. Imediatamente, porém, tem o fim de estabelecer métodos racionais e
lógicos ao exercício da tutela jurisdicional, aos quais estão rigorosamente
adstritos os juízes e seus auxiliares e colaboradores, além das partes e seus
procuradores, entre si, contra a má fé do adversário e presumindo-se de meios
contra o arbítrio dos juízes. Passa-se, então, a divisar no processo metas que vão
além da simples composição dos litígios e que se comprometiam com as aspirações
do devido processo legal, tanto no plano formal como no material. A missão do
judiciário a ser cumprida por meio do processo, a partir de então, vincula-se à
preocupação de efetividade, ou seja, à perseguição de resultados que
correspondessem à melhor e mais justa composição dos litígios. E foi, à luz
dessa nova constatação, desse novo posicionamento institucional que se insinuou
e se fez prevalecer a teoria das tutelas diferenciadas. Neste diapasão, a
expressão tutela específica passou a significar tanto a prestação jurisdicional
efetiva; como também para denominar o conjunto das técnicas hábeis a
proporcionar tal efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Com isso, deixa-se
entender que o processo, como instrumento que é para a obtenção da prestação
jurisdicional correspondente à realização do direito, somente obtém êxito
integral em seu mister quando for capaz de gerar, na prática, resultados
idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas
jurídicas. Daí dizer-se que, proibida a autotutela, o processo ideal é o que
dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito
mediante a entrega da prestação in natura. E quando isso ocorre, ou seja,
quando se proporciona, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo
aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de tutela jurisdicional
específica. Nesse ponto, assume particular relevância essa espécie de tutela –
entendida como o conjunto de remédios e providências tendente a proporcionar,
àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação, o preciso resultado
prático que seria atingido pelo adimplemento. Assim, como afirma Yarshell
(1993:59), "(...) o próprio conceito de tutela específica é praticamente
coincidente com a ideia da efetividade do processo e da utilidade das decisões,
pois nela, por definição, a atividade jurisdicional tende a proporcionar ao
credor o exato resultado prático atingível pelo adimplemento". É preciso,
assim, observar que a essência do pensamento de Chiovenda (apud Cavalcante,
1995), que se apresenta como o grande idealizador da efetividade processual,
consiste justamente na afirmativa de que o processo, para ser efetivo, deverá
apoiar-se num sistema que assegure a quem tem razão uma situação jurídica igual
à que deveria ter se derivado do cumprimento normal e tempestivo da obrigação.
E, na medida em que se evidencie a possibilidade de dano ou perigo de
perecimento do direito, essa situação deve ser, desde logo e especificamente,
protegida, o que é, precisamente, a hipótese do art. 461, do CPC brasileiro, no
que diz respeito às obrigações de fazer e não fazer. A partir disso é que se
desenvolverá o presente estudo, buscando pormenorizar a efetividade do
processo, principalmente a partir da vigência da Lei nº 8.952, de 13 de
dezembro de 1994.
Considerando que muito antes
da evolução do processo para sua atual missão política e social, voltada para a
instrumentalidade e a efetividade, Chiovenda (apud Cavalcante, 1995) já
preconizava que o ideal do processo deveria ser dar a quem tem direito, quanto
possível, e de forma prática, tudo aquilo e exatamente aquilo que tivesse
direito, segundo a obrigação do devedor. Vale dizer, portanto, que o sonho de
Chiovenda, tão contestado a seu tempo, acabou por se transformar em regra
expressa dos Códigos de Processo Civil atual, no primeiro grande impulso dado
na direção de consagrar a função instrumental do processo e de valorizar a
efetividade da prestação jurisdicional. Logo, porém, se sentiu, na evolução do
processo comprometido com sua função social que, em muitos casos, a efetividade
da tutela jurisdicional perdia substância se não se assegurasse a pronta
satisfação do direito material da parte. Em tais situações não haveria como
aguardar-se a coisa julgada e, assim, começaram a surgir vários procedimentos
especiais em que as medidas liminares satisfativas eram franqueadas ao
demandante.
O art. 5.°, XXXV, da
Constituição da República, não só garante o direito de acesso à justiça, mas
igualmente o direito à efetividade e à tempestividade da tutela
jurisdicional. Como a garantia
constitucional de acesso à justiça deve incidir sobre a estrutura técnica do
processo de jure condendo e de jure condito, é dever do processualista extrair
das normas do sistema processual uma interpretação que permita a viabilização
do direito à tempestividade da tutela jurisdicional e do processo justo,
compreendido como o processo que atende aos valores constitucionais em uma
perspectiva concreta e não meramente formal. Em observância ao direito
constitucional de acesso à justiça, não seria de estranhar que inúmeras
contendas não seriam deflagradas se os litigantes tivessem a convicção que o
litígio seria rapidamente solucionado pelo judiciário, porque a lide seria
resolvida, ainda no plano factual, sem a intervenção do Judiciário. É certo,
que através do processo e suas formas é que se garante a legalidade, ampla
defesa, contraditório e imparcialidade. Por este caminho, os demandantes
realizarão suas aspirações e desejos para robustecer o direito alegado. Para
isso, utilizam-se de todos os argumentos e provas ao seu alcance. Ao juiz é
dado o dever de bem administrar, através das regras previamente fixadas no
sistema legal, o processo, analisando os pedidos e fundamentando todas as suas
decisões (TEIXEIRA, 1996). O certo, no entanto, é que entre as garantias
fundamentais figura a de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser
subtraída à tutela jurisdicional prevista na CF, art. 5º XXXV; e o modo de
buscar essa tutela não é outro senão o processo. Com isso, inquestionavelmente
passa-se a entender que para que toda essa atividade tenha seu curso natural,
exige-se tempo. As fases do processo invadem os limites do tempo. Porém, o
estado de litígio promove o sofrimento e desventura. A indefinição se contrapõe
ao escopo social, objetivos que o Estado democrático resolveu abrigar. Porém, o
processo não pode ser visto como algo estanque, afastado da essência do
conflito de interesses e do próprio direito material que busca realizar. É
reconhecido, hoje, que o processo não é um fim em si mesmo e tem seu ponto
maior de realce quando o direito material é realizado (DINAMARCO, 1996).
Com o advento da Lei nº
8.952, de 13 de dezembro de 1994, o panorama foi substancialmente alterado: sem
eliminar as técnicas de tutela jurisdicional até então existentes, deu-se nova
redação ao art. 461 do Código de Processo Civil, em cujo caput ficou
estabelecido que "na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará as providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento". E, nos termos do § 1º, "a
obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente". Para tornar possível a prestação da tutela específica, o
legislador conferiu ao juiz poderes para "impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito",
conforme previsto no § 4º. Estabeleceu, ainda, no § 5º, que:
[...]
para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas,
desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial.
A novel redação do art. 461
do CPC, transladado, praticamente na íntegra, do art. 84 da Lei nº 8.078, de 11
de setembro de 1990, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor, trouxe, como se
percebe, inovações expressivas, todas fundadas no princípio da maior
coincidência possível entre a prestação devida e a tutela jurisdicional
entregue. No sistema anterior, a alternativa oferecida ao credor para a
impossibilidade de obter a tutela específica era a de converter tal prestação
em indenização por perdas e danos. Agora, nova alternativa se apresenta: a de
substituir a prestação específica por outra que assegure o "resultado
prático equivalente ao do adimplemento". Ao se propor ação com o objetivo
de obter o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer há nela embutido,
como pedido implícito, o da designação de outras providências que assegurem
referido resultado prático, de modo que a compensação pecuniária somente se
dará se assim expressamente requerer o autor, ou se "impossível a tutela
específica ou a obtenção do resultado prático correspondente", conforme
previsto no § 1º, da citada lei (ALVIM, 1995).
Com a reforma do Código de
Processo Civil, da última década, finalmente fez inserir no direito positivo o
poder geral de antecipação de tutela, conferido ao juiz para ser exercido em
qualquer processo de conhecimento, antes da definitiva composição da lide,
desde que presentes os requisitos enunciados no art. 273, na redação que lhe
emprestou a Lei nº 8.952, de 13.12.94,
que fez inserir na sistemática processual brasileira, os provimentos
antecipatórios como expressão da efetividade do processo e instituiu a
antecipação de tutela e, dentre todas as alterações trazidas por esta lei, a
que se revelou com maior proficuidade foi, sem dúvida, a que possibilita ao
aplicador da lei a antecipação da tutela
Neste sentido, Alvim
(1995:41) comenta que:
Talvez
poucos tenham notado, mas o direito processual atual, apoiado em sólidas bases
dogmáticas, permite-se percorrer de novo o mesmo caminho que o consagrou como
ciência, mas preocupado, agora, empiricamente, em neutralizar o tempo,
compatibilizando-o, tanto quanto possível, com uma justiça rápida e justa.
Surge, assim, os provimentos antecipatórios como a mais moderna técnica de
atender à pretensão da parte que provavelmente tem razão.
Portanto, a vontade concreta
da Lei nº 8.952/94, entronizatória no CPC da técnica antecipadora de pedido, é
garantir ao autor da ação, a favor do qual milita a possibilidade de sucesso no
pleito, obter, por decisão interlocutória, a restituição do direito violado ou
ameaçado que está sofrendo, e isto prontamente, antes da decisão final da
demanda.
A efetivação dos comandos
judiciais implementa as providências tutelares antecipatórias na tábua do
próprio livro-processo da codificação processual.
Existe, agora, a
possibilidade de se requerer a tutela antecipada em todos os procedimentos, o
que quer dizer, alcançar a decisão de mérito provisoriamente exequível, mesmo
sem findos os tramites legais do processo. O que o novo texto permite é a
possibilidade de o juiz conceder ao autor um provimento liminar que,
provisoriamente, lhe resguarde o bem jurídico concernente à prestação de
direito material reclamada como objeto da relação jurídica envolvido na lide (NERY
JUNIOR,1995; TEIXEIRA, 1996).
Na dicção do art. 273, o CPC
autoriza a tutela antecipada se há prova inequívoca do que alega o autor e seu
direito pode ser havido com verossímil diante de tal prova, sendo certo que se
não for antecipada a satisfação do direito subjetivo haverá o perigo de sua
inutilização e, consequentemente, da frustração do próprio provimento judicial
definitivo. Quando esse afinal fosse pronunciado já encontraria uma situação de
prejuízo irremediável para o respectivo titular. Já não mais existiria condição
de exercitar o direito cuja proteção fora objeto da ação e da sentença.
O art. 273 prevê:
Art.
273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado
o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu;
(...) § 2 º. não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado.
Como se vê, o legislador
atrelou a antecipação da tutela final à constituição de prova "inequívoca"
da causa de pedir, à inexistência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da
medida, e, ainda, a dois requisitos alternativos: demonstração da probabilidade
de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, caso o atendimento
da pretensão do autor não seja antecipado no tempo; e caracterização do
"abuso do direito de defesa" ou de "manifesto propósito
protelatório" - expressões cujo conteúdo é delimitado pelo próprio Código
de Processo Civil, ao arrolar os casos de litigância de má-fé (incisos do art.
17).
Outro traço marcante da nova
figura do direito processual brasileiro consiste no seu caráter potencializador
da execução provisória da tutela antecipada, fazendo a lei remissão expressa ao
art. 588 do Código de Processo Civil. No entanto, as dúvidas remanescentes no
estudo e aplicação da antecipação de tutela, as quais tornaram fecundas as
discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, foram em parte
debeladas, haja vista o legislador ter avançado mais ainda no caminho da plena
efetividade, quando por intermédio de outra reforma pontual, produzida pela Lei
n.º 10.444/02, foi dada nova redação ao § 3º e foram acrescentados os §§ 6º e
7º.
Analisando a redação
emprestada ao § 3º do art. 273 do CPC, conclui-se que, na prática, tendo em
vista a modificação procedida no sistema da execução provisória, a antecipação
de tutela pode ser executada de forma imediata e com força de definitiva,
contanto que a parte beneficiada com a execução da medida preste caução idônea
e a decisão venha a implicar em levantamento de depósito em dinheiro, atos de
alienação de domínio ou atos dos quais possa resultar grave dano à parte ex
adversa. Com isto, resta reforçada a idéia de que a irreversibilidade de que
fala o § 2º do artigo sob comento é a de fato e não a de direito. Vale
ressaltar, ainda, que, por extensão, deve ser aplicado o sistema do art. 811 do
Código de Ritos, nas hipóteses em que o requerente da tutela antecipada, que se
beneficiou com a concessão e efetivação da medida, perca a demanda e a execução
da antecipação da tutela tenha causado prejuízo à parte contrária. Incide, na
espécie, a responsabilidade objetiva a fim de supedanear direito de indenização
assegurado ao litigante prejudicado (TEIXEIRA, 1996).
Outro passo largo dado no
caminho da efetividade da tutela antecipada consiste no acréscimo dos §§ 6º e
7º ao art. 273. O primeiro diz respeito à possibilidade de se antecipar os
efeitos da tutela de mérito nos casos em que um ou mais dos pedidos cumulados
ou parte deles se mostrar incontroverso, evitando, assim, o abuso de direito na
defesa do réu que não contesta a totalidade do pedido, postergando, de maneira
desnecessária e em prejuízo do autor da demanda, a discussão da quaestio nos
autos. Já o § 7º veio jogar por terra toda a discussão que se instalou em torno
da natureza das tutelas antecipatória e cautelar, ambas espécies do gênero
tutela de urgência, ao admitir expressamente a aplicação do princípio da
fungibilidade das medidas, quando o autor vier a requerer antecipação de tutela
e o pedido se inserir no âmbito cautelar (NERY JUNIOR, 1995). Esta tomada de
decisão legislativa contribuiu mais ainda para a extirpação de formalidades
exageradas e muitas vezes absurdas no seio do processo civil pátrio, porquanto
vinha-se, frequentemente, rejeitando o pleito antecipatório com base neste
motivo. Essa antecipação de tutela, portanto, é de se fazer como imperativo da
eficácia da própria função jurisdicional e se justifica, tal como a tutela
cautelar, pela necessidade de afastar o periculum in mora (risco de dano
irreparável ou de difícil reparação) a que se acha exposto o direito verossímil
e inequivocamente comprovado (fumus boni iuris), conforme previsto no art. 273,
I.
Outra hipótese em que se
torna viável a antecipação de tutela de mérito, é a do perigo de sujeitar-se
longamente o titular do direito à privação de seu exercício por resistência do
demandado que abusa do direito de defesa ou age com propósito manifestamente
protelatório, conforme previsto no art. 273, II. Aqui, não há risco de dano de
difícil reparação, no sentido de inviabilizar-se o exercício do direito
subjetivo quando se der o provimento definitivo. O que ocorre é a evidência da
conduta ilícita do réu, e a submissão do autor a uma situação flagrantemente
injusta.
Diante disso, não deve a
justiça resignar-se a aguardar que o processo corra sua longa marcha servindo
apenas a prolongar a duração da injustiça manifesta. O exercício do direito de
defesa se torna abusivo e ao juiz compete coibir todos os expedientes temerários
e maliciosos que possam acobertar as diversas manifestações do abuso de direito
no curso do processo. Enquanto, no inciso I do art. 273 se realiza a tutela
contra o perigo de dano ao bem jurídico litigioso, no inciso II pratica-se a
tutela da evidência, afastando-se a intolerável injustiça imposta ao autor pela
malícia do réu, que se aproveita da demora natural do processo para
abusivamente continuar prejudicando o direito subjetivo do primeiro. Em todos
os casos, seja de perigo de dano de difícil reparação, seja de evidência do
direito abusivamente resistido, a antecipação de tutela exige do juiz a cautela
de só implementá-la com garantia de reversibilidade. É que a Constituição
garante o contraditório a todos os litigantes, de modo que ninguém pode ser
privado de bens ou direitos senão depois de cumprido o devido processo legal,
conforme a CF, art. 5º, LIV e LV. Quer isto dizer que se a parte, por
antecipação de tutela vem a ser privada de determinada situação jurídica, isto
se justifica por situação anômala em que risco grave de frustração afeta a
efetividade do processo. Não pode, todavia, o afastamento do risco redundar na
privação do réu de todo o direito de defesa e muito menos, se deve tolerar que,
com a antecipação se elimine o contraditório. Daí a exigência de que a medida
antecipada seja sempre reversível, conforme o art. 273, 2º. Pode-se permitir ao
autor a satisfação imediata do direito litigioso, mas sempre de modo a
resguardar ao réu a possibilidade de restaurar sua situação jurídica, caso após
o debate exauriente da causa, venha a ser ele, e não o autor, o vitorioso no
pleito judicial. Há, dessa maneira, no esquema do art. 273 e seus § §, a
observância do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Quebra-se
momentaneamente o contraditório, mas sem eliminá-lo de todo. Cumprida a medida
antecipatória, restabelece-se o contraditório e a ampla defesa. E afinal
qualquer que seja o vitorioso, o juiz terá condição de proporcionar-lhe o
adequado bem da vida, ou seja, aquele a que efetivamente corresponde sua
comprovada situação jurídica em face do litígio acertado em juízo. Assim, duas
garantias estarão confrontadas: a de efetividade da tutela jurisdicional,
devida ao autor e acobertada pela medida antecipatória, e a de intangibilidade
da situação do réu, antes do julgamento definitivo, resguardada pela vedação ao
autor de obter provimento provisório de efeito irreversível. Em suma: como
princípio, não se antecipam provimentos de efeitos irreversíveis; mas se o
único meio de assegurar a efetividade da tutela de que o autor se apresenta
predominantemente merecedor (em relação ao réu) exige medida faticamente
irreversível, não poderá esta ser-lhe vedada, sob pena de subtrair-lhe a garantia
fundamental de pleno acesso à justiça.
Pela mesma Lei nº 8.952/94
outra importantíssima reforma se procedeu no texto do art. 461 do CPC, para
assegurar ao credor de obrigação de fazer e não fazer uma tutela específica,
reforçada por explícita previsão de medidas antecipatórias e cautelares
adequadas a propiciar sua almejada efetividade. Aparentemente, o CPC teria
adotado dois regimes distintos de antecipação de tutela nos arts. 273 e 461. De
fato, no art. 273 exige-se que a parte apresente prova inequívoca conducente à
verossimilhança do alegado, comprove perigo de dano de difícil reparação e que
os efeitos da providência a ser antecipada não sejam irreversíveis.
Já no art. 461 a lei reclama,
como condição da tutela antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o
justificado receio de ineficácia do provimento final, caso não se adiante a
prestação jurisdicional provisoriamente.
Quanto à situação de perigo é
exatamente a mesma nas duas hipóteses: o risco de dano grave e de difícil
reparação, de que fala o art. 273 é justamente o fundado temor de que o
provimento final se torne ineficaz, caso a medida do art. 461 não seja
antecipada. Portanto, a observação de Watanabe (1996:43) no sentido de que os
requisitos legais exigidos pelo art. 461 "estão mais para a tutela
antecipatória do art. 273 do que para o processo cautelar. É que estamos diante
de tutela antecipatória e não de tutela cautelar". Mas, embora a lei
arrole a irreversibilidade como obstáculo à antecipação de tutela, a regra,
tanto para o art. 273 como para o art. 461, deve ser interpretada como linha de
princípio e não como vedação irremovível. Em regra, não quer a lei que os
efeitos da medida antecipatória sejam irreversíveis. Mas, se o risco de lesão
corrido pelo direito do autor, também apontar para dano irreparável, se
consumado, o juiz terá de fazer um balanço entre as duas situações de perigo
para decidir qual delas tutelar. Pode-se, então, entender que a antecipação da
tutela foi positivada, não só como forma de estancar o uso excessivo, abusivo e
muitas vezes inadequado das liminares, mas, teve como pano de fundo, tornar a
justiça mais efetiva e célere em prol do jurisdicionado, que é o seu
beneficiário. Esta sistemática adotada pelo legislador, integrando ao
ordenamento processual novas espécies de direito material – que não se coadunam
com a prática meramente ressarcitória –, privilegiando a máxima chiovendiana de
efetividade da função jurisdicional, estabeleceu uma nova ordem de prioridades,
onde a tutela jurisdicional busca em primeiro plano a tutela específica da
prestação devida; na impossibilidade da prestação in natura, o resultado
prático equivalente e, em último caso, a reparação por perdas e danos. A
relevante valorização que se deu à busca da tutela específica está acentuada
nos dispositivos que conferem ao juiz uma espécie de "poder executório
discricionário", habilitando-o a utilizar, inclusive de ofício, além dos
mecanismos nominados nos §§ 4º e 5º, outros mecanismos de coerção ou de
sub-rogação inominados, aptos a produzir a entrega específica da prestação
devida ou o resultado prático equivalente, desde que, por óbvio, juridicamente
legítimos.
Outra questão de suma
importância, é o caráter emergencial que impregna a tutela específica das
obrigações de fazer ou não fazer e que a coloca pari passu com as demais
tutelas provisórias de urgência. Esta característica inerente à tutela
específica das obrigações de fazer ou não fazer, está calcada na assertiva de
que a demanda pela tutela específica possui um conteúdo de satisfatividade tal,
que sua concessão in limine litis confunde-se com a própria tutela de mérito.
Com efeito, a compreensão pacífica dos estudiosos do direito processual civil
brasileiro identifica, na própria demanda pela tutela específica, um conteúdo
eminentemente emergencial na busca pela prestação in natura da obrigação, sob
pena de ineficácia da tutela jurisdicional postulada, pois, não raro, o
requerimento deduzido em juízo sugere uma resposta imediata do juiz para que
ordene o cumprimento de obrigação ou a abstenção específica, em caráter
provisório e sem que haja uma cognição exauriente. Assim, determina o
legislador pelo § 3º: "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder
a tutela liminarmente, ou mediante justificação prévia, citado o réu e, da
mesma forma que na antecipação de tutela do art. 273 do CPC, indica que "a
medida poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada". Eis aí o elemento de convergência entre a antecipação dos
efeitos da tutela de mérito, instituída como tutela provisória pelo art. 273 do
CPC, e a tutela específica do art. 461 do mesmo diploma processual. Ambas estas
técnicas de tutela, como afirma Alvim (1995:76) , "são modalidades de
tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material que, de
outro modo, estaria comprometida pela natural demora na conclusão do processo".
Na prática, entretanto, não se tem feito a devida distinção entre essas espécies
de tutela jurisdicional, tratando-se a tutela antecipatória como tutela
específica e vice-versa. Não obstante as distorções na aplicação destes
institutos processuais, esta diferenciação é de suma importância, porquanto
dela dependerá a incidência ou do art. 273 (tutela antecipada) ou do art. 461
(tutela específica) do CPC, cada qual com seu âmbito de aplicação rigorosamente
definido. O melhor critério para se delimitar uma e outra forma de tutela é
proceder por exclusão: aquilo que, em tese, não se comportar no âmbito da
tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (art. 461),
comportar-se-á no da tutela antecipada (art. 273). Assim, qualquer pretensão
envolvendo obrigação de dar lato sensu (entregar, restituir) cabe no âmbito
desta, ou seja, as pretensões embasadas na obrigação de dar coisa certa (arts.
863 a 873 do Código Civil) ou incerta (arts. 874 a 877 do Código Civil) estão
sob o alcance do art. 273 do Código de Processo Civil, já as pretensões
embasadas nas obrigações de fazer (arts. 878 a 881 do Código Civil) e de não
fazer (arts. 882 e 883 do Código Civil) restam sob o alcance do art. 461 do
Código de Processo Civil, nada obstando, contudo, que haja uma aplicação
sistemática e integrada dos dois institutos. Assim, há que se entender que, com
o regime atual da tutela das obrigações de fazer e não fazer, no direito
processual brasileiro, apresenta-se com as seguintes características: a
execução específica é a prioridade do sistema; o credor somente será remetido
para o equivalente econômico (perdas e danos) se for impossível chegar-se à
prestação devida, ou se for opção sua; a sistemática inovadora instituída pelas
medidas coercitivas e sub-rogatórias do art. 461 se insere no plano das tutelas
diferenciadas, e como tal, convive com a execução tradicional das obrigações de
fazer e não fazer o que, às vezes a elimina, outras vezes a complementa e
reforça; a possibilidade de usar medidas satisfativas em caráter de antecipação
de tutela pode dar ao processo feitio interdital; conhecimento e execução podem
ocorrer numa única relação processual, eliminando a actio iudicati (execução de
sentença por outra ação); as astreintes podem ser impostas para reforço da
sentença, caso em que incidirão após a coisa julgada e já no bojo da execução
forçada; podem, também, ser aplicadas como parte do expediente de antecipação
de tutela, tornando-se exigíveis de imediato, antes mesmo da sentença
definitiva; a antecipação de tutela figura como mecanismo importante para
alcançar a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, mas não
assume a categoria de liminar manejável discricionariamente pela parte e pelo
juiz, dentre outras. Como medidas satisfativas, estão sujeitas aos requisitos
gerais do art. 273 do CPC que devem ser conjugados com os do art. 461; ou seja,
como reforço da execução de sentença são adicionáveis, sem maiores exigências
ao procedimento executivo comum; mas como antecipação de tutela, somente as
condições especiais arroladas no art. 273, especialmente o perigo de dano grave
e de difícil reparação e a necessidade de preservar-se a reversibilidade, podem
autorizar a quebra do contraditório e a agressão patrimonial antes da exaustão
da ampla defesa, e da formação da coisa julgada. Há, na verdade, uma teoria
geral a ser observada em todos as tutelas de urgência, sejam cautelares, sejam
antecipatórias, e principalmente nestas últimas. Não se altera o devido
processo legal, sem que razões sérias e excepcionais o exijam e justifiquem. Entendendo
a antecipação de tutela como direito constitucional de ação, não há como
deixar de aceitar que a eficácia de qualquer sistema processual e, bem assim, a
utilidade das decisões por ele emitidas, dependem estritamente de sua
capacidade de satisfazer as pretensões que lhe forem submetidas, e que só terá
lugar se funcionar em tempo adequado. Nesse entendimento, torna-se
incontestável que o direito de ação passa a compreender também o direito a uma
decisão tomada e cumprida em tempo razoável. Por isso mesmo que o pedido de
tutela jurisdicional é também pedido de tutela tempestiva. Ou como se referiu Tommaseo (apud Cavalcante,
1995) "A excessiva duração do processo vulnera o princípio da efetividade
da tutela jurisdicional", princípio esse assimilado no artigo 5, inciso
XXXV, da Constituição Federal. E completa Mallet (1977:76) afirmando que "(...)
dita observação é irrepreensível, pois, se fosse de outra forma, a demora na
solução do litígio ou a inadequação do procedimento previsto em lei obstariam,
de fato, a tutela do direito, esvaziando o significado prático da garantia de
acesso ao judiciário". Assim, não se pode mais
olvidar, que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inserto
no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não pode ser compreendido senão como
a possibilidade efetiva de obter-se provimento jurisdicional eficaz. Só assim
se pode entender observada a garantia do acesso ao Judiciário. Ter garantido o
acesso, apenas, portanto, não basta. Por isso, Dantas (1987:56), defende que
não se há de entender como coisa una e homogênea "a atividade
jurisdicional realizada pelo Estado, que corresponde ao processo e a tutela
jurídica que através dele se defere". É que só tem serventia, utilidade, a
atividade jurisdicional provocada por alguém que se veja lesado em seu direito
subjetivo, se mais do que o direito a ela, que se traduz no processo, também o
tiver à garantia de que a tutela jurisdicional será eficazmente prestada.
CONCLUSÃO: Após o que se
ficou observado após o desenvolvimento do presente trabalho de pesquisa é que a
antecipação de tutela é um instituto dos mais relevantes do nosso sistema
processual. Isto quer dizer que a principal inovação trazida ao Direito
Processual Civil pela Lei n. 8.952/94 é, essencialmente, a substituição, antes
regra geral, da conversão das obrigações de fazer em perdas e danos pela
execução específica. Isto possibilita ao credor a satisfação integral da
obrigação inadimplida pela equiparação dos efeitos da sentença de procedência
aos que adviriam da satisfação da obrigação pelo devedor. Esta lei provocou a
reforma processual que apoiou-se no imperativo da efetividade do processo, de
tal sorte que o estudo do Direito Processual, hoje mais do que antes,
representa o atendimento a uma das mais dinâmicas manifestações da evolução do
Direito. Agora, portanto, a regra geral é a da tutela específica da obrigação
de fazer, ficando a possibilidade de sua conversão em perdas e danos apenas
para as hipóteses de: absoluta impossibilidade da substituição; estar a
possibilidade de substituição excluída pelo próprio título constitutivo da
obrigação; ou de pedido expresso do credor neste sentido. A inovação da ordem
jurídica trouxe um avanço significativo na efetividade da prestação
jurisdicional, que antes se via impotente frente ao descumprimento da maioria
das obrigações de fazer, tendo de recorrer ao insatisfatório expediente da
substituição da obrigação por perdas e danos. Claro está que continuam a
existir hipóteses onde permanece a impossibilidade da execução específica das
obrigações de fazer, como no caso das obrigações que possuem natureza
infungível e que, para serem cumpridas, necessitem de um fazer material, e não
jurídico, quando então será impossível à sentença produzir os mesmos efeitos da
declaração recusada. Só se garante mesmo o direito de ação quando se assegura,
além do acesso formal ao judiciário, também a utilidade do provimento a ser
afinal emitido. Portanto, a previsão da antecipação, para tutela de direitos
ameaçados de dano irreparável ou de difícil reparação, não é mera faculdade do
legislador, mas decorrência necessária da garantia constitucional de ação,
especialmente quando considerada essa garantia à luz da doutrina
instrumentalista do processo. Tudo isso pelo fato de que certos direitos,
notadamente aqueles de conteúdo não patrimonial, relacionados com liberdades
fundamentais, só são tutelados adequadamente se deferida, em curto espaço de
tempo, a providência reclamada. Vale ressaltar que
cabe ainda à doutrina o estudo aprofundado do novo instituto, a fim de dar-lhe
a profundidade e certeza de que ainda carece. Contudo, o primeiro passo já foi
dado, possibilitando à ordem jurídica prestar uma tutela mais satisfatória às
obrigações de fazer. Obviamente a matéria merece discussão, aprofundamento e
análise detalhada de suas consequências positivas ou negativas, o que não é
possível nesta oportunidade, porém fica aqui plantada a ideia para, quem sabe,
se abrir o debate para tão relevante tema, a fim de que o processo adquira o
rumo indispensável aos seus objetivos. Do contrário, continuará o Judiciário
sendo o depósito das lamentações de uma atividade jurisdicional morosa e ineficaz.
REFERÊNCIAS
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fazer o processo. São Paulo: Millenium, 2002
CAVALCANTI, Francisco -
Inovação no Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995
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DINAMARCO, Cândido Rangel. A
Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1996
MALLET, Estevão. Antecipação
da Tutela no Processo do Trabalho São Paulo: Malheiros, 1998
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Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 1995
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Flávio Luiz. Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de
vontade. São Paulo: Atlas, 1993
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Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não
fazer. In: Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996
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