TEORIA
DA NORMA JURÍDICA – O obra Teoria da norma jurídica, de Norberto Bobbio, trata
de temas como o direito como regra de conduta, justiça, eficácia e validade, as
proposições prescritivas, as prescrições e o direito e a classificação da norma
jurídica.
Ao efetuar uma
leitura do capítulo V da obra Teoria da Norma Jurídica, do eminente filósofo,
escritor e senador vitalício italiano, recentemente falecido, Norberto Bobbio,
abordando o tema As prescrições jurídicas, onde trata acerca da busca de um
critério dentre vários critérios abordados, a resposta à violação, as sanções
morais, sociais e jurídicas, a adesão espontânea, as normas sem sanção, a
ordenação sem sanção e, por fim, as normas em cadeia e o processo ao infinito.
Introdutoriamente,
convém observar que Norberto Bobbio, considerado um dos filósofos mais
importantes do século 20, um dos mestres da liberdade e a consciência
democrática italiana, era o líder dos Democratas da Esquerda, maior partido de
oposição italiano e sucessor do partido Comunista da Itália.
O filósofo foi
nomeado senador vitalício em 1984, pelo então presidente Sandro Pertini
(1978-85). Há cerca de uma década, foi considerada a possibilidade de ser
candidato à presidência italiana, um cargo de pouco poder político, mas grande
autoridade moral. Nascido na cidade industrial de Turim em 18 de outubro de
1909, Bobbio formou-se em Filosofia e Direito nos anos 30. Em 1935, foi
brevemente preso por sua oposição ao regime fascista. Durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-45), Bobbio atuou no movimento de resistência antifascista e
integrou o "Partido de Ação", grupo de radicais de esquerda que mais
tarde ajudaram a moldar a política pós-guerra. Doutor em Filosofia, Bobbio era
professor benemérito da Universidade de Turim, onde deu aulas de Filosofia do
Direito, Ciências Políticas e Filosofia da Política durante várias décadas. Em
1975, o inteletcual italiano iniciou em seu país um debate sobre socialismo,
democracia, marxismo e comunismo, que influenciou as novas gerações de toda
Europa. Bobbio escreveu para vários jornais e revistas, incluindo o
"Corriere della Sera", principal diário do país. E, ao longo de sua
carreira, Bobbio escreveu centenas de livros, ensaios e artigos. Um de seus
livros mais importantes é "Politica e Cultura" (1955). Bobbio recebeu
o título doutor honoris causa diversas vezes, na Itália e em outros países.
Dele, quase todas as obras foram traduzidas no Brasil. A abrangência é vasta:
da filosofia do direito à ética, da filosofia política à história das ideia,
sem esquecer os grandes debates contemporâneos, invariavelmente analisados
com lucidez, elegância e coerência filosófica. Mas é de sua vida como professor
que o filósofo teve a sua principal atividade, e foi nesse período que
aprofundou seus estudos sobre o jurista Hans Kelsen (inspirador de sua
concepção da democracia como sistema de regras que permitem a convivência livre
e pacífica) e sobre o filósofo Thomas Hobbes (ideia hobbesianas como o
individualismo, o contratualismo e a ideia de paz através da constituição de um
poder comum contribuíram - como ele próprio reconhece - para a formação de seu
pensamento político). Identificando-se com os estudos sobre o direito, Bobbio
observou ao longo dos anos uma atitude emblemática do positivismo ideológico
apontada nos juristas da Escola da Exegese, que não se limitavam a constatar
que, na sua sociedade, naquele momento histórico, o direito apresentava-se
somente através da lei, mas valoravam positivamente este fato. Assim, na imagem
de Bobbio, seriam não apenas intérpretes, mas também admiradores do Código de
Napoleão. Neste sentido, ao observar o positivismo como ideologia, Bobbio
observa que o jusnaturalismo e o positivismo extremista (isto é, o positivismo
ético) identificam ambas as noções de validade e de justiça da lei, mas,
enquanto o primeiro deduz a validade de uma lei da sua justiça, o segundo deduz
a justiça de uma lei de sua validade. Esta versão faz jus às acusações de ter
preparado terreno para o totalitarismo nazi-fascista na primeira metade do
século passado na Europa, permitindo que tenha ocorrido uma reductio ad
Hitlerum do positivismo jurídico.
Por outro lado, a
versão moderada não poderia receber o mesmo tratamento da outra modalidade.
Bobbio aponta o valor instrumental do direito sustentado por esta versão de que
o direito tem um valor enquanto tal, independente do seu conteúdo, mas não
porque (como sustenta a versão extremista) seja sempre por si mesmo justo (ou
com certeza o supremo valor ético) pelo simples fato de ser válido, mas porque
é o meio necessário para realizar um certo valor, o da ordem (e a lei é a forma
mais perfeita de direito, a que melhor realiza a ordem).Para o positivismo
ético, o direito, portanto, tem sempre um valor mas, enquanto para sua versão
extremista trata-se de um valor final, para a moderada trata-se de um valor
instrumental. Desta forma, o positivismo jurídico, enquanto teoria, baseia-se
em seis concepções fundamentais, conforme menciona Bobbio: teoria coativa do
direito; teoria legislativa do direito; teoria imperativa do direito; teoria da
coerência do ordenamento jurídico; teoria da completitude do ordenamento
jurídico; e teoria de interpretação lógica ou mecanicista do direito. Assim,
explica que um ordenamento jurídico não é necessariamente coerente, porque
podem coexistir no mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e serem ambas
válidas; que um ordenamento jurídico não é necessariamente completo, porque a
completitude deriva do princípio da reserva legal, segundo o qual tudo que não
é proibido é permitido. Tal princípio, excetuando-se o campo do direito penal,
não rege a maior parte dos casos; e a interpretação do direito feita pelo juiz
não se resume num procedimento puramente lógico.
A partir disso
Bobbio explica que, no direito, poderiam ser diferenciados dois momentos: o
ativo ou criativo e o teórico ou cognoscitivo. O primeiro manifestando-se de
forma mais típica na legislação, o segundo na ciência jurídica ou na
jurisprudência, sendo esta definida como a atividade cognoscitiva do direito
visando a sua aplicação. A natureza cognitiva da jurisprudência reporta-se a
uma atividade declarativa ou reprodutiva de um direito preexistente, pura
contemplação de um objeto já dado. Assim, os autores da Escola da Exegese
sustentavam que os juízes não eram nada mais que a “boca da lei”. Deste modo, a
tradição do positivismo jurídico concebia a atividade da jurisprudência como
sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o direito, explicitando
por meios lógico-racionais o conteúdo das normas jurídicas já dadas. Assim,
seria tarefa do aplicador do direito não a sua criação, mas a sua
interpretação.
No final dos anos
60, Noberto Bobbio, ao abrir um debate sobre o presente e o futuro dos direitos
do homem, dividia sua história em três fases. Na primeira, inaugurada pelo
jusnaturalismo moderno, os direitos humanos formulados pelos filósofos eram
universais em seu conteúdo, porquanto baseados numa natureza humana ideal, mas
limitados em relação à sua eficácia. Esta universalidade abstrata foi superada
quando as Revoluções Americana e Francesa permitiram a passagem da teoria à
prática ao declararem os direitos naturais como fundamentos da nova ordem,
dotando-os de uma particularidade concreta em que os direitos do homem foram
positivados como direitos dos cidadãos de um determinado Estado. Por fim, com a
Declaração de 1948 teve início o período da universalidade concreta no qual a
afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva, abrangendo
todos os seres humanos e buscando sua efetividade até mesmo contra os Estados
que os violam. Assim, como reconhece o próprio Bobbio, estamos apenas no início
do processo de realização da universalidade concreta daqueles direitos. Entre
os obstáculos que a ela se opõem encontra-se o subdesenvolvimento que atinge a
maioria das nações do globo, nas quais os direitos humanos permanecem em grande
parte uma aspiração. Dentre eles, são os direiltos sociais e econômicos, que
também chama de direitos coletivos, que mais carecem de efetiva proteção.
Constituindo um conjunto de prestações que devem contar com a ação do Estado
para seu gozo, tais direitos defrontam-se com o desaparelhamento dos poderes
públicos para cumprirem com este papel, tanto pelas insuficiências de sua
organização intitucional quanto pela ausência e má destinação de recursos. Daí,
vê-se que a completude do ordenamento jurídico, provinda dos primórdios do
Estado de Direito, especialmente da Escola da Exegese, significa que o Direito
positivado abarca toda a fenomenologia que, direta ou indiretamente interessando
ao homem, requer tutela estatal. Noutras palavras, o Direito, entendido como o
corpo de normas jurídicas vigentes, regula ou dispõe de mecanismos que venham a
regular quaisquer situações fáticas de interesse do homem. Assim, o Direito, na
acepção citada, é pleno, não apresentando, portanto, lacunas ou vazios, que
deixariam aquelas situações sem amparo - o Direito resolve tudo, desde que seja
relevante, pois apenas os fatos de relevância exigem proteção estatal por esse
meio.
A teoria da norma
geral exclusiva afirma a completude do ordenamento jurídico a partir do
entendimento de que as ações humanas não regulamentadas são implicitamente
admitidas e aceitas por esse ordenamento. Observa-se que não se confundem a
falta de regulamentação aqui exposta e a ausência de expressa disposição legal.
Nessa última hipótese, a ratio legis
do sistema jurídico, notadamente no que pertine aos princípios gerais do
direito, estará regendo todos os casos não dispostos na literalidade da lei,
desde que com estes guarde o imprescindível nexo causal. O mesmo não corre nas
situações em relação às quais o Direito mostra-se alheio, e é neste sentido que
se fala, para os fins de análise, em não regulamentação. Dito de outra forma, a norma geral exclusiva implica em
que todas as ações não proibidas são permitidas pelo ordenamento, o que redunda
em liberdade, compreendida como a faculdade natural de fazer aquilo que apraz a
cada um, salvo o que seja impedido pela força ou pelo Direito, até mesmo em
razão da impossibilidade de o Direito positivo abarcar, seja de forma
explícita, seja de forma implícita, todas e quaisquer nuances da vida em
sociedade. As normas existentes, denominadas particulares e inclusivas, trazem
em seu bojo as normas gerais exclusivas, que lhes são correspondentes. Assim,
defende Bobbio que toda a atividade humana é regulada por normas jurídicas,
porque aquela que não cai sob as normas particulares cai sob as gerais
exclusivas. E, assim, é contestada essa teoria com a observação de que existem
nos ordenamentos jurídicos as normas ditas gerais inclusivas, as quais regulam
os casos não-compreendidos na norma particular, mas semelhantes a eles, de
maneira idêntica, , diferentemente das normas gerais exclusivas, que os
regulariam de maneira oposta à utilizada pelas normas particulares. Vê-se que a
semelhança dos casos deve ser detectada através do processo interpretativo. Bobbio
observa então os vários tipos de lacunas, que inicialmente, distinguem-se
lacunas próprias e impróprias. Lacunas próprias confundem-se com lacunas reais.
São as existentes no sistema jurídico tal qual este se apresenta, desde que
nele estejam presentes tanto as normas gerais exclusivas quanto as normas
gerais inclusivas. São sanadas a partir da interpretação das leis positivadas.
Aqui cabe falar-se em (in)completude do ordenamento jurídico: "A lacuna em sentido próprio existe quando se
presume que o intérprete [...] decidiu com uma dada norma do sistema e essa
norma não existe ou, para ser mais exato, o sistema não oferece a devida
solução" (Bobbio, 1999:145). Lacunas impróprias são as que se fazem
presentes quando o ordenamento jurídico contém apenas as normas gerais
exclusivas, além das normas particulares, exigindo uma solução por intermédio
de normas a serem criadas pelo legislador. Assemelham-se às lacunas
ideológicas. Também pode ser feita a diferenciação entre lacunas subjetivas e
lacunas objetivas. Subjetivas são as lacunas que têm como causa existencial a
pessoa do legislador, que ora deixa de criar a norma voluntariamente, ora
involuntariamente não regulamenta um fato ou ato jurídicos. Por sua vez,
objetivas são as lacunas cuja fonte de existência não é imputada ao legislador,
mas a fatores outros que fazem surgir necessidades inéditas nas relações
sociais, necessidades que passam a reclamar ao Direito a regulamentação
condizente à harmonia dos homens que na sociedade interagem. Ainda procede-se à
distinção entre lacunas præter legem
e intra legem. As lacunas præter legem existem quando as regras
jurídicas não abarcam em seu campo de incidência os fatos sociais semelhantes
aos regulamentados, exigindo-se, para a integração do ordenamento jurídico, a
criação de normas que os regulamentem. As lacunas intra legem, por outro lado, ocorrem quando as normas
positivadas apresentam tal grau de generalidade que vazios aparecem no
ordenamento, a reclamar solução por parte do intérprete. Neste sentido pode-se
observar os aspectos da heterointegração e auto-integração são duas formas de
tornar completo o ordenamento jurídico, consistindo a primeira na utilização de
ordenamentos alienígenas e/ou de fontes diversas da lei positivada, ao passo
que a segunda não recorre a ordenamentos estrangeiros e minimiza ao máximo o
uso de fontes que não sejam a lei.
No que se refere à heterointegração, constata-se o seguinte:
lançando-se mão de ordenamentos outros que não o pátrio, esses podem ser os
vigentes na atualidade, os que vigeram ou o Direito natural imaginado como um
sistema jurídico perfeito (Bobbio, 1999:147); quanto ao recurso a outras fontes
de Direito que não sejam as leis, têm-se: o costume, cuja utilização pode ser
ampla ou restrita, quando, respectivamente, a lei lhe dá grande margem de
atuação enquanto nascedouro do Direito ou limita essa mesma atuação; as
sentenças judiciais, configurando o Direito judiciário (Bobbio, 1999:149), bem
como a opinião abalizada dos juristas, que é o Direito científico. A propósito,
os costumes integram o direito internacional público, notadamente as normas
internacionais fundamentais. Assim, é preciso ascender dos dois casos a uma
qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual
ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras consequências
(Bobbio, 1999:153). É essa analogia que se encontra na norma geral inclusiva. Cabe
assim o esclarecimento acerca da interpretação extensiva, diferenciando-a da
analogia. Interpretação extensiva é o mecanismo que consiste na extensão de uma
norma jurídica aos casos que esta não prevê, significando que tais casos não
são previstos expressamente pela norma, todavia o são de forma tácita, uma vez
que o legislador apenas não os alinhou com os consignados na literalidade
legal. O alcance da norma, enfim, é alargado para englobar as espécies não
registradas pela letra da lei. Na interpretação extensiva, "nos limitamos à redefinição de um termo, mas
a norma aplicada é sempre a mesma" (Bobbio, 1999:156). Os
princípios não-expressos são aqueles que se podem tirar por abstração de normas
específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas,
formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente
diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema
(Bobbio, 1999:159). Ao encerrar o estudo da completude do ordenamento jurídico,
Bobbio alinha (1999:160):
A primeira
condição para que se possa falar de lacuna é a de que o caso não esteja
regulado: o caso não está regulado quando não existe nenhuma norma expressa,
nem específica, nem geral, nem generalíssima, que diga respeito a ele, quer
dizer, quando, além da falta de uma norma específica que lhe diga respeito,
também o princípio geral, dentro do qual poderia entrar, não é expresso.
Assim sendo, a completude do ordenamento jurídico,
defendida pelos positivistas, no propósito de ter respostas para todas as
problemáticas humanas num único ordenamento, que necessariamente tem vigência
espacial e temporal limitada, é um ideal que não pode ser alcançado. A
estupenda e maravilhosa dinâmica da convivência humana, ao criar realidades a
cada momento e ao apresentar nuances sempre novas em velhos fenômenos que se
encontram sob cobertura do Direito, impede o alcance daquele ideal. Com isso, o
capítulo V da obra Teoria da Norma Jurídica, versando sobre as prescrições
jurídicas, parte da tese de que o problema da “distinção entre normas jurídicas e outros tipos de normas chamado de
características diferenciais da norma jurídica – com freqüência desprezado e
repelido, mas continuamente emergente – não se resolve permanecendo-se nos
limites de um estudo puramente formal das proposições normativas”
(Bobbio, 1999:145/146). Ele defende que as proposições normativas pertencentes ao
direito fossem diferentes de outras proposições normativas devido a uma
característica inerente à sua natureza de prescrições (Bobbio, 1999:146).
Ao abordar os
critérios, Boobio abandona o critério puramente formal, drigindo-se à solução
que julga mais satisfatória, reagrupando em torno de alguns critérios
fundamentais, afora os formais, um certo número de teorias típicas, observando,
então, que o critério mais seguido sempre foi o de procurar individualizar o
caráter da norma jurídica através do seu conteúdo. Pertencem a esta categoria
as teorias que afirmam como característica da norma jurídica regular sempre uma
relação intersubjetiva, quer dizer, uma relação não entre uma pessoa e uma
coisa, nem entre uma pessoa e si mesma, mas entre uma pessoa e uma outra
pessoa. Nisso ele aborda que esta teoria se exprime também atribuindo à norma
jurídica o caráter da bilateralidade, diversamentemente da norma moral que
seria unilateral. O caráter da bilateralidade consistiria no seguinte: a norma
jurídica institui ao mesmo tempo um direito a um sujeito e um dever a um outro;
e a relação intersubjetiva, ao constituir o conteúdo típico da norma jurídica,
consistiria precisamente na relação de interdependência entre um direito e um
dever. Detecta, portanto, uma insuficiência no critério do conteúdo, quando
nasce a exigência de um novo critério, o do fim. E com base nesse novo
critério, se responde que o direito regula sim, como as normas sociais,
relações intersubjetivas, mas não relações intersubjetivas genéricas, vez que
tais relações são reguladas pelo direito são específicas e a sua especificidade
é dada pelo fim a que o ordenamento normativo jurídico se propõe no confronto
com todos os outros ordenamentos normativos vigentes naquela determinada
sociedade. Assevera Bobbio acerca da insuficiência do critério do fim, onde é
impelido quase fatalmente, ao critério do sujeito que estabelece a norma. O
critério do fim é insuficiente porque o juízo sobre para que serve o fim, ou
seja, a conservação da sociedade varia de tempos em tempos, de lugar para
lugar. E com isso conclui que a norma jurídica é aquela que, independentemente
da forma que assuma, do conteúdo que possua, do fim a que se proponha, é
estabelecida pelo poder soberano, ou seja, por aquele poder que em uma dada
sociedade não é inferior a nenhum outro poder, mas que está em posição de
dominar todos os outros. Observa que a crueza da teoria positivista do direito
reenvia ao seu oposto, ou seja, à teoria jusnaturalista na acepção mais ampla
do termo, isto é, a todas aquelas doutrinas que buscam a essência do direito
nos valores em que o legislador se inspira. Concorda que o direito positivo
seja aquele estabelecido e importo pelo soberano, mas será necessário
distinguir as decisões segundo os ideiais em que se inspiram, e então serão
jurídicas não todas as regras, mas somente as que se inspiram em determinados
valores (Bobbio, 1999:150).
Um quinto grupo de
teorias é o que se caracteriza pelo fato de procurar a natureza específica da
norma jurídica no modo como é acolhida pelo destinatário, ou, em outros termos,
na natureza da obrigação. Apresenta pois um novo critério: a resposta à
violação, tratando do critério que se refere ao momento da resposta à violação
que, portanto, acarreta a noção de sanção. À violação da-se o nome de ilícito.
O ilícito consiste em uma ação quando a norma é um imperativo negativo e em uma
omissão quando a norma é um imperativo positivo (Bobbio, 1999:152). Define a
sanção como resposta à violação, quando todo sistema normativo conhece a
possibilidade da violação e um conjunto de expedientes para fazer frente a esta
eventualidade. Trata-se de ver se existem tipos diversos de resposta e se eles
permitem uma classificação dos diversos ordenamentos normativos. Daí ele parte
para entender que a sanção pressupõe a violação da norma e que há um modo de
definir as normas morais que se refere precisamente à sanção. Afirmação que são
morais aquelas normas cuja sanção é puramente interior. Por sanção, entende-se
sempre uma conseqüência desagradável da violação, cujo fim é prevenir a
violação ou, no caso em que a violação seja verificada, eliminar as consequências
nocivas. O fim da sanção é a eficácia da norma, ou, em outras palavras, a
sanção é um expediente para conseguir que as normas sejam menos violadas ou que
as consequências da violação sejam menos graves. O defeito da sanção interior é
o de ser escassamente eficaz e é certamente um meio inadequado.
Por outro lado,
Bobbio observa que a sanção externa é característica das normas sociais, isto
é, de todas as normas do costume, da educação, da vida em sociedade em geral,
que são voltadas ao fim de tornar mais fácil ou menos difícil a convivências.
Estas normas nascem, geralmente, de um grupo social em forma de costumes, o
mesmo grupo social que responde à sua violação com diversos comportamentos que
constituem as suas sanções. E ressalta: o defeito das sanções sociais não é,
todavia, a falta de eficácia, mas a falta de proporção entre violação e
resposta (Bobbio, 1999:158) Com o objetivo de evitar os inconvenientes da
sanção interna, isto é, sua escassa eficácia, e os da sanção externa não
institucionalizada, sobretudo a falta entre violação e resposta, o grupo social
institucionaliza a sanção, ou sejam, além de regular os comportamentos dos
cidadãos, regula também a reação aos comportamentos contrários. Esta sanção se
distingue da moral por ser externa, isto é, por ser uma resposta de grupo, e da
social por ser institucionalizada, isto é, por ser regulada, em geral, com as
mesmas formas e através das mesmas fontes de produção das regras primárias. Ela
oferece um critério para distinguir as normas que habitualmente se denominam
jurídicas das normas morais e das normas sociais. Trata-se das normas cuja
violação tem por consequência uma resposta externa e institucionalizada.
Defende então que o principal efeito da institucionalização da sanção é a maior
eficácia das normas jurídicas: para toda violação de uma regra primária, é
estabelecida a relativa sanção; é estabelecida, se bem que dentro de certos
termos, a medida da sanção; e são estabelecidas pessoas encarregadas de efetuar
a execução. Daí sustenta a tese de que é útil para delimitar o âmbito da noção
de direito levar em conta o tipo de resposta que os diversos ordenamentos dão à
violação das regras de conduta. E argumenta: o primeiro argumento é a adesão
espontânea. A sanção, afirma-se não é elemento constitutivo do direito porque
um ordenamento jurídico conta, antes de tudo, com a adesão espontânea às suas
regras, isto é, com a obediência não por temor das consequências desagradáveis
de uma eventual violação, mas por consenso, ou convenção, ou mero hábito, de
qualquer forma, por motivos de que não pressupõem a possível movimentação do
mecanismo da sanção. Não se sustenta porque os defensores da adesão espontânea
replicam com o argumento filosófico, segundo o qual, o homem, sendo livre por
sua natureza, não ser constrangido, e portanto também a obediência obtida
através da sanção é sempre uma obediência livre, fundada no consenso, e como
tal, indistinguível daquela denominada espontânea.
Com relação às
normas sem sanção, Bobbio coloca que o argumento mais comum e também mais fácil
contra a teoria que vê na sanção um dos elementos constitutivos de um
ordenamento jurídico é p que se funda na presença, em todo ordenamento
jurídico, de normas não garantidas por sanção. A presença de normas não
sancionadas em um ordenamento jurídico é um fato incontestável. Defende então frente à objeção fundada na
constatação de normas sem sanção em um ordenamento jurídico. É tese aceita por
alguns internacionalistas que o direito internacional tenha também as suas
sanções e preveja o modo e a medida do seu exercício. A violação de uma norma
internacional por parte do estado constitui um ilícito.
Conclui, assim,
que todo ordenamento interncional, em geral, diversamente do estatal, é fundado
sobre o princípio da autotutela e que, portanto, o que diferencia o ordenamento
internacional do estatal não é a ausência ou a presença de sanções organizadas,
mas a organização da sanção através da autotutela ou da heterotutela. Que o
instituto da autotutela seja manifestação de uma sociedade menos organizada do
que aquela em que vige o princípio da heterotutela, importa em uma diferença
não de substância, mas de grau, entre o ordenamento internacional e o estatal,
diferença, aliás, que ninguém jamais negou. Enfim, arremata: as normas não
sancionadas representam aquele mínimo de consenso sem o qual nenhum Estado
poderia sobreviver.
REFERÊNCIA
BOBBIO,
Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Brasília: UnB, 1999.
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