domingo, 4 de maio de 2014

NIETZSCHE E A PSICOLOGIA




NIETZSCHE E A PSICOLOGIA – Evidente que a motivação para a realização do presente trabalho partiu da leitura do romance do Irving D. Yalom, Quando Nietzsche chorou, traduzido pelo Ivo Korytowski e que virou filme dirigido por Pinchas Perry, como também da obra Nietzsche e Freud, de Reinhard Gasser.
Merece também registro a menção de Mosé (2005) ao fato da multiplicidade e proliferação de estudos cada vez mais diversificados acerca da obra do filósofo alemão, bem como o entendimento de Giacóia Junior (2001) de que o filósofo exerceu importante influência que o caracteriza como psicólogo.
Com isso, por meio de uma revisão da literatura, caracteriza-se esta abordagem como uma pesquisa bibliográfica embasada nas fontes disponibilizadas.

A FILOSOFIA E A PSICOLOGIA DE NIETZSCHE - A filosofia de Nietzsche, no dizer de Mosé (2005) é extremamente erudita e com um posicionamento crítico com relação à própria filosofia, adotando a ideia do devir por meio de três linhas de raciocínio: a arte, o pensamento e o saber.
No dizer de Cotrim (2006), o filósofo teceu uma abordagem da genealogia da moral produto do histórico-cultural, tendo por consequência, no dizer de Chauí (2002 ), Giacoia Junior (2001) e Souza (2014), o desenvolvimento do Existencialismo inaugurado por Kierkegaard. Esse filósofo começará a lecionar filosofia clássica na Universidade da Basileia, em 1869, publicando seu primeiro livro O nascimento da tragédia no espírito da música, em 1872. Entretanto, é com o lançamento da sua obra Humano, demasiado humano, em 1878, que Nietzsche passará se autodenominar de psicólogo.
A filosofia de Nietzsche, em conformidade com Noffat Neto (1991), Giacóia Junior (2001) e Marques (2003), é uma filosofia dos afetos, das paixões e desejos, que contempla o individualismo, a força, a abundância e os instintos de vida. Para ele filosofar não era uma atitude teórica e contemplativa, mas uma atitude prática que se enraíza na vida, um ato de libertação de toda subjugação, de toda moral, de toda deformação e de tudo aquilo que nos prende a religiões, grupos e ideologias.
Em um determinado período da sua vida, a filosofia nietzschiana se voltou para a psicologia. Inclusive, Nascimento (2006) registra que esse filósofo se autodenominava psicólogo e em muitas de suas obras encontra-se a denominação de psicologia na sua proposta filosófica.
É o que também identificam Oliveira (2014), Barbosa (2014) e Williams (2014), ao mencionarem que nos chamados escritos intermediários do filósofo, ocorrido no período entre 1876 e 1882, ele adota o procedimento de análise nomeado por ele mesmo de psicologia, se autoproclamando o primeiro psicólogo da história e efetuando uma relação interdisciplinar entre psicologia e morfologia, fisiologia, cultura, história, literatura, linguística, medicina e muitas outras áreas do conhecimento.
Nietzsche (1978, p. 37) entende que a psicologia é a “[...] ciência que indaga a origem e a história dos chamados sentimentos morais e que, ao progredir, tem de expor e resolver os emaranhados problemas sociológicos”. Nessa ótica, ele faz adoção do procedimento que conjuga as vertentes históricas, fisiológicas e psicológicas unidas à sua filosofia, sob a proposta de tentativa da compreensão a partir do sentimento e das valorações humanas. Assim, para esse autor, a fisiopsicologia é entendida como instrumento de dissecação psicológica dos fenômenos morais.
A respeito disso, assinala Vianna (1995) e Giacoia Junior (2001), que a psicologia nietzscheana compreende a visão além dos ângulos da realidade existencial, identificada na dimensão pulsional dos instintos.
Noutra ocasião Nietzsche (2002, p. 23) assevera que “Toda psicologia, até o momento, tem estado presa a preconceitos e temores morais: não ousou descer às profundezas. Compreendê-la como morfologia e teoria da evolução da vontade de poder, tal como faço – isto é algo que ninguém tocou sequer em pensamento”. Nesse sentido, ele faz uso da noção procedimental fisiopsicológica para asseverar que a cultura é um sintoma fisiopsicológico das construções humanas, ao reinterpretar o corpo no contexto da corporalidade com o significado de instrumento complexo das múltiplas pulsões vitais e para romper com a dualística convenção do corpo/alma. Dessa forma, o filósofo entende que o ser humano é o resultado da luta das forças biológicas e psicológicas.
Noutro momento, Nietzsche (2012, p. 354) assinala que: “Poderíamos, com efeito, pensar, sentir, querer, recordar-nos, poderíamos igualmente agir em todo sentido da palavra: e a despeito disso, não seria preciso que tudo isso nos entrasse na consciência (como se diz, em imagem)”. Com esse pensamento o filósofo defende que a consciência é independente das funções fisiológicas e psíquicas.
Observa-se, portanto, que o autor coloca a psicologia no centro das ciências para alcance do ser humano de forma integral, reconhecendo-se a valorização do psíquico e fisiológico independentemente da consciência.
Com esse entendimento, Oliveira (2014, p. 1) assevera que:
A psicologia de Nietzsche está na base, portanto, de seu projeto de uma ética da amizade porque, ao destituir a moral de seus fundamentos metafísicos, ela abre a possibilidade de pensar as relações humanas e o próprio humano para além do princípio gregário do ethos.
Observa-se que a concepção nietzschiana, segundo Vianna (1995, p. 32), é na direção de uma singular psicologia ‘[...] ao operar com as pulsões artísticas da natureza manifesta um inconsciente primordial o qual escapa às possibilidades de representação da consciência. A dimensão do inconsciente emerge como função de um princípio ativo”. Por esse entendimento, essa psicologia está situada no domínio da reflexão filosófica com características definidas na valoração positiva da experiência sensível como fonte principal do conhecimento.
A primeira identificação da psicologia nietzschiana, segundo Nascimento (2006, p. 49) está identificada como uma psicologia da tragédia, quando:
O psicólogo Nietzsche, num primeiro momento, analisará a tragédia grega e verá um elemento comum entre ela e a psicologia do povo helênico, que é a luta entre as forças apolíneas e dionisíacas. A relação entre elas vai definir uma teoria da civilização e da cultura, bem como uma teoria da arte. A morte da tragédia aparece como a metáfora viva da morte do mundo antigo e aponta desdobramentos na cultura, como, por exemplo, a primazia da razão sobre os instintos, nascida a partir da metafísica socrática que acaba se impondo na cultura do Ocidente, sobretudo em sua face platônica.
A segunda identificação da psicologia nietzschiana, para Nascimento (2006, p. 51), é quando o filósofo:
[...] vai propor uma psicologia que desmascara as bases de onde a metafísica se apoia e partirá da desmontagem da moralidade, posto que a metafísica é vista como produtora de filósofos da moral. Ao questionar a origem das representações e sentimentos morais afirmará que por detrás das ações morais, o que há, são motivações humanas, demasiado humanas, denunciando a servidão do homem aos conceitos e normas “superiores” que são tomados como vida.
Nesse sentido, a autora mencionada identifica que essa psicologia surge no contexto de uma ciência capaz de indagar a história do mundo como representação, ultrapassando a metafísica.
Uma terceira identificação da psicologia nietzschiana registrada por Nascimento (2006, p. 55), considera que o filósofo:
[...] vai problematizar o que vem a ser a consciência. A psicologia, para se desprender dos preconceitos e temores morais, precisaria interpretar e avaliar a vida enquanto potência. [...] O novo psicólogo vai percorrer o sentido e o valor que vão se manifestar nas relações de forças e nas formas como a vontade de potência se apresenta.
Em vista disso, entende a autora que Nietzsche será levado pelas motivações do inconsciente problematizando a natureza do conhecer, entendendo ele que os impulsos serão os agentes que se encontram por trás do conhecimento e que funcionam com a relação existente com outros impulsos, agindo e resistindo uns aos outros.
Tem-se, portanto, conforme Nascimento (2006, p. 221) que o filósofo em estudo:
[...] busca como psicólogo investigar e diagnosticar a saúde de uma cultura a partir da base, pautado na arte de interpretação dos sintomas manifestos na vida. A proposta de uma nova psicologia, pautada em outros valores, mais próximos da vida, em sua forma plena, ou seja, entendida como vontade de potência.
Acrescenta Barbosa (2014, p. 2) que “[...] o argumento da gênese social da consciência fornecido por Nietzsche, vem corroborar com as explicações não dicotômicas sobre os sujeitos e sua interação com o mundo fruto da nova visão da Psicologia Social”. E conforme Fonseca (2014, p. 1):
[...] Nietzsche re-lança na cultura moderna da civilização ocidental os fundamentos da perspectiva ética de afirmação do vivido, de constituição dele como fundamento do verdadeiro e dos valores, perspectiva ética de afirmação do corpo e dos sentidos, que vai constituir um fundamento das psicologias humanistas e da ACP [...]
Com isso, o autor mencionado observa que se encontra em franco desenvolvimento iniciativas de recuperação dos fundamentos da fenomenologia e do existencialismo, em particular da filosofia da vida de Nietzsche, filosofia essa que foi capaz de fornecer o substrato básico para o desenvolvimento da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial organísmica (FONSECA, 2014).
Identifica-se que o filósofo em estudo influenciou o desenvolvimento da psicanálise de Freud, mesmo sendo irredutível o posicionamento de recusa do psicanalista quanto a este fato, muito embora tenha, ao final de sua vida, reconhecido que Nietzsche é o maior psicólogo de todos os tempos.
Também fica identificada com base em Fonseca (2014, p. 1), a influencia do filósofo alemão na psicologia do norte-americano Carl Ransom Rogers, com a observância de que “[...] Bem ao gosto de Nietzsche, Rogers entendia que o existencial não se conforma ao empistemológico, e epistemofílico, pressuposto científico da busca de verdades. Não se conforma às esferas do conhecer, e do conhecimento, e de suas vontades”.
É nesse sentido que anota Speranza (2014, p. 1) que “[...] Tanto Nietzsche como a psicoterapia de base fenomenológica têm em comum a existência afirmativa da vida”. Por consequência, entende a autora em comento que a psicologia diante da espiritualidade humana, numa perspectiva fenomenológico-existencial, utiliza-se como referencial a filosofia de Nietzsche e a filosofia do diálogo do filósofo, escritor e pedagogo austríaco Martin Buber que influenciará tanto a Gestalt como a psicologia fenomenológico-existencial.
Acrescenta Fonseca (2014b, p. 1) que:
Um aspecto que parece um dos mais interessantes para a psicologia e psicoterapia fenomenológico-existencial é que, ao mesmo tempo, o próprio empirismo aporético de Brentano aplicado à consciência como método fenomenológico existencial especificamente experimental, parece intimamente aparentado ao método experimental perspectivativo de Nietzsche. De modo que estas duas vertentes fundamentais da concepção do experimental num sentido fenomenológico existencial compartilhariam raízes bastante próximas. [...]
Com essa associação, verifica-se o quanto o filósofo alemão influenciou as mais diversas correntes psicológicas, sendo, portanto, meritório de registro e destaque de sua importância para a psicologia contemporânea.

CONTRIBUIÇÕES NIETZSCHEANA PARA A PSICOLOGIA – Torna-se evidente, em primeiro lugar, a contribuição de Nietzsche para a Psicanálise freudeana, conforme Gasser (1987), mesmo tendo Freud relutado a vida inteira para, só perto da morte, admitir a importância de Nietzsche para a Psicologia.
Ter sido o filósofo aquele a assumir em suas obras a condição de psicólogo, tratando sobre paixões, desejos, afetos, pulsões da forma interdisciplinar a psicologia, morfologia, fisiologia, cultura, história, literatura, linguística e medicina, entre outras áreas do conhecimento, definindo-se por uma Fisiopsicologia que compreende uma visão além da realidade existencial dentro de uma dimensão pulsional. Constata-se, ainda, que Nietzsche coloca a Psicologia no centro da ciência.
Além do mais, identifica-se a nítida influência exercida pelo filósofo alemão no pensamento de Carl Rogers, Martin Buber, na Gestalt e na Psicologia Fenomelógico-Existencial.

REFERÊNCIAS
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* Trabalho desenvolvido para a disciplina Bases Filosóficas e Epistemologias da Psicologia, ministrada pelo Professor Álvaro Queiroz

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