DISTANÁSIA - A distanásia, segundo Martin (2007), é um
termo científico que foi cunhado por Morache, em 1904, em seu livro
"Naisance et mort", publicado em Paris. Oriunda do grego “dis”, significando mal, algo mal feito,
e “thánatos”, morte, segundo o autor
mencionado, é etimologicamente o contrário da eutanásia e é utilizada como a forma de prolongar a vida de modo
artificial, sem perspectiva de cura ou melhora.
Tendo por base as ideia expressas por Sousa (1994), Carneiro
(2007) e Cabral (2007), a distanásia encontra-se conceituada como sendo a
aplicação aos moribundos sofrimentos adicionais que, não conseguirão afastar a
morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias, sem respeitar o direito do
paciente a uma morte digna. Segundo Borges (2007), ela é o contrário da
eutanásia, também chamada de intensificação ou obstinação terapêutica, e
consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios,
proporcionados ou não, ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que
isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente,
não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou
uns dias em condições deploráveis para o enfermo. Revela a autora mencionada
que a expressão obstinação terapêutica, oriunda do francês l'acharnement
thérapeutique, foi
introduzida na linguagem médica francesa por Jean-Robert Debray, no início dos
anos 50, e foi definida como sendo o comportamento médico que consiste em
utilizar processos terapêuticos cujo efeito é mais nocivo do que os efeitos do
mal a curar, ou inútil, porque a cura é impossível e o benefício esperado, é
menor que os inconvenientes previsíveis, é uma postura ligada especialmente aos
paradigmas tecnocientífico e comercial-empresarial da medicina.
Já com base em Carvalho (2001), o termo distanásia vem
sendo utilizado para designar a obstinação terapêutica ou futilidade médica,
consistindo, portanto, na utilização injustificada de processos terapêuticos
que prolongam artificialmente a vida do paciente. E, neste sentido, chama a
autora atenção para o fato de que a insistência terapêutica, portanto,
caracteriza-se quando for possível avaliar-se que o estado de um determinado
paciente terminal não pode ser revertido pela terapia a ele imposta, a qual,
sendo retirada, importará na iminente constatação de sua morte cerebral.
Contudo, torna-se passível de questionamento se a interrupção dos meios
terapêuticos extraordinários pode caracterizar a eutanásia, no caso a chamada
ortotanásia, à medida que a conduta do agente, que deixa de utilizar os meios
adequados à manutenção (prolongamento) da vida do doente, poderia estar
causando a sua morte. Fica, portanto, entendido que a distanásia é a prática pela qual se continua
através de meios artificiais a vida de um enfermo incurável e representa
atualmente uma questão de bioética e biodireito.
Nesta condução, encontra-se que o Código de Ética Médica
vigente no Brasil, desde 1988, estabelece, em seu artigo 57, ser vedado ao
médico: "deixar de utilizar todos os
meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do
paciente". Já no seu artigo 130, veda ainda ao médico: "realizar experiências com novos
tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou
terminal, sem que haja esperança razoável de utilidade para o mesmo, não lhe
impondo sofrimentos adicionais". Observa-se, portanto, que com base
nas ideia de Ramos (2003), que a partir da publicação dos Códigos de Ética
Médica 1984 e 1988 a abordagem dos direitos do paciente terminal a não ter seu
tratamento complicado, ao alívio da dor e a não ser morto pelo médico, entra
numa nova fase com o surgimento de novos elementos, em grande parte trazidos
pelo progresso da tecnociência. Também chama atenção o autor, para o fato que
no Código de 1984 percebe-se a existência das tensões inerentes à aliança entre
a benignidade humanitária, o modelo científico-tecnológico e o medicocentrismo
autoritário. Sua benignidade humanitária insiste sobre o "absoluto
respeito pela vida humana", já exigido pelos Códigos de 1953 1965, e
reforçado pelo principio 9° do Código de 1984 com o seguinte acréscimo ao texto
da frase: "desde a concepção até a
morte". Ressalta, portanto, Augusto César Ramos que a dificuldade é
que esta valorização da vida tende a se traduzir numa preocupação com a máxima
prolongação da quantidade de vida biológica e no desvio de atenção da questão
da qualidade da vida prolongada. Desta forma, há um passo rumo à recuperação da
valorização da boa morte cultivada no artigo 6° do Código de 1988 que diz ser
antiético para o médico utilizar "seus
conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral". Mais
significativo ainda, porém, é o art. 61, parágrafo 2°, que incentiva o médico a
não abandonar seu paciente "por ser
este portador de moléstia crônica ou incurável" e a "continuara assisti-lo ainda que apenas para
mitigar o sofrimento físico ou psíquico". Este cuidado em mitigar não
apenas o sofrimento físico, mas também o psíquico é sintomático de uma nova
preocupação com integralidade da pessoa, que vai além da dor física. Este novo
cuidado se reflete no reconhecimento do direito do paciente terminal a não ter
seu tratamento complicado. Como no art. 23 do Código de 1984, há, no art. 60 do
Código de 1988, a proibição de "complicar
a terapêutica". Com isso, o autor menciona que fica também claro no
Código de 1988 a obrigação de o médico "utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu
alcance", mas a medida do seu uso não é sua eficácia em resolver o
problema técnico de como controlar o sofrimento e a morte, mas sim o benefício
do paciente. Isto nos permite questionar se a gestão técnica do sofrimento e o
adiar o momento do morrer são sempre do interesse do paciente, situação hoje
muito freqüente na fase final da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS.
Silva (2007) chama atenção para um outro aspecto
importante no Código de 1988, no que se refere ao direito do paciente de não
ter seu tratamento complicado, é a preocupação em regulamentar pesquisas
médicas em pacientes terminais. O art. 130 proíbe ao médico "Realizar
experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente com
afecção incurável ou terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para
o mesmo, não lhe impondo sofrimentos adicionais". Aqui não se trata de uma
rejeição da ciência e tecnologia, reconhece-se a legitimidade de recorrer a
tratamentos experimentais, mas a partir de um critério bem definido: existência
de uma esperança razoável de que o tratamento será útil para o próprio doente e
que este não sofrerá desnecessariamente. Vê-se, portanto, que a distanásia é
uma das questões contraditórias que permeia os debates médico-jurídicos no
presente, confrontando posicionamentos progressistas e religiosos de matéria
alusiva à bioética e ao biodireito.
No Brasil, na tradição da ética médica codificada,
baseada no atual Código de Ética Médica, encontra-se que a medicina com o
compromisso pela saúde e no bem-estar da pessoa, objetiva prolongar ao máximo o
tempo de vida de uma pessoa, tem-se encontrado o confronto entre o paradigma
médico da benignidade solidária e humanitária e a teologia moral, na discussão
que envolve o ideal comportamento mediante as questões atinentes à saúde e vida
como bens fundamentais. Desta forma, confrontam-se as correntes de natureza
religiosas e morais frente a perspectiva da benignidade humanitária e
solidária, discutindo-se a atitude médica da distanásia de prolongar a vida e
postergando a morte ao máximo possível do paciente. Indubitavelmente é uma
questão polêmica, complexa e controversa, ficando, pois, de importante, a
necessidade de aprofundados debates para que, com exaustivas discussões, se
chegue a um denominador comum.
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