BEM COMUM - Tratar acerca do bem comum
requer uma observação aprofundada, devido suas implicações conceituais,
notadamente em razão de ser um tema que se encontra inicialmente entre as
discussões dos sofistas, de Sócrates e de Platão.
Introdutoriamente, conforme Marques
(2002, p. 17), a noção de bem comum é a de que:
[...] remonta à
filosofia grega. Ela aparece no momento em que se colocou a questão da natureza
da sociedade humana agrupada em Estados que podem ou devem proporcionar um bem
a seus membros, que seja a todos igualmente acessível.
Em Platão (1979), encontra-se que o bem
comum transcendia os bens particulares ao menos no sentido de que a felicidade
do Estado devia ser superior e até independente das dos indivíduos. Por isso,
esse autor colocava o problema da medida e do modo da participação dos membros
da sociedade civil no bem comum.
Também Aristóteles (1979) defendia que a
sociedade organizada num estado era obrigada a proporcionar a cada membro a
felicidade e o bem-estar.
No direito, a noção de bem comum é
delineada entre os romanos, embora sua forma escolástica seja a mais
preponderante.
Nessa condução, Tomás de Aquino (1979),
tendo por base as ideias de Aristóteles, assinalava que a sociedade humana tem
fins próprios que são fins naturais, compatíveis com os fins espirituais e com
o bem supremo. Essa foi uma noção foi difundida pela Escolástica no sentido de
subordinar a ordem natural e temporal, como o direito e o Estado, à ordem
espiritual divina.
A tradição escolástica, na ótica de
Marques (2002, p. 17), costumava ver “[...] no bem comum o direito fundamental
da sociedade, de modo análogo aos direitos fundamentais da pessoa, com os quais
se relaciona como sua garantia e realização”. Nesse sentido, o bem comum passava
a exigir determinados requisitos condicionados à observância de disposição de
vida digna a todos os cidadãos.
Passaram-se os tempos e os autores
modernos se encaminharam para uma orientação contrária à defendida pela
Escolástica, considerando o bem comum como do Estado e como o único bem
possível.
Assinala Marques (2011, p. 18) que “[...]
Modernamente, o bem comum tem sido visto, corno uma
estrutura social na qual sejam possíveis formas de participação e de
comunicação de todos os indivíduos e grupos”.
Na visão neoliberal, o bem comum não é o
bem do Estado, mas da coletividade de pessoas livres, solidárias, onde delas
não se pode exigir individualmente mais do que se exige da sociedade como um
todo, bem de um individuo, nas mesmas condições, mais do que de outros,
incorporando-se, assim, ideais de justiça e de interesse público, de acordo com
a ideia de comunidade, como um todo. É o que entende Ferraz Junior (1977, p.
399) ao assinalar que:
O espírito neoliberal do nosso direito nos faz pensar que o bem comum não é o bem do Estado, mas da coletividade de
pessoas livres, solidárias, onde delas não se pode exigir, individualmente,
mais do que se exige da sociedade como um todo, nem de um indivíduo, nas mesmas
condições, mais do que de outro. Incorpora, assim, ideais de justiça e de
interesse público, de acordo com a idéia de comunidade como um todo. No mesmo
espírito, exige-se a independência política do Poder Judiciário, o único capaz, em última instância, de
conferir-lhe um sentido no caso concreto.
Tendo por base a revisão histórica
bibliográfica realizada, encontrando-se que, formalmente, o conceito de bem
comum é aberto possibilitando definições variadas. Em razão disso, entende
Diniz (2001, p. 165)
A noção de "bem comum" é bastante
complexa, metafísica e de difícil compreensão, cujo conceito dependerá da
filosofia política e jurídica adotada. Esta noção se compõem de múltiplos
elementos ou fatores, o que dará origem a várias definições. Assim se
reconhecem, geralmente, como elementos do bem comum, a liberdade, a paz, a
justiça, a segurança, a utilidade social, a solidariedade ou cooperação. O bem comum não resulta da
justaposição mecânica desses elementos, mas de sua harmonização em face da
realidade sociológica.
Em face dessa observação, entende Ferraz
Junior (1977) que a noção conceitual de bem comum traz dentro de sua
significação a dignidade ética que representa a presença inequívoca de um
fundamento moral para o direito. Por essa ótica, a significação de bem comum
traz a exigência de determinados requisitos condicionantes para a vida digna de
todos os cidadãos, não sendo apenas uma forma de repartição harmônica entre
vantagens e condições materiais, porém é aplicado o sentido de estabilidade
harmônica na sociedade, de ordem ética e na visão dos valores de qualquer ser
humano sobre qualquer interesse particular de quem quer que seja.
Para Martins Filho (2011, p. 1), o bem
comum:
[...] não é um
princípio meramente formal ou demasiadamente genérico e teórico, sem conteúdo
determinado, mas um princípio objetivo, que decorre da natureza das coisas e
possui inúmeras consequências práticas para o convívio social
Fica evidenciado, portanto, que o
conceito de bem comum pressupõe uma solução para o problema das relações entre
o individuo e a sociedade, sendo esta o todo social e a soma de todos os seus
membros.
A noção conceitual de bem comum, para
Martins Filho (2011, p. 1) se evidencia em razão de ser “[...] o fim das
pessoas singulares que existem na comunidade, como o fim do todo é o fim de
qualquer de suas partes", deixando claro tratar de ser o bem da
comunidade. Nesse sentido, acrescente Martins Filho (2011, p. 1) que as:
[...] noções
básicas devem ser aprofundadas, como instrumental indispensável para sua
compreensão: são as noções de Finalidade, de Bondade, de Participação, de
Comunidade e de Ordem. Da conjugação desses conceitos fundamentais é que se
extrairá a noção de Bem Comum.
Sob essa ótica, entende-se que o
principio ético do bem comum encontra correspondência com o princípio jurídico
do interesse público nas relações dos indivíduos com a sociedade. Isso quer
dizer que a promoção do bem comum é o atendimento por parte do Estado do
interesse público.
A respeito do interesse público, assinala
Vizzotto e Lima (2011, p. 7) que:
[...] o interesse público é a relação entre a sociedade e o bem comum que ela
almeja. Deste modo, em uma sociedade politicamente organizada, cabe ao
administrador público perseguir o bem comum, externando, por meio de suas ações
o interesse público, fim último do Estado.
Por essa correspondência surge o
principio da supremacia do interesse público prevendo os interesses coletivos
possuem supremacia sobre os interesses particulares. Na condução dessa
observação, entende Martins (2011) que a promoção do bem comum segue o
principio da preferência por ter primazia sobre qualquer bem particular,
limitando-se pela observância do principio da proporcionalidade. Assim, para o
autor, o bem comum exige as noções básicas de finalidade, participação,
comunidade, bem e ordem. Além disso, segundo Boff (2003), a sua promoção requer também interação
das relações pessoais e sociais. Nesse sentido, a observância da relação entre a
individualidade e a sociedade, traz a significação de preeminência do
individual ou do social, alinhando-se a uma série de concepções que aparecem
conciliatória ou próximas de um ou de outro extremo e, em conformidade com
essas variações, as qualidades que são imputadas com maior ou menor grau de
importância ao bem comum, como a liberdade, a solidariedade, a igualdade, a
ordem, a justiça, a paz, a utilidade social, a segurança, entre outras. Mais
ainda: os termos individualidade, sociedade e os demais relativos às relações
sociais, constituem os próprios conceitos em diversas concepções do bem comum,
não podendo ser subtraídos da situação nem proclamados constitutivos da noção
de modo universal, salvo num sentido altamente abstrato. Isso porque a noção de
bem comum introduz no direito um principio teleológico, uma vez que por seu
intermédio, a lei, o costume e a interpretação ganham uma dimensão finalista,
colocando-se a seu serviço.
Conduzindo-se para concluir a
conceituação acerca do principio do bem comum, no dizer de Ferraz Júnior
(1977), este tem um sentido normativo, uma vez que é uma exigência imperativa:
sendo, pois, que o bem comum deve ser realizado. E os interesses do bem comum
propõem exigências teleológicas. Assim sendo, fica entendido que por seu
caráter abstrato, o bem comum deve ser mantido abstrato no interesse mesmo da
integração do direito num sistema unitário, o seu conceito é bastante
apropriado para indicar os casos em que suas exigências estão sendo obedecidas
Ou seja, tanto para o interprete como para o legislador, as exigência do bem
comum são relativamente determináveis em função do respeito à pessoa, à sua
liberdade, à utilidade do comum, entre outras.
Na visão de Vizzotto e Lima (2011, p. 2),
o conceito de bem comum é “[...] correspondente à coexistência de um todo e das partes que o compõem1,
assim como a unidade na multiplicidade”, definindo que o bem de todos constitui
o patrimônio público que é indisponível, inviolável e tutelado por todos, sejam
os cidadãos, o Estado ou a sociedade. Assim, o bem comum, para Vizzotto e Lima
(2011, p. 6), encontra-se consagrado na Constituição Federal por meio da
exaltação dos valores correspondentes ao interesse público, assinalando que:
[...]
nenhum indivíduo pode alcançar seu fim particular senão enquanto parte de um
todo em que está inserido, de modo que apenas colaborando na consecução do fim
comum e ajudando os demais membros da sociedade a alcançar seu bem particular é
que se atinge o próprio bem. [...] Bem comum não é o bem produzido pela
comunidade na edificação de um Estado político que seria tomado como entidade
metafísica, neste caso seria uma utopia, ou seja, um bem que, pretendendo ser
de todos, na verdade não é de ninguém. [...] Bem comum é o bem que
é de todos, sendo de cada um e de todos os membros de uma sociedade. Isso é
possível porque o bem é comum por ser idêntico para cada um e é neste sentido
que o bem é de cada um e de todos. É de todos porque mantém a integridade do
corpo social e de cada um dos seus membros, respeitados na sua pessoa.
Vê-se, pois, conclusivamente que as
exigências do bem comum estão ligadas juridicamente ao respeito aos direitos
individuais constantes das previsões constitucionais.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Tomás. Suma teológica. São Paulo:
Abril Cultural, 1979.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:
Abril Cultural, 1979.
BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos
fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
DINIZ, Maria
Helena. Lei de introdução ao código
civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Bem comum.
São Paulo: Saraiva, 1977.
MARQUES, Jussara. Ordem pública, ordem
privada e bem comum: conceito e extensão nos direitos nacional e internacional.
Revista
Jurídica Cesumar, v.2, n. 1, 2002.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O
princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do interesse público. Jus
Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/11>. Acesso em: 9 mar. 2011.
PLATÃO, Política. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo:
Saraiva, 1998.
VIZZOTTO, Alberto; LIMA, Thiago. A busca
pelo princípio ético do bem comum, políticas públicas em um estado democrático de direito e a função
social da propriedade. IV Encontro Anual da Andeph, outubro de 2008.Disponível
em http://www.andhep.org.br/downloads/trabalhosIVencontro/AlbertoVizzotto.pdf.
Acesso em 9 mar 2011.
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