quarta-feira, 28 de maio de 2014

BEM COMUM


BEM COMUM - Tratar acerca do bem comum requer uma observação aprofundada, devido suas implicações conceituais, notadamente em razão de ser um tema que se encontra inicialmente entre as discussões dos sofistas, de Sócrates e de Platão.
Introdutoriamente, conforme Marques (2002, p. 17), a noção de bem comum é a de que:
[...] remonta à filosofia grega. Ela aparece no momento em que se colocou a questão da natureza da sociedade humana agrupada em Estados que podem ou devem proporcionar um bem a seus membros, que seja a todos igualmente acessível.
Em Platão (1979), encontra-se que o bem comum transcendia os bens particulares ao menos no sentido de que a felicidade do Estado devia ser superior e até independente das dos indivíduos. Por isso, esse autor colocava o problema da medida e do modo da participação dos membros da sociedade civil no bem comum.
Também Aristóteles (1979) defendia que a sociedade organizada num estado era obrigada a proporcionar a cada membro a felicidade e o bem-estar.
No direito, a noção de bem comum é delineada entre os romanos, embora sua forma escolástica seja a mais preponderante.
Nessa condução, Tomás de Aquino (1979), tendo por base as ideias de Aristóteles, assinalava que a sociedade humana tem fins próprios que são fins naturais, compatíveis com os fins espirituais e com o bem supremo. Essa foi uma noção foi difundida pela Escolástica no sentido de subordinar a ordem natural e temporal, como o direito e o Estado, à ordem espiritual divina.
A tradição escolástica, na ótica de Marques (2002, p. 17), costumava ver “[...] no bem comum o direito fundamental da sociedade, de modo análogo aos direitos fundamentais da pessoa, com os quais se relaciona como sua garantia e realização”. Nesse sentido, o bem comum passava a exigir determinados requisitos condicionados à observância de disposição de vida digna a todos os cidadãos.
Passaram-se os tempos e os autores modernos se encaminharam para uma orientação contrária à defendida pela Escolástica, considerando o bem comum como do Estado e como o único bem possível.
Assinala Marques (2011, p. 18) que “[...] Modernamente, o bem comum tem sido visto, corno uma estrutura social na qual sejam possíveis formas de participação e de comunicação de todos os indivíduos e grupos”.
Na visão neoliberal, o bem comum não é o bem do Estado, mas da coletividade de pessoas livres, solidárias, onde delas não se pode exigir individualmente mais do que se exige da sociedade como um todo, bem de um individuo, nas mesmas condições, mais do que de outros, incorporando-se, assim, ideais de justiça e de interesse público, de acordo com a ideia de comunidade, como um todo. É o que entende Ferraz Junior (1977, p. 399) ao assinalar que:
O espírito neoliberal do nosso direito nos faz pensar que o bem comum não é o bem do Estado, mas da coletividade de pessoas livres, solidárias, onde delas não se pode exigir, individualmente, mais do que se exige da sociedade como um todo, nem de um indivíduo, nas mesmas condições, mais do que de outro. Incorpora, assim, ideais de justiça e de interesse público, de acordo com a idéia de comunidade como um todo. No mesmo espírito, exige-se a independência política do Poder Judiciário, o único capaz, em última instância, de conferir-lhe um sentido no caso concreto.
Tendo por base a revisão histórica bibliográfica realizada, encontrando-se que, formalmente, o conceito de bem comum é aberto possibilitando definições variadas. Em razão disso, entende Diniz (2001, p. 165)
A noção de "bem comum" é bastante complexa, metafísica e de difícil compreensão, cujo conceito dependerá da filosofia política e jurídica adotada. Esta noção se compõem de múltiplos elementos ou fatores, o que dará origem a várias definições. Assim se reconhecem, geralmente, como elementos do bem comum, a liberdade, a paz, a justiça, a segurança, a utilidade social, a solidariedade ou cooperação. O bem comum não resulta da justaposição mecânica desses elementos, mas de sua harmonização em face da realidade sociológica.
Em face dessa observação, entende Ferraz Junior (1977) que a noção conceitual de bem comum traz dentro de sua significação a dignidade ética que representa a presença inequívoca de um fundamento moral para o direito. Por essa ótica, a significação de bem comum traz a exigência de determinados requisitos condicionantes para a vida digna de todos os cidadãos, não sendo apenas uma forma de repartição harmônica entre vantagens e condições materiais, porém é aplicado o sentido de estabilidade harmônica na sociedade, de ordem ética e na visão dos valores de qualquer ser humano sobre qualquer interesse particular de quem quer que seja.
Para Martins Filho (2011, p. 1), o bem comum:
[...] não é um princípio meramente formal ou demasiadamente genérico e teórico, sem conteúdo determinado, mas um princípio objetivo, que decorre da natureza das coisas e possui inúmeras consequências práticas para o convívio social
Fica evidenciado, portanto, que o conceito de bem comum pressupõe uma solução para o problema das relações entre o individuo e a sociedade, sendo esta o todo social e a soma de todos os seus membros.
A noção conceitual de bem comum, para Martins Filho (2011, p. 1) se evidencia em razão de ser “[...] o fim das pessoas singulares que existem na comunidade, como o fim do todo é o fim de qualquer de suas partes", deixando claro tratar de ser o bem da comunidade. Nesse sentido, acrescente Martins Filho (2011, p. 1) que as:
[...] noções básicas devem ser aprofundadas, como instrumental indispensável para sua compreensão: são as noções de Finalidade, de Bondade, de Participação, de Comunidade e de Ordem. Da conjugação desses conceitos fundamentais é que se extrairá a noção de Bem Comum.
Sob essa ótica, entende-se que o principio ético do bem comum encontra correspondência com o princípio jurídico do interesse público nas relações dos indivíduos com a sociedade. Isso quer dizer que a promoção do bem comum é o atendimento por parte do Estado do interesse público.
A respeito do interesse público, assinala Vizzotto e Lima (2011, p. 7) que:
[...] o interesse público é a relação entre a sociedade e o bem comum que ela almeja. Deste modo, em uma sociedade politicamente organizada, cabe ao administrador público perseguir o bem comum, externando, por meio de suas ações o interesse público, fim último do Estado.
Por essa correspondência surge o principio da supremacia do interesse público prevendo os interesses coletivos possuem supremacia sobre os interesses particulares. Na condução dessa observação, entende Martins (2011) que a promoção do bem comum segue o principio da preferência por ter primazia sobre qualquer bem particular, limitando-se pela observância do principio da proporcionalidade. Assim, para o autor, o bem comum exige as noções básicas de finalidade, participação, comunidade, bem e ordem. Além disso, segundo Boff (2003), a sua promoção requer também interação das relações pessoais e sociais. Nesse sentido, a observância da relação entre a individualidade e a sociedade, traz a significação de preeminência do individual ou do social, alinhando-se a uma série de concepções que aparecem conciliatória ou próximas de um ou de outro extremo e, em conformidade com essas variações, as qualidades que são imputadas com maior ou menor grau de importância ao bem comum, como a liberdade, a solidariedade, a igualdade, a ordem, a justiça, a paz, a utilidade social, a segurança, entre outras. Mais ainda: os termos individualidade, sociedade e os demais relativos às relações sociais, constituem os próprios conceitos em diversas concepções do bem comum, não podendo ser subtraídos da situação nem proclamados constitutivos da noção de modo universal, salvo num sentido altamente abstrato. Isso porque a noção de bem comum introduz no direito um principio teleológico, uma vez que por seu intermédio, a lei, o costume e a interpretação ganham uma dimensão finalista, colocando-se a seu serviço.
Conduzindo-se para concluir a conceituação acerca do principio do bem comum, no dizer de Ferraz Júnior (1977), este tem um sentido normativo, uma vez que é uma exigência imperativa: sendo, pois, que o bem comum deve ser realizado. E os interesses do bem comum propõem exigências teleológicas. Assim sendo, fica entendido que por seu caráter abstrato, o bem comum deve ser mantido abstrato no interesse mesmo da integração do direito num sistema unitário, o seu conceito é bastante apropriado para indicar os casos em que suas exigências estão sendo obedecidas Ou seja, tanto para o interprete como para o legislador, as exigência do bem comum são relativamente determináveis em função do respeito à pessoa, à sua liberdade, à utilidade do comum, entre outras.
Na visão de Vizzotto e Lima (2011, p. 2), o conceito de bem comum é “[...] correspondente à coexistência de um todo e das partes que o compõem1, assim como a unidade na multiplicidade”, definindo que o bem de todos constitui o patrimônio público que é indisponível, inviolável e tutelado por todos, sejam os cidadãos, o Estado ou a sociedade. Assim, o bem comum, para Vizzotto e Lima (2011, p. 6), encontra-se consagrado na Constituição Federal por meio da exaltação dos valores correspondentes ao interesse público, assinalando que:
[...] nenhum indivíduo pode alcançar seu fim particular senão enquanto parte de um todo em que está inserido, de modo que apenas colaborando na consecução do fim comum e ajudando os demais membros da sociedade a alcançar seu bem particular é que se atinge o próprio bem. [...] Bem comum não é o bem produzido pela comunidade na edificação de um Estado político que seria tomado como entidade metafísica, neste caso seria uma utopia, ou seja, um bem que, pretendendo ser de todos, na verdade não é de ninguém. [...] Bem comum é o bem que é de todos, sendo de cada um e de todos os membros de uma sociedade. Isso é possível porque o bem é comum por ser idêntico para cada um e é neste sentido que o bem é de cada um e de todos. É de todos porque mantém a integridade do corpo social e de cada um dos seus membros, respeitados na sua pessoa.
Vê-se, pois, conclusivamente que as exigências do bem comum estão ligadas juridicamente ao respeito aos direitos individuais constantes das previsões constitucionais.

REFERÊNCIAS
AQUINO, Tomás. Suma teológica. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Bem comum. São Paulo: Saraiva, 1977.
MARQUES, Jussara. Ordem pública, ordem privada e bem comum: conceito e extensão nos direitos nacional e internacional. Revista Jurídica Cesumar, v.2, n. 1, 2002.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O princípio ético do bem comum e a concepção jurídica do interesse público. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11>. Acesso em: 9 mar. 2011.
PLATÃO, Política. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1998.
VIZZOTTO, Alberto; LIMA, Thiago. A busca pelo princípio ético do bem comum, políticas públicas em um estado democrático de direito e a função social da propriedade. IV Encontro Anual da Andeph, outubro de 2008.Disponível em http://www.andhep.org.br/downloads/trabalhosIVencontro/AlbertoVizzotto.pdf. Acesso em 9 mar 2011.

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