domingo, 26 de abril de 2015

PSICOPATOLOGIA & A MEMÓRIA E SUAS ALTERAÇÕES


MEMÓRIA - A memória, para Dalgalarrondo (2008), é a capacidade de registrar, manter e evocar as experiências e os fatos já ocorridos. A capacidade de memorizar relaciona-se intimamente com o nível de consciência, com a atenção e com o interesse afetivo. Os processos da memória são codificação, armazenamento e recuperação.

TIPOS DE MEMÓRIA – Para Dalgalarrondo (2008), os tipos de memória são: cognitiva, genética, imunológica, coletiva ou cultural.
Memória cognitiva (psicológica), que permite ao indivíduo registrar, conservar e evocar, a qualquer momento, os dados aprendidos da experiência. A memória cognitiva é composta de três fases ou elementos básicos: Fase de registro (percepção, gerenciamento e início da fixação) Fase de conservação (retenção) Fase de evocação (também denominada de lembranças, recordações ou recuperação).
Memória genética (genótipo): conteúdos de informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie, contidas no material genético (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias) dos seres vivos.
Memória imunológica: informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema imunológico de um ser vivo.
Memória coletiva ou cultural: conhecimentos e práticas culturais (costumes, valores, habilidades artísticas e estéticas, preconceitos, ideologias, estilo de vida, etc.) produzidos, acumulados e mantidos por um grupo social minimamente estável.

FATORES PSICOLÓGICOS DO PROCESSO DE MEMORIZAÇÃO - Dalgalarrondo (2008) assinala que do ponto de vista psicológico, o processo de fixação (engramação) depende de: nível de consciência e estado geral do organismo (o indivíduo deve estar desperto, não muito cansado, bem-nutrido, calmo, etc.); atenção global e capacidade de manutenção de atenção concentrada sobre o conteúdo a ser fixado (capacidade do indivíduo concentrar-se); sensopercepção preservada; interesse e colorido emocional relacionado ao conteúdo mnêmico a ser fixado, assim como do empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade); conhecimento anterior (elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos); capacidade de compreensão do conteúdo a ser fixado; organização temporal das repetições (distribuição harmônica e ritmada no tempo auxilia na fixação de novos elementos); canais sensoperceptivos envolvidos na percepção, já que, quanto maior o número de canais sensoriais, mais eficaz a fixação (p. ex., o método audiovisual de ensino de línguas).
A conservação (retenção) dos elementos mnêmicos depende de: repetição (pois, de modo geral, quanto mais se repete um conteúdo, mais facilmente este se conserva); associação com outros elementos (cadeia de elementos mnêmicos).
A evocação é a capacidade de recuperar e atualizar os dados fixados.
Esquecimento é a denominação que se dá à impossibilidade de evocar e recordar. Segundo Dalgalarrondo (2008), o esquecimento (o oposto da evocação) se dá por três vias: esquecimento normal, fisiológico: por desinteresse do indivíduo ou por desuso; esquecimento por repressão: quando se trata de conteúdo desagradável ou pouco importante para o indivíduo, podendo, no entanto, o sujeito, por esforço próprio, voltar a recordar certos conteúdos reprimidos (que ficam estocados no préconsciente); e esquecimento por recalque: certos conteúdos mnêmicos, devido ao fato de serem emocionalmente insuportáveis, são banidos da consciência, podendo ser recuperados apenas em circunstâncias especiais (ficam estocados no inconsciente). Segundo a lei de Ribot, o indivíduo que sofre uma lesão ou doença cerebral, sempre que esse processo patológico atinge seus mecanismos mnêmicos de registro e recordação, tende a perder os conteúdos da memória (esquecimento) seguindo algumas regularidades: o sujeito perde as lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu; consequência do item anterior, ele perde primeiro elementos recentemente adquiridos e, depois, os elementos mais antigos; perde primeiro elementos mais complexos e, depois, os mais simples; perde primeiro os elementos mais estranhos, menos habituais e, só posteriormente, os mais familiares; primeiramente, perde os conteúdos mais neutros; depois, perde os elementos afetivos e, apenas no fim, os hábitos e os comportamentos costumeiros mais profundamente enraizados no repertório comportamental e mental.
O reconhecimento é a capacidade de identificar o conteúdo mnêmico como lembrança e diferenciá-la da imaginação e de representações atuais.

FASES OU TIPOS DE MEMÓRIA - Dalgalarrondo (2008) observa que em relação ao processo temporal de aquisição e evocação de elementos mnêmicos, a neuropsicologia moderna divide a memória em quatro fases ou tipos: imediata ou de curtíssimo prazo, recente ou de curto prazo, remota ou de longo prazo.
A memória imediata ou de curtíssimo prazo (de poucos segundos até 1 a 3 minutos). Este tipo de memória confunde-se com a atenção e com a memória de trabalho (que será vista adiante), pois é a capacidade de reter o material (palavras, números, imagens, etc.) imediatamente após ser percebido. A memória imediata tem capacidade limitada e depende da concentração, da fatigabilidade e de certo treino. As memórias imediata e de trabalho dependem sobretudo da integridade das áreas pré-frontais.
A memória recente ou de curto prazo (de poucos minutos até 3 a 6 horas). Refere-se à capacidade de reter a informação por curto período. Também é um tipo de memória de capacidade limitada. A memória recente depende de estruturas cerebrais das partes mediais dos lobos temporais, como a região CA1 do hipocampo, do córtex entorrinal, assim como do córtex parietal posterior.
A memória remota ou de longo prazo (de meses até muitos anos). É a capacidade de evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado, geralmente após muito tempo do evento (pode durar por toda a vida). É um tipo de memória de capacidade bem mais ampla que a imediata e a recente. Acredita-se que a memória remota relaciona-se tanto ao hipocampo (no processo de transferência de memórias recentes para remotas) como a amplas e difusas áreas corticais, principalmente frontais, incluindo todos os outros lobos cerebrais, sobretudo em suas áreas corticais de associação.

ALTERAÇÕES DA MEMÓRIA – As alterações da memoria são classificadas em quantitativas e qualitativas.

ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS – As alterações quantitativas compreendem a hipermnesia, a hipmnesia e a amnesia.

A HIPERMNESIA – Conforme Paim (1993), a hipermnesia ocorre quando se evocam lembranças casuais com mais vivacidade e exatidão que ordinariamente, ou quando se recordam particularidades que comumente não surgem. Não existe na realidade aumento da memoria; verifica-se apenas maior facilidade na evocação, limitada habitualmente a períodos específicos, a eventualidades específicas ou a experiências realizadas com afetos particularmente intensos. As hipermnésias, para Dalgalarrondo (2008), são as representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente, em tropel, ganhando em número, perdendo, porém, em clareza e precisão. A hipermnésia traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória.

A HIPOMNESIA – A hipomnesia, para Paim (1993), é a diminuição do numero de lembras evocáveis na unidade de tempo.

A AMNÉSIA – A amnesia, segundo Paim (1993), é a desaparição completa das representações mnêmicas correspondentes a um determinado tempo da vida do individuo.
Denomina-se amnésia, para Dalgalarrondo (2008), a perda da memória, seja a da capacidade de fixar ou a da capacidade de manter e evocar antigos conteúdos mnêmicos.
A amnésia anterógrada designa a amnesia que se refere aos fatos transcorridos depois da causa determinante do distúrbio, como sinônimo de perturbação da fixação. Ocorre nos casos de ofuscamento da consciência, nos estados de agitação, na síndrome de Korsakov. Os doentes com amnesia anterógrada não podem relembrar os fatos recentes, conservando entretanto a capacidade para recordar acontecimentos do passado mais remoto. Observa-se como fato geral que os defeitos pronunciados da fixação se acompanham frequentemente de fabulações. Na amnésia anterógrada, Dalgalarrondo (2008) identifica que o indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou o dano cerebral. A amnésia anterógrada é um distúrbio-chave e bastante frequente na maior
parte dos distúrbios neurocognitivos.
A amnesia retrógrada refere-se à perda da memoria dos fatos ocorridos antes de um insulto cerebral (traumatismos cranianos, apoplexia, ictus paralítico, eclampsia, tentativas e enforcamento, intoxicação por óxido de carbono, embriaguez grave) e que se estende a dias ou semanas para trás da lesão. Consiste habitualmente, na perda da memoria relativa a um espaço de tempo limitado: algumas horas, dias, mais raramente semanas ou anos. Em alguns casos, a amnesia retrógrada pode compreender todos os acontecimentos anteriores da vida do enfermo. Segundo Dalgalarrondo (2008), na amnésia retrógrada, o indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do início da doença (ou trauma). Sua ocorrência sem amnésia anterógrada pode ser observada em quadros dissociativos (psicogênicos), como a amnésia dissociativa e a fuga dissociativa.
A amnesia retroanterógrada é a que se refere aos fatos ocorridos antes e depois da causa determinante. Trata-se de uma alteração simultânea da fixação e da evocação. Encontra-se nos casos graves de demências orgânicas, de amência e de traumatismo cranioencefálicos. Se é de instalação súbita e total, privando o individuo da capacidade de compreensão e de orientação no tempo e no espaço, toma o nome de psicorrexe.
A amnesia transitória se caracteriza pela incapacidade de fixar acontecimentos recentes. Os enfermos conservam a capacidade de evocação, porém revelam transtornos da orientação têmporo-espacial, fabulações e perseveração.
A amnesia lacunar ocorre nos casos de traumatismos cranioencefálicos. Esta perda de memória esteve na razão inversa do tempo que decorreu entre as ações e a queda, e a volta da memoria operou-se numa ordem determinada, do mais longínquo para o mais próximo.

ALTERAÇÕES QUALITATIVAS – Para Paim (1993), os transtornos qualitativos da memória de evocação denominam-se de paramnésias, as quais são divididas em ilusões mnêmicas, alucinações mnêmicas, fabulações, fenômeno do já visto, cruotomnesia e ecmnesia.
As ilusões mnêmicas são constituídas pela formação das lembranças em virtude do acréscimo de elementos falsos ao núcleo da imagem mnêmica, razão pela qual esta adquire o caráter de lembrança fictícia. Segundo Dalgalarrondo (2008), nas ilusões mnêmicas há o acréscimo de elementos falsos a um núcleo verdadeiro de memória. Por isso, a lembrança adquire caráter fictício. Muitos pacientes informam sobre o seu passado indicando claramente deformação de lembranças reais. Ocorre na esquizofrenia, na paranóia, na histeria grave, nos transtornos da personalidade (borderline, histriônica, esquizotípica, etc).
As alucinações mnêmicas são as criações imaginativas com aparência de reminiscência, que não correspondem a nenhuma imagem de épocas passadas. Segundo Dalgalarrondo (2008), as alucinações mnêmicas são verdadeiras criações imaginativas com a aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino, sem corresponder a qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na esquizofrenia e em outras psicoses funcionais.
As fabulações consistem no relato de coisas fantásticas que, na realidade, nunca aconteceram. Em grande parte, resultam de uma alteração da fixação e de uma incapacidade para reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia. Segundo Dalgalarrondo (2008), as fabulações (ou confabulações), os elementos da imaginação do doente ou mesmo lembranças isoladas completam artificialmente as lacunas de memória, produzidas, em geral, por déficit da memória de fixação. Além do déficit de fixação, o doente não é capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia. As fabulações (ou confabulações) são invenções, produtos da imaginação do paciente, que preenchem um vazio da memória. O paciente não tem intenção de mentir ou enganar o entrevistador. É possível produzi-las, direcioná-las ou estimulá-las ao perguntar ao doente se ele lembra de um encontro há dois anos, em um bar de seu bairro, ou perguntando-lhe o que fez no domingo anterior (ou na noite passada). As fabulações são entendidas como um déficit de “monitoração da realidade”. Ocorrem frequentemente na síndrome de Korsakoff, secundária ao alcoolismo crônico, associado a déficit da tiamina (vitamina B1), traumatismo craniano, encefalite herpética, intoxicação pelo monóxido de carbono, etc. A síndrome de Korsakoff é caracterizada por déficit intenso de memória de fixação (sobretudo do tipo episódica), que geralmente vem acompanhado de fabulações e desorientação temporoespacial.
O fenômeno do já visto consiste no fato de o individuo ter a impressão de que a vivencia atual foi experimentada no passado.
A criptomnésia é um falseamento da memória em virtude do qual as lembranças perdem suas qualidades e aparecem ao paciente como fatos novos.
A ecmnesia consiste na revivescência muito intensa, às vezes de duração breve, de lembranças anteriores que pareciam esquecidas. Esses indivíduos podem perder a identidade atual e vivem as cenas evocadas como se estivessem recolocados na época de sua existência em que elas sucederam.

REFERÊNCIAS
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PAIM, Isaías. Curso de psicopatologia. São Paulo: EPU, 1993.


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