MEMÓRIA - A memória,
para Dalgalarrondo (2008), é a capacidade de registrar, manter e evocar as experiências
e os fatos já ocorridos. A capacidade de
memorizar relaciona-se intimamente com o nível de consciência, com a atenção e
com o interesse afetivo. Os processos da memória são codificação, armazenamento e recuperação.
TIPOS DE MEMÓRIA – Para Dalgalarrondo (2008), os tipos de memória são: cognitiva,
genética, imunológica, coletiva ou cultural.
Memória cognitiva (psicológica), que permite
ao indivíduo registrar, conservar e evocar, a qualquer momento, os dados
aprendidos da experiência. A memória cognitiva é composta de três fases ou
elementos básicos: Fase de registro (percepção, gerenciamento e início da fixação) Fase de conservação (retenção) Fase de evocação (também denominada de
lembranças, recordações ou recuperação).
Memória genética (genótipo): conteúdos de
informações biológicas adquiridos ao longo da história filogenética da espécie,
contidas no material genético (DNA, RNA, cromossomos, mitocôndrias) dos seres
vivos.
Memória imunológica: informações registradas e potencialmente recuperáveis pelo sistema
imunológico de um ser vivo.
Memória coletiva ou cultural: conhecimentos e práticas culturais (costumes, valores, habilidades artísticas
e estéticas, preconceitos, ideologias, estilo de vida, etc.) produzidos, acumulados
e mantidos por um grupo social minimamente estável.
FATORES PSICOLÓGICOS DO PROCESSO DE MEMORIZAÇÃO
- Dalgalarrondo (2008) assinala que do ponto de vista psicológico, o processo de fixação (engramação) depende de: nível
de consciência e estado geral do organismo (o indivíduo deve estar desperto,
não muito cansado, bem-nutrido, calmo, etc.); atenção global e capacidade de manutenção
de atenção concentrada sobre o conteúdo a ser fixado (capacidade do indivíduo
concentrar-se); sensopercepção preservada; interesse e colorido emocional
relacionado ao conteúdo mnêmico a ser fixado, assim como do empenho do
indivíduo em aprender (vontade e afetividade); conhecimento anterior (elementos
já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos); capacidade de compreensão do conteúdo
a ser fixado; organização temporal das repetições (distribuição harmônica e ritmada
no tempo auxilia na fixação de novos elementos); canais sensoperceptivos
envolvidos na percepção, já que, quanto maior o número de canais sensoriais, mais
eficaz a fixação (p. ex., o método audiovisual de ensino de línguas).
A conservação
(retenção) dos elementos mnêmicos depende de: repetição
(pois, de modo geral, quanto mais se repete um conteúdo, mais facilmente este
se conserva); associação com outros elementos (cadeia de elementos mnêmicos).
A evocação é a capacidade de recuperar e
atualizar os dados fixados.
Esquecimento é a denominação que se dá à
impossibilidade de evocar e recordar. Segundo Dalgalarrondo
(2008), o esquecimento (o oposto da evocação) se dá por três vias: esquecimento normal, fisiológico: por desinteresse do indivíduo ou por
desuso; esquecimento por repressão: quando se trata de conteúdo desagradável ou pouco importante para o
indivíduo, podendo, no entanto, o sujeito, por esforço próprio, voltar a recordar
certos conteúdos reprimidos (que ficam estocados no préconsciente); e esquecimento
por recalque: certos
conteúdos mnêmicos, devido ao fato de serem emocionalmente insuportáveis, são
banidos da consciência, podendo ser recuperados apenas em circunstâncias
especiais (ficam estocados no inconsciente). Segundo a lei de Ribot, o indivíduo que sofre uma
lesão ou doença cerebral, sempre que esse processo patológico atinge seus
mecanismos mnêmicos de registro e recordação, tende a perder os conteúdos da
memória (esquecimento) seguindo algumas regularidades: o sujeito perde as
lembranças e seus conteúdos na ordem e no sentido inverso que os adquiriu; consequência
do item anterior, ele perde primeiro elementos recentemente adquiridos e,
depois, os elementos mais antigos; perde primeiro elementos mais complexos e,
depois, os mais simples; perde primeiro os elementos mais estranhos, menos
habituais e, só posteriormente, os mais familiares; primeiramente, perde os
conteúdos mais neutros; depois, perde os elementos afetivos e, apenas no fim,
os hábitos e os comportamentos costumeiros mais profundamente enraizados no
repertório comportamental e mental.
O reconhecimento é a capacidade de identificar o
conteúdo mnêmico como lembrança e diferenciá-la da imaginação e de
representações atuais.
FASES OU TIPOS DE MEMÓRIA - Dalgalarrondo (2008) observa que em relação
ao processo temporal de aquisição e evocação de elementos mnêmicos, a
neuropsicologia moderna divide a memória em quatro fases ou tipos: imediata ou
de curtíssimo prazo, recente ou de curto prazo, remota ou de longo prazo.
A memória imediata ou
de curtíssimo prazo (de poucos segundos até 1 a 3 minutos). Este tipo de memória confunde-se com a atenção e
com a memória de trabalho (que será vista adiante), pois é a capacidade de
reter o material (palavras, números, imagens, etc.) imediatamente após ser
percebido. A memória imediata tem capacidade limitada e depende da concentração,
da fatigabilidade e de certo treino. As memórias imediata e de trabalho
dependem sobretudo da integridade das áreas pré-frontais.
A memória recente ou de
curto prazo (de poucos minutos até 3 a 6 horas). Refere-se à capacidade de reter a informação por curto período.
Também é um tipo de memória de capacidade limitada. A memória recente depende
de estruturas cerebrais das partes mediais dos lobos temporais, como a região
CA1 do hipocampo, do córtex entorrinal, assim como do córtex parietal posterior.
A memória remota ou
de longo prazo (de meses até muitos anos). É a capacidade de evocação de informações e acontecimentos ocorridos
no passado, geralmente após muito tempo do evento (pode durar por toda a vida).
É um tipo de memória de capacidade bem mais ampla que a imediata e a recente.
Acredita-se que a memória remota relaciona-se tanto ao hipocampo (no processo
de transferência de memórias recentes para remotas) como a amplas e difusas
áreas corticais, principalmente frontais, incluindo todos os outros lobos cerebrais,
sobretudo em suas áreas corticais de associação.
ALTERAÇÕES DA MEMÓRIA – As alterações da
memoria são classificadas em quantitativas e qualitativas.
ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS – As alterações
quantitativas compreendem a hipermnesia, a hipmnesia e a amnesia.
A HIPERMNESIA – Conforme Paim (1993), a
hipermnesia ocorre quando se evocam lembranças casuais com mais vivacidade e
exatidão que ordinariamente, ou quando se recordam particularidades que
comumente não surgem. Não existe na realidade aumento da memoria; verifica-se
apenas maior facilidade na evocação, limitada habitualmente a períodos específicos,
a eventualidades específicas ou a experiências realizadas com afetos particularmente
intensos. As hipermnésias, para Dalgalarrondo (2008), são as representações
(elementos mnêmicos) afluem rapidamente, em tropel, ganhando em número,
perdendo, porém, em clareza e precisão. A hipermnésia traduz mais a aceleração
geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória.
A HIPOMNESIA – A hipomnesia, para Paim
(1993), é a diminuição do numero de lembras evocáveis na unidade de tempo.
A AMNÉSIA – A amnesia, segundo Paim
(1993), é a desaparição completa das representações mnêmicas correspondentes a
um determinado tempo da vida do individuo.
Denomina-se amnésia, para Dalgalarrondo (2008), a perda da memória,
seja a da capacidade de fixar ou a da capacidade de manter e evocar antigos
conteúdos mnêmicos.
A amnésia anterógrada designa a amnesia
que se refere aos fatos transcorridos depois da causa determinante do distúrbio,
como sinônimo de perturbação da fixação. Ocorre nos casos de ofuscamento da
consciência, nos estados de agitação, na síndrome de Korsakov. Os doentes com
amnesia anterógrada não podem relembrar os fatos recentes, conservando
entretanto a capacidade para recordar acontecimentos do passado mais remoto. Observa-se
como fato geral que os defeitos pronunciados da fixação se acompanham
frequentemente de fabulações. Na amnésia anterógrada, Dalgalarrondo (2008) identifica que o indivíduo
não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que lhe causou o
dano cerebral. A amnésia anterógrada é um distúrbio-chave e bastante frequente na
maior
parte dos distúrbios neurocognitivos.
A amnesia retrógrada refere-se à perda da
memoria dos fatos ocorridos antes de um insulto cerebral (traumatismos
cranianos, apoplexia, ictus paralítico, eclampsia, tentativas e enforcamento,
intoxicação por óxido de carbono, embriaguez grave) e que se estende a dias ou
semanas para trás da lesão. Consiste habitualmente, na perda da memoria
relativa a um espaço de tempo limitado: algumas horas, dias, mais raramente
semanas ou anos. Em alguns casos, a amnesia retrógrada pode compreender todos
os acontecimentos anteriores da vida do enfermo. Segundo Dalgalarrondo (2008), na amnésia retrógrada, o indivíduo
perde a memória para fatos ocorridos antes do início da doença (ou trauma). Sua
ocorrência sem amnésia anterógrada pode ser observada em quadros dissociativos (psicogênicos),
como a amnésia dissociativa e a fuga dissociativa.
A amnesia retroanterógrada é a que se
refere aos fatos ocorridos antes e depois da causa determinante. Trata-se de
uma alteração simultânea da fixação e da evocação. Encontra-se nos casos graves
de demências orgânicas, de amência e de traumatismo cranioencefálicos. Se é de
instalação súbita e total, privando o individuo da capacidade de compreensão e
de orientação no tempo e no espaço, toma o nome de psicorrexe.
A amnesia transitória se caracteriza pela
incapacidade de fixar acontecimentos recentes. Os enfermos conservam a
capacidade de evocação, porém revelam transtornos da orientação
têmporo-espacial, fabulações e perseveração.
A amnesia lacunar ocorre nos casos de
traumatismos cranioencefálicos. Esta perda de memória esteve na razão inversa
do tempo que decorreu entre as ações e a queda, e a volta da memoria operou-se
numa ordem determinada, do mais longínquo para o mais próximo.
ALTERAÇÕES QUALITATIVAS – Para Paim
(1993), os transtornos qualitativos da memória de evocação denominam-se de paramnésias,
as quais são divididas em ilusões mnêmicas, alucinações mnêmicas, fabulações, fenômeno
do já visto, cruotomnesia e ecmnesia.
As
ilusões mnêmicas são constituídas pela formação das lembranças em virtude do
acréscimo de elementos falsos ao núcleo da imagem mnêmica, razão pela qual esta
adquire o caráter de lembrança fictícia. Segundo Dalgalarrondo (2008), nas ilusões mnêmicas há o acréscimo de
elementos falsos a um núcleo verdadeiro de memória. Por isso, a lembrança adquire
caráter fictício. Muitos pacientes informam sobre o seu passado indicando
claramente deformação de lembranças reais. Ocorre na esquizofrenia, na
paranóia, na histeria grave, nos transtornos da personalidade (borderline, histriônica, esquizotípica,
etc).
As alucinações mnêmicas são as criações
imaginativas com aparência de reminiscência, que não correspondem a nenhuma
imagem de épocas passadas. Segundo Dalgalarrondo (2008), as alucinações
mnêmicas são verdadeiras criações imaginativas com a
aparência de lembranças ou reminiscências que não correspondem a qualquer
elemento mnêmico, a qualquer lembrança verdadeira. Podem surgir de modo repentino,
sem corresponder a qualquer acontecimento. Ocorrem principalmente na
esquizofrenia e em outras psicoses funcionais.
As fabulações consistem no relato de
coisas fantásticas que, na realidade, nunca aconteceram. Em grande parte,
resultam de uma alteração da fixação e de uma incapacidade para reconhecer como
falsas as imagens produzidas pela fantasia. Segundo Dalgalarrondo (2008), as fabulações (ou
confabulações), os elementos da imaginação do doente
ou mesmo lembranças isoladas completam artificialmente as lacunas de memória,
produzidas, em geral, por déficit da memória de fixação. Além do déficit de
fixação, o doente não é capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas pela
fantasia. As fabulações (ou confabulações) são invenções, produtos da
imaginação do paciente, que preenchem um vazio da memória. O paciente não tem
intenção de mentir ou enganar o entrevistador. É possível produzi-las,
direcioná-las ou estimulá-las ao perguntar ao doente se ele lembra de um
encontro há dois anos, em um bar de seu bairro, ou perguntando-lhe o que fez no
domingo anterior (ou na noite passada). As fabulações são entendidas como um
déficit de “monitoração da realidade”. Ocorrem frequentemente na síndrome de Korsakoff, secundária ao
alcoolismo crônico, associado a déficit da tiamina (vitamina B1), traumatismo craniano,
encefalite herpética, intoxicação pelo monóxido de carbono, etc. A síndrome de
Korsakoff é caracterizada por déficit intenso de memória de fixação (sobretudo do
tipo episódica), que geralmente vem acompanhado de fabulações e desorientação temporoespacial.
O fenômeno do já visto consiste no fato
de o individuo ter a impressão de que a vivencia atual foi experimentada no
passado.
A criptomnésia é um falseamento da
memória em virtude do qual as lembranças perdem suas qualidades e aparecem ao
paciente como fatos novos.
A ecmnesia consiste na revivescência muito
intensa, às vezes de duração breve, de lembranças anteriores que pareciam
esquecidas. Esses indivíduos podem perder a identidade atual e vivem as cenas
evocadas como se estivessem recolocados na época de sua existência em que elas
sucederam.
REFERÊNCIAS
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e
semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PAIM, Isaías. Curso de psicopatologia. São Paulo: EPU, 1993.
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