sábado, 11 de abril de 2015

PARA ALÉM DO CAPITAL, DE MESZAROS


O “cantinho do mundo” de que Marx falou em 1858 já não é mais um cantinho: os sérios problemas da crescente saturação do sistema do capital lançaram suas sombras por toda parte. A histórica ascendência do capital está hoje consumada naquele “terreno bem mais vasto” cuja desconcertante existência Marx teve de reconhecer em sua carta de 8 de outubro de 1858 para Engels. Vivemos hoje em um mundo firmemente mantido sob as rédeas do capital, numa era de promessas não cumpridas e esperanças amargamente frustradas, que até o momento só se sustentam por uma teimosa esperança.
[...] Há uma enorme discussão a respeito do grave, e hoje obviamente inadministrável, endividamento dos países latino-americanos, bem como em relação às perigosas implicações de tal dívida para o sistema financeiro mundial como um todo. Embora não se possa negar a importância desse tema, devese enfatizar que é bastante surpreendente a pouca atenção dada à necessidade de pôlo em perspectiva. Com efeito, o conjunto da dívida latinoamericana, que monta a menos de 350 bilhões de dólares (acumulados coletivamente pelos países em questão, através de um período de várias décadas), declina em total insignificância se confrontado com o endividamento dos EUA – tanto interno quanto externo –, que deve ser contado em trilhões de dólares; isto é, em magnitudes que simplesmente desafiam a imaginação. O característico, contudo, é que esse tema é na maior parte do tempo mantido fora de cena, graças à conspiração do silêncio das partes interessadas. Como se essas dívidas astronômicas pudessem ser “anotadas no interior da lareira, para que a fuligem cuidasse delas”, como diz um provérbio húngaro (referindose a pequenas dívidas, contraídas entre amigos íntimos que podem aguentar facilmente tais “calotes”). Todavia, imaginar que essa prática de administração da dívida “pelo método da lareira”, quando estão envolvidos trilhões de dólares, possa continuar indefinidamente, ultrapassa os limites de toda credulidade. Os países europeus parceiros dessas práticas – não menos que o Japão – admitem que estão presos a um sistema de aguda dependência dos mercados norteamericanos e à concomitante “liquidez” gerada pela dívida. Assim, eles se acham em posição muito precária quando se trata de delinear medidas efetivas para controlar o problema real da dívida. Na verdade, são sugados cada vez mais profundamente no sorvedouro dessas determinações contraditórias, através das quais “voluntariamente” aumentam sua própria dependência com relação à escalada da dívida norteamericana, com todos os riscos para si próprios, enquanto ajudam a promovêla e a financiála. Contudo, a partir da existência desse círculo vicioso, não se deve inferir que o sistema capitalista global possa escapar das perigosas implicações dos trilhões dos EUA que se acumulam no lado errado do balancete. De fato, os limites de tempo nos quais tais práticas podem ser mantidas não seriam difíceis de identificar [...].

PARA ALÉM DO CAPITAL – A obra Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, do filosófo húngaro e um dos mais importantes intelectuais marxistas da atualidade István Mészarós, na tradução de Sérgio Lessa Castanheira, aborda em suas mais de mil páginas temas como a sombra da incontrolabilidade, a quebra do encanto do “capital permanente universal”, além do legado hegeliano, a primeira concepção global sobre a premissa do “fim da história”, o “capital permanente universal” de Hegel e a falsa mediação entre a individualidade personalista e a universalidade abstrata, a revolução sitiada no “elo mais fraco da corrente” e sua teorização representativa em História e consciência de classe, a perspectiva da alternativa inexplorada de Marx: do “cantinho do mundo” à consumação da “ascendência global” do capital, a ordem da reprodução sociometabólica do capital, defeitos estruturais de controle no sistema do capital, os imperativos corretivos do capital e o Estado, a dissonância entre as estruturas reprodutivas materiais do capital e sua formação de Estado, soluções para a incontrolabilidade do capital, do ponto de vista do capital, as respostas da economia política clássica, a “utilidade marginal” e a economia neoclássica, da “revolução gerencial” à postulada “convergência da tecnoestrutura”, a causalidade, tempo e formas de mediação; causalidade e tempo sob a causa sui do capital, o círculo vicioso da segunda ordem de mediações do capital, a eternização do historicamente contingente: a arrogância fatal da apologia do capital de Hayek, os limites produtivos da relação-capital, a articulação alienada da mediação da reprodução social básica e a alternativa positiva, a ativação dos limites absolutos do capital, o capital transnacional e os Estados nacionais, a eliminação das condições de reprodução sociometabólica, a liberação das mulheres: a questão da igualdade substantiva, o desemprego crônico: o significado real de “explosão populacional”, o legado histórico da crítica socialista e o desafio das mediações materiais e institucionais na esfera de influência da Revolução Russa, a tragédia de Lukács e a questão das alternativas, tempo acelerado e profecia atrasada, a busca pela “individualidade autônoma”, dos dilemas de A alma e as formas à visão ativista de História e consciência de classe, a contínua postulação de alternativas, do fechado horizonte do “espírito do mundo” de Hegel à pregação do imperativo da emancipação socialista, concepções individualistas do conhecimento e da interação social, o problema da “totalização” em História e consciência de classe, “Crise ideológica” e sua resolução voluntarista, a função do postulado metodológico de Lukács, a hipostatização da “consciência de classe atribuída”, os limites de “ser mais hegeliano” que Hegel, uma crítica da racionalidade weberiana, o paraíso perdido do “marxismo ocidental”, o “sujeito-objeto idêntico” de Lukács, a teoria e seu cenário institucional, a promessa da concretização histórica, a mudança na avaliação dos Conselhos de Trabalhadores, a categoria da mediação de Lukács, a política e moralidade: de história e consciência de classe a o presente e o futuro da democratização e de volta à ética não escrita, apelo à intervenção direta da consciência emancipatória, a “luta de guerrilha da arte e da ciência” e a ideia da liderança intelectual “de cima”, elogio da opinião pública subterrânea, a  segunda ordem de mediação do capital e a proposta da ética como mediação, a fronteira política das concepções éticas, os limites do último testamento político de Lukács, o legado histórico da crítica socialista e a ruptura radical e transição na herança marxiana, o projeto inacabado de Marx, do mundo das mercadorias à nova forma histórica, o cenário histórico da teoria de Marx, a crítica marxiana da teoria liberal, dependência do sujeito negado, a inserção social da tecnologia e a dialética do histórico/transhistórico, a teoria socialista e prática político-partidária, novos desenvolvimentos do capital e suas formações estatais, uma crise em perspectiva? -, a “astúcia da história” em marcha à ré, list der Vernunft e a “astúcia da história”, a reconstituição das perspectivas socialistas, a emergência da nova racionalidade do capital, contradições de uma era de transição, como poderia o Estado fenecer? -, os limites da ação política, os principais traços da teoria política de Marx, revolução social e o voluntarismo político, crítica da filosofia política de Hegel, o deslocamento das contradições do capital, ambiguidades temporais e mediações que faltam, a crise estrutural do sistema do capital, a produção de riqueza e a riqueza da produção, a disjunção de necessidade e produção de riqueza, o significado verdadeiro e o fetichizado da propriedade, produtividade e uso, contradição entre trabalho produtivo e não produtivo, a estrutura de comando do capital: determinação vertical do processo de trabalho, a homogeneização de todas as relações produtivas e distributivas, a maldição da interdependência: o círculo vicioso do “macrocosmo” e as células constitutivas do sistema do capital, a taxa de utilização decrescente no capitalismo, da maximização da “vida útil das mercadorias” ao triunfo da produção generalizada do desperdício, a relativização do luxo e da necessidade, tendências e contratendências do sistema do capital, os limites da extração do excedente economicamente regulada, a taxa de utilização decrescente e o significado de “tempo disponível”, a taxa de utilização decrescente e o Estado capitalista: administração da crise e autorreprodução destrutiva do capital, a linha de menor resistência do capital, o significado do complexo militar-industrial, das “grandes tempestades” a um continuum de depressão: administração da crise e autorreprodução destrutiva do capital, formas mutantes do controle do capital, o significado de capital na concepção marxiana, “Socialismo em um só país”, o fracasso da desestalinização e o colapso do “socialismo realmente existente”, a tentativa de passar da extração política à econômica do trabalho excedente: glasnost e perestroika sem o povo, atualidade histórica da ofensiva socialista, a ofensiva necessária das instituições defensivas, das crises cíclicas à crise estrutural, a pluralidade de capitais e o significado do pluralismo socialista, a necessidade de se contrapor à força extraparlamentar do capital, o sistema comunal e a lei do valor, a pretendida permanência da divisão do trabalho, a lei do valor sob diferentes sistemas sociais, mediação antagônica e comunal dos indivíduos, a natureza da troca nas relações sociais comunais, novo significado da economia de tempo: a regulamentação do processo de trabalho comunal orientada pela qualidade, a linha de menor resistência e a alternativa socialista, mito e realidade do mercado, para além do capital: o objetivo real da transformação socialista, para além da economia dirigida: o significado de contabilidade socialista, para além das ilusões da mercadização: o papel dos incentivos em um sistema genuinamente planejado, para além do impasse conflitante: da irresponsabilidade institucionalizada à democrática tomada de decisão por baixo, ensaios sobre temas relacionados como a necessidade do controle social, os condicionais contrafactuais da ideologia apologética, capitalismo e destruição ecológica, a crise de dominação, da “tolerância repressiva” à defesa liberal da repressão, “Guerra, se falham os métodos ‘normais’ de expansão”, a emergência do desemprego crônico, a intensificação da taxa de exploração, “Corretivos” do capital e controle socialista, poder político e dissidência nas sociedades pós-revolucionárias, não haverá mais poder político propriamente dito, o ideal e a “força da circunstância”, poder político na sociedade de transição, a solução de Lukács, indivíduo e classe, rompendo o domínio do capital, divisão do trabalho e Estado pós-capitalista, a base estrutural das determinações de classe, a importância da contingência histórica, as lacunas em Marx, o futuro do trabalho, a divisão do trabalho, o Estado pós-revolucionário, consciência socialista, política radical e transição para o socialismo, o significado de Para além do capital, condições históricas da ofensiva socialista, a necessidade de uma teoria da transição, a “reestruturação da economia” e suas precondições políticas, a crise atual, surpreendentes admissões, declaração da hegemonia dos Estados Unidos, falsas ilusões acerca do “declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica”, a visão oficial da “expansão sã” e o que significam as segundas-feiras (e as quartas-feiras) negras, entre outros assuntos.

REFERÊNCIA
MÉSZÁROS, István. Para além do capital : rumo a uma teoria da transição. São Paulo : Boitempo, 2011.


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