O “cantinho do mundo” de que Marx falou em 1858 já
não é mais um cantinho: os sérios problemas da
crescente saturação do sistema do capital lançaram suas sombras por toda parte.
A histórica ascendência do capital está hoje consumada naquele “terreno bem
mais vasto” cuja desconcertante existência Marx teve de reconhecer em sua carta
de 8 de outubro de 1858 para Engels. Vivemos hoje em um mundo firmemente
mantido sob as rédeas do capital, numa era de promessas não cumpridas e
esperanças amargamente frustradas, que até o momento só se sustentam por uma
teimosa esperança.
[...] Há uma enorme discussão a respeito do grave, e hoje
obviamente inadministrável, endividamento dos países latino-americanos, bem
como em relação às perigosas implicações de tal dívida para o sistema
financeiro mundial como um todo. Embora não se possa negar a importância desse
tema, deve‑se enfatizar que é bastante surpreendente a pouca
atenção dada à necessidade de pô‑lo em perspectiva. Com efeito, o conjunto da dívida
latino‑americana, que monta a menos de 350 bilhões de
dólares (acumulados coletivamente pelos países em questão, através de um
período de várias décadas), declina em total insignificância se confrontado com
o endividamento dos EUA – tanto interno quanto externo –, que deve ser contado em
trilhões de dólares; isto é, em magnitudes que simplesmente desafiam a
imaginação. O característico, contudo, é que esse tema é na maior parte do
tempo mantido fora de cena, graças à conspiração do silêncio das partes
interessadas. Como se essas dívidas astronômicas pudessem ser “anotadas no
interior da lareira, para que a fuligem cuidasse delas”, como diz um provérbio
húngaro (referindo‑se a pequenas dívidas, contraídas entre amigos
íntimos que podem aguentar facilmente tais “calotes”). Todavia, imaginar que
essa prática de administração da dívida “pelo método da lareira”, quando estão
envolvidos trilhões de dólares, possa continuar indefinidamente, ultrapassa os limites
de toda credulidade. Os países europeus parceiros dessas práticas – não menos
que o Japão – admitem que estão presos a um sistema de aguda dependência dos
mercados norte‑americanos e à concomitante “liquidez” gerada pela
dívida. Assim, eles se acham em posição muito precária quando se trata de
delinear medidas efetivas para controlar o problema real da dívida. Na verdade,
são sugados cada vez mais profundamente no sorvedouro dessas determinações
contraditórias, através das quais “voluntariamente” aumentam sua própria
dependência com relação à escalada da dívida norte‑americana, com todos os riscos
para si próprios, enquanto ajudam a promovê‑la e a financiá‑la. Contudo, a partir da existência desse círculo
vicioso, não se deve inferir que o sistema capitalista global possa escapar das
perigosas implicações dos trilhões dos EUA que se acumulam no lado errado do
balancete. De fato, os limites de tempo nos quais tais práticas podem ser
mantidas não seriam difíceis de identificar [...].
PARA
ALÉM DO CAPITAL – A obra
Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, do filosófo húngaro e um dos mais importantes
intelectuais marxistas da atualidade István Mészarós, na tradução
de Sérgio Lessa Castanheira, aborda em suas mais de mil páginas temas como a
sombra da incontrolabilidade, a quebra do encanto do
“capital permanente universal”, além do legado hegeliano, a
primeira concepção global sobre a premissa do “fim da história”, o “capital
permanente universal” de Hegel e a falsa mediação entre a individualidade
personalista e a universalidade abstrata, a revolução sitiada no “elo mais
fraco da corrente” e sua teorização representativa em História e consciência de classe, a perspectiva da alternativa inexplorada de Marx: do
“cantinho do mundo” à consumação da “ascendência global” do capital, a ordem da reprodução sociometabólica do capital, defeitos estruturais de controle no sistema do
capital, os imperativos corretivos do capital e o Estado, a dissonância entre
as estruturas reprodutivas materiais do capital e sua formação de Estado, soluções para a incontrolabilidade do capital, do
ponto de vista do capital, as respostas da economia política
clássica, a “utilidade marginal” e a economia neoclássica, da “revolução
gerencial” à postulada “convergência da tecnoestrutura”, a causalidade, tempo e formas de mediação; causalidade e tempo sob a causa sui do capital, o círculo vicioso da
segunda ordem de mediações do capital, a eternização do historicamente
contingente: a arrogância fatal da apologia do capital de Hayek, os limites
produtivos da relação-capital, a articulação alienada da mediação da reprodução
social básica e a alternativa positiva, a ativação dos limites
absolutos do capital, o capital transnacional e os
Estados nacionais, a eliminação das condições de reprodução sociometabólica, a
liberação das mulheres: a questão da igualdade substantiva, o desemprego
crônico: o significado real de “explosão populacional”, o legado histórico da
crítica socialista e o desafio das mediações materiais e institucionais na
esfera de influência da Revolução Russa, a tragédia
de Lukács e a questão das
alternativas, tempo acelerado e profecia atrasada, a busca pela
“individualidade autônoma”, dos dilemas de A alma e as
formas à visão ativista de História e consciência de classe, a contínua postulação de alternativas, do fechado horizonte do “espírito do mundo” de Hegel
à pregação do imperativo da emancipação socialista, concepções individualistas do conhecimento e da
interação social, o problema da “totalização” em História e consciência de classe, “Crise ideológica” e sua resolução voluntarista, a
função do postulado metodológico de Lukács, a hipostatização da “consciência de
classe atribuída”, os limites de “ser mais
hegeliano” que Hegel, uma crítica da racionalidade
weberiana, o paraíso perdido do “marxismo ocidental”, o “sujeito-objeto
idêntico” de Lukács, a teoria e seu cenário
institucional, a promessa da concretização histórica, a mudança na avaliação
dos Conselhos de Trabalhadores, a categoria da mediação de Lukács, a política e moralidade: de história e consciência de classe a o presente e o futuro da
democratização e de volta à ética não escrita, apelo à intervenção direta da consciência emancipatória,
a “luta de guerrilha da arte e da ciência” e a ideia da liderança intelectual
“de cima”, elogio da opinião pública subterrânea, a segunda ordem de mediação do capital e a proposta
da ética como mediação, a fronteira política das concepções éticas, os limites
do último testamento político de Lukács, o legado histórico da crítica
socialista e a ruptura radical e transição na herança marxiana, o projeto inacabado de Marx, do mundo das mercadorias à nova
forma histórica, o cenário histórico da teoria de Marx, a crítica marxiana da
teoria liberal, dependência do sujeito negado, a inserção social da tecnologia
e a dialética do histórico/transhistórico, a teoria socialista e prática
político-partidária, novos desenvolvimentos do capital e suas formações
estatais, uma crise em perspectiva? -, a “astúcia da história” em
marcha à ré, list der Vernunft e a “astúcia
da história”, a reconstituição das perspectivas socialistas, a emergência da
nova racionalidade do capital, contradições de uma era de transição, como poderia o Estado fenecer? -, os limites da ação política, os principais traços da
teoria política de Marx, revolução social e o voluntarismo político, crítica da
filosofia política de Hegel, o deslocamento das contradições do capital, ambiguidades
temporais e mediações que faltam, a crise estrutural do sistema do capital, a produção de riqueza e a riqueza da produção, a disjunção de necessidade e produção de riqueza, o
significado verdadeiro e o fetichizado da propriedade, produtividade e uso, contradição
entre trabalho produtivo e não produtivo, a estrutura de comando do capital:
determinação vertical do processo de trabalho, a homogeneização de todas as
relações produtivas e distributivas, a maldição da interdependência: o círculo
vicioso do “macrocosmo” e as células constitutivas do sistema do capital, a taxa de utilização decrescente no capitalismo, da maximização da “vida útil das mercadorias” ao
triunfo da produção generalizada do desperdício, a relativização do luxo e da
necessidade, tendências e contratendências do sistema do capital, os limites da
extração do excedente economicamente regulada, a taxa de utilização decrescente
e o significado de “tempo disponível”, a taxa de utilização
decrescente e o Estado capitalista: administração da crise e autorreprodução
destrutiva do capital, a linha de menor resistência do
capital, o significado do complexo militar-industrial, das “grandes
tempestades” a um continuum de depressão: administração da crise e
autorreprodução destrutiva do capital, formas mutantes do controle
do capital, o significado de capital na concepção marxiana, “Socialismo
em um só país”, o fracasso da desestalinização e o colapso do “socialismo
realmente existente”, a tentativa de passar da extração política à econômica do
trabalho excedente: glasnost e perestroika sem o povo, atualidade histórica da
ofensiva socialista, a ofensiva necessária das
instituições defensivas, das crises cíclicas à crise estrutural, a pluralidade
de capitais e o significado do pluralismo socialista, a necessidade de se
contrapor à força extraparlamentar do capital, o sistema
comunal e a lei do valor, a pretendida permanência da
divisão do trabalho, a lei do valor sob diferentes sistemas sociais, mediação
antagônica e comunal dos indivíduos, a natureza da troca nas relações sociais
comunais, novo significado da economia de tempo: a regulamentação do processo
de trabalho comunal orientada pela qualidade, a linha
de menor resistência e a alternativa socialista, mito e realidade do mercado, para além do capital: o
objetivo real da transformação socialista, para além da economia dirigida: o
significado de contabilidade socialista, para além das ilusões da mercadização:
o papel dos incentivos em um sistema genuinamente planejado, para além do
impasse conflitante: da irresponsabilidade institucionalizada à democrática
tomada de decisão por baixo, ensaios sobre temas relacionados como a necessidade do controle social, os condicionais contrafactuais da ideologia
apologética, capitalismo e destruição ecológica, a crise de dominação, da
“tolerância repressiva” à defesa liberal da repressão, “Guerra, se falham os
métodos ‘normais’ de expansão”, a emergência do desemprego crônico, a intensificação
da taxa de exploração, “Corretivos” do capital e controle socialista, poder político e dissidência nas sociedades
pós-revolucionárias, não haverá mais poder político
propriamente dito, o ideal e a “força da circunstância”, poder político na
sociedade de transição, a solução de Lukács, indivíduo e classe, rompendo o
domínio do capital, divisão do trabalho e Estado
pós-capitalista, a base estrutural das determinações
de classe, a importância da contingência histórica, as lacunas em Marx, o
futuro do trabalho, a divisão do trabalho, o Estado pós-revolucionário, consciência
socialista, política radical e transição para o socialismo, o significado de Para além do
capital, condições históricas da ofensiva socialista, a
necessidade de uma teoria da transição, a “reestruturação da economia” e suas
precondições políticas, a crise atual, surpreendentes admissões, declaração da hegemonia
dos Estados Unidos, falsas ilusões acerca do “declínio dos Estados Unidos como
potência hegemônica”, a visão oficial da “expansão sã” e o que significam as
segundas-feiras (e as quartas-feiras) negras, entre outros assuntos.
REFERÊNCIA
MÉSZÁROS, István. Para além do capital : rumo
a uma teoria da transição. São Paulo : Boitempo, 2011.
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