[...] Sendo
este volume inteiro apenas uma longa argumentação, creio dever apresentar ao
leitor uma recapitulação sumária dos fatos principais e suas ilações. Não penso
em negar que podem opor-se à teoria da descendência, modificada pela variação e
pela seleção natural, numerosas e sérias objeções que procurei expor em toda a
sua força. Em primeiro lugar, nada me parece mais difícil do que acreditar no
aperfeiçoamento dos órgãos e dos mais complexos instintos, não por meios
superiores, posto que análogos à razão humana, mas por acumulação de inúmeras e
ligeiras variações, todas vantajosas ao seu possuidor individual. Contudo, esta
dificuldade, ainda que parecendo insuperável à nossa imaginação, não poderia
ser considerada como válida, se se admitirem as proposições seguintes: todas as
partes do organismo e todos os instintos oferecem pelo menos diferenças
individuais; a luta constante pela existência determina a conservação dos
desvios de estrutura ou de instinto que podem ser vantajosos; e, enfim,
gradações no estado de perfeição de cada órgão, todas boas per si mesmo, poderá
ter existido. Não creio que se possa contestar a verdade destas proposições. É,
sem dúvida, dificílimo conjecturar mesmo por que graus sucessivos têm passado
muitas das conformações para se aperfeiçoarem, sobretudo nos grupos de seres
organizados que, tendo sofrido enormes extinções, estão atualmente rompidos e
apresentam grandes lacunas; mas notamos na natureza gradações tão estranhas,
que devemos ser muito circunspectos antes de afirmar que um órgão, ou um
instinto, ou mesmo a conformação inteira, não pode ter atingido o seu estado
atual percorrendo um grande número de fases intermediárias. Há, deve
reconhecer-se, casos particularmente difíceis que parecem contrários à teoria
da seleção natural; um dos mais curiosos é, sem contradita, a existência, no
mesmo formigueiro, de duas ou três castas definidas de obreiras ou fêmeas
estéreis. Procurei fazer compreender como se pode chegar a explicar este gênero
de dificuldades
[...]
É
interessante contemplar um riacho luxuriante, atapetado com numerosas plantas
pertencentes a numerosas espécies, abrigando aves que cantam nos ramos, insetos
variados que volitam aqui e ali, vermes que rastejam na terra úmida, se se
pensar que estas formas tão admiravelmente construídas, tão diferentemente
conformadas, e dependentes umas das outras de uma maneira tão complexa, têm
sido todas produzidas por leis que atuam em volta de nós. Estas leis, tomadas
no seu sentido mais lato, são: a lei do crescimento e reprodução; a lei da
hereditariedade que implica quase a lei de reprodução; a lei de variabilidade, resultante
da ação direta e indireta das condições de existência, do uso e não uso; a lei
da multiplicação das espécies em razão bastante elevada para trazer a luta pela
existência, que tem como consequência a seleção natural, que determina a
divergência de caracteres, a extinção de formas menos aperfeiçoadas. O
resultado direto desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte,
é, pois, o fato mais admirável que podemos conceber, a saber: a produção de
animais superiores. Não há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a
vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo Criador a um
pequeno número de formas, ou mesmo a uma só? Ora, enquanto que o nosso planeta,
obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma
quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão
simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!
A
ORIGEM DAS ESPÉCIES – O livro A
Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na
natureza (1859), é um tratado biológico escrito pelo naturalista britânico Charles
Robert Darwin (1809 — 1882), na tradução do médico e professor Mesquita Paul, aborda desde a
variação das espécies no estado doméstico e selvagem, a luta pela existência, a
seleção natural ou a persistência do mais apto, leis da variação, as
dificuldades levantadas contra a hipótese e descendência com modificações,
contestações diversas feitas à teoria da seleção natural, o instinto, hibridez,
insuficiência dos documentos geológicos, da sucessão geológica dos seres
organizados, distribuição geográfica, afinidades mútuas dos seres organizados,
morfologia, embriologia e órgãos rudimentares, trazendo, por fim, um glossário
dos principais termos empregados na obra.
REFERÊNCIA
DARWIN, Charles. A Origem das Espécies, no meio da
seleção natural ou a luta pela existência na natureza. Porto: Lello &
Irmão, 2003.