A
PSICOLOGIA E A FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL
HUSSERL
& A FENOMENOLOGIA - O filósofo e
matemático alemão Gustav Albrecht Edmund Husserl (1859-1938) foi o fundador da fenomenologia.
Ele estudou nas universidades de Leipzig, de Berlim e de Viena, iniciando a
carreira de professor em 1883, abandonando o posteriormente e se dedicando a
escrever seus ensaios. Quando ele morreu em 1938, em Freiburg, deixou uma vasta
gama de ensaios que foram posteriormente reunidos como Arquivos Husserl.
O método de investigação filosófica
denominado de fenomenologia foi formulado, segundo Cotrim (2006), por Edmundo
Husserl, com desenvolvimento na matemática, psicologia e na filosofia. Esse método
consistia na observação e descrição rigorosa do fenômeno, analisando como se
forma o campo da experiência humana.
Acrescenta Rafaelli (2004) que essa filosofia
propunha um caminho paralelo entre a fenomenologia e a psicologia.
A fenomenologia, conforme Chauí (1980), Goto
(2013) e Moreira (2010), encontra-se embasada na analise de manifestação da
experiência, considerando a forma (noesis)
os atos e como o sentido dado pela sensibilidade ao objeto apreendido; a
matéria (a hýle) como os dados
sensíveis; e a noema como o
significado ideal da coisa e aquilo que é visado pelos atos.
Assim, conforme expresso por Chauí (1980), a
fenomenologia é a disciplina que fundamenta a lógica, estudando as essências da
região da consciência, suas estruturas e atos, tornando-se, por isso, eidética.
Nesse sentido, a eidética procura essências ou significados, sendo, pois, a
investigação que define a essência e estrutura necessária ao estudo do objeto.
Acrescentam Padovani e Castagnola (1978, p.
479) que:
O papel da fenomenologia é
unicamente o de conhecer e descrever o mundo eidético (o mundo das puras
essências universais contidas nos dados = fenômenos), prescindindo de todos os
elementos referentes ao sujeito psicológico, à existência individual, à
subjetividade empírica. [...] pode
servir à metodologia da ciência, à lógica matemática e harmonizar-se com
algumas teorias próprias do Neopositivismo [...].
Foi na sua
obra Investigações Lógicas (1900-1901) na qual ele definiu sua filosofia como a
análise da experiência que está por trás de todo o pensamento formal. É nela
onde aparecem os primeiros sinais do método fenomenológico que se envolveu com
as questões clássicas da filosofia desde Descartes, quando Husserl travou uma
discussão da obra do filósofo francês: Meditações Cartesianas. A partir disso,
a fenomenologia passa a servir de fonte para vários filósofos, em especial aos
ligados ao existencialismo, chegando-se, inclusive, a se falar de uma
sociologia, uma psicologia e uma teoria literária fenomenológicas. Isto porque
o método voltou-se principalmente para as artes, nas quais proporciona um novo
modo de consideração das obras artísticas. Depois, lança as bases sólidas da
teoria da fenomenologia.
A partir de
uma revisão na literatura, há que se entender, antes porem, que a Fenomenologia
é uma corrente iniciada por Husserl (1980), ao pretender o estabelecimento de
um método de fundamentação da filosofia e da ciência, baseada no conceito de
fenômeno, ou seja, aquilo que é percebido pela consciência, no sentido de
proceder a investigação da vida perceptiva, defendendo que a percepção tona
possível a consciência dos objetos do mundo, como o juízo, a memória e os atos
subjetivos. Estes, segundo ele, podem ser submetidos ao exame pela faculdade
superior da consciência, entendia pelo autor como o eu transcendental, que é
responsável pela síntese que torna possível a apreensão de objetos.
Muitas
transformações ocorreram no pensamento fenomenológico até chegar em
reorganizações conceituais que redundaram na formulação programática feita por
Husserl no começo do século XX, quando, conforme Lyotard (1986), Critelli
(1996), Giles (1989) e Martins e Dichtchekenian (1984), a fenomenologia tornou-se mundialmente
bem–aceita e tem influenciado discussões teóricas até hoje; ela introduziu uma
forma prática no domínio teórico da filosofia, assim como no campo das ciências
humanas e naturais.
A partir das
investigações lógicas de Husserl, segundo Salanskis (2006), ficou estabelecido
por ele que a investigação deve ater-se ao modo como as coisas aparecem ao
homem, como ele unifica a multiplicidade de aparições e como projeta
significações sobre os objetos percebidos.
Para o
fenomenólogo, não existe a consciência pura, mas sempre a "consciência de
alguma coisa". Esse conceito, fundamental para a fenomenologia, é chamado
de intencionalidade. Além disso, a atenção dispensada ao olhar, à percepção, à
imaginação, às coisas e ao outro faz o método fenomenológico ir além das
fronteiras da filosofia.
A
fenomenologia faz uso de uma série de instrumentos metodológicos próprios que
possibilitam a análise criteriosa dos fenômenos. Um deles é a redução, dividida
nas seguintes modalidades: a epoché, a redução eidética e a redução
trancendental. O termo epoché vem do grego e significa estado de dúvida.
Consiste na suspensão do juízo a respeito de qualquer opinião; com o propósito
de buscar unicamente os fatos, "pomos fora de ação a tese geral própria da
atitude natural e pomos entre parênteses tudo o que ela compreende". Para
ilustrar o método referido, tomemos o exemplo de como uma cor é percebida: a
experiência pessoal da cor é o fenômeno puro, que se atinge mantendo-se em
suspensão os dados científicos a respeito da composição da cor e os dados
advindos da comparação com outras cores.
A partir da
leitura de Chauí (2002), observa-se que a atitude natural, segundo husserl,
compreende a aceitação do mundo em que vivemos, formado de coisas, bens, valores,
ideais, pessoas, conforme ele nos é dado.A fenomenologia pretende se
desvencilhar dassa atitude natural, por meio de um questionamento radical sobre
o modo de existência do mundo, que consistiria no ponto inicial da pesquisa
filosófica. A redução eidética analisa a apresentação do objeto a nossa á nossa
(representação) de forma pura, prescindindo da existência do sujeito que
conhece, assim como do objeto conhecido. Trata-se da forma do objeto no
espírito, ou seja, trata- se de analisar a representação sem levar em conta o
âmbito psicológico.Tomando como exemplo uma planta, podemos afirmar que,
levando a cabo tal redução, os seus componentes básicos seriam a cor, as formas
que a compõe e a textura.
Na redução
transcendental, o fenomenologista considera apenas o que foi imediatamente
apresentado á consciência; todos os outros elementos, Husserl sugere que sejam
excluídos do julgamento. Retomando o exemplo da cor : uma página impressa em
verde é apenas verde, não é feita da mistura de amarelo e azul, que é um dado
cientifico. O interessante de Husserl está na cor como fenômeno pessoal e
subjetivo, que depende de fatores complexos, como as diferenças de concepção
dos sentidos. O que é mais relevante para os defensores da fenomenologia é
aquilo que pode ser experimentado pelos sentidos. Depois de realizada a
redução, o que resiste é o individuo efetivamente sabe e passa a conhecer,
transcendendo os dados científicos: é o que se designa resíduo fenomenológico.
Vê-se,
portanto, que Husserl contribui para a filosofia com a formulação rigorosa e
estruturada de um método fenomenológico, que propõe estudar o objeto do
conhecimento de forma livre e pura, para alcançar a sua essência. Em outras
palavras, a fenomenologia procura tratar do que é dado imediatamente como conteúdo
conhecido, sem abordar as possíveis implicações e desdobramentos, que pertencem
a uma construção posterior do saber. Assim, no processo de conhecimento, ou
seja, na relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto, Husserl
distingue os seguintes elementos fundamentais : a noésys ("forma"), a
h ‘yle ("matéria") e o nóema ("conceito"). A noésys
consiste no pensamento considerado um evento psíquico individual; é o conteúdo
subjetivo do pensamento que confere sentido ao objetivo conhecido.A h’ yle trata
do dado sensível, do contato físico com o objeto, que em si mesmo não comporta
nenhum significado, a não ser quando alcançado pela noésys.Por fim, temos o
nóema ,totalmente distinto do objeto físico.
É com isso
que Husserl (1980) faz uma distinção entre o pensamento como um evento psíquico
individual (noese,ou faculdade do pensar ou inteligência ) e o pensamento como
conteúdo ( noema, ou pensamento, intenção).Na operação 2 + 2 = 4 existe uma
atividade de natureza psíquica, ao mesmo tempo que há um conteúdo pensado, que
se expressa no conteúdo de sentido ideal independentemente do sujeito
pensante.Esse segundo sentido revela que a estrutura da consciência é
intencional e conduz o sujeito na direção do objeto pensado.
O filosofo
distinguiu a essência, entendida como a parcela ideal de significação do
objeto, dos aspectos que constituem a nossa experiência, ou seja, do que
designou como conteúdo objetivo do pensamento.Portanto, no seu método de
análise do fenômeno, a essência é a sua dimensão mais relevante.
Segundo
Husserl (1980) existe uma intuição da essência, que é o ato ideador , uma
espécie de apreensão imediata da essência juntamente com o fenômeno ; desse
modo, conheceríamos o fato e sua essência, simultaneamente. O conhecimento
ocorreria por semelhanças, que é própria da essência e não da existência; para
Husserl (1980), pensar é, antes de tudo pensar na essência. O passo seguinte a
redução é a análise cognitiva, que consiste na comparação detalhada entre
fenômeno, tal como é apresentado á consciência, é a universal do fenômeno. A
fenomenologia busca conciliar aquilo que experimentamos com aquilo que supomos
saber teoricamente. Há aqui implícita uma diferenciação entre o fenômeno
experimentado e o fenômeno apreendido, que Husserl compara com a relação entre
a aparência e aquilo que aparenta. Recorrendo mais uma vez ao exemplo da cor
com o reconhecimento científico que temos sobre ela.
De acordo
com Husserl (1980), através da redução, cada sujeito pode tornar-se observador
de si mesmo, consciente de si. Assim adquirimos conhecimento e podemos aprender
sobre nós mesmos e sobre a nossa volta. Pressupomos a existência de outras
pessoas com a mesma capacidade para conhecer, mas é impossível provar que, de
fato, elas estejam conscientes de si. Não observamos os pensamentos alheios,
vemos apenas as ações do comportamento dos outros. É o que denominamos
observação da "coisa" enquanto fenômeno. Assim, da mesma maneira que
aprendemos sobre o mundo observando fenômenos externos, aprendemos sobre nós
mesmos por meio dos outros. A única forma de observarmos os resultados de
nossas emoções e pensamentos é através das respostas das outras pessoas. É a
vida no mundo, que Husserl denominou Lebenweslt, e que nos permite ver e
experimentar sem as limitações impostas pelas fórmulas e equações do
conhecimento científico. Uma coisa é saber que a água é formada por átomos de
oxigênio e de hidrogênio, outra bem diferente é ver, sentir, sorver a água. A
análise cognitiva nos permite conciliar o conhecimento científico e a observação
; entretanto, só realizamos essa análise quando nos é solicitado, não se trata
de um processo involuntário.
O filósofo
alemão Martin Heidegger (1889-1976) utilizou a fenomenologia em sua maior obra,
Ser e Tempo (1927), para estudar a essência do ser, a temporalidade e o sujeito
sempre em um contexto.
Os filósofos
franceses Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) usaram o método
para o estudo das estruturas da percepção, da consciência e da imaginação.
Para Chauí
(2002), o filosofo privilegia a consciência reflexiva ou o sujeito do
conhecimento, isto é, afirma que as essências descritas pela Filosofia são
produzidas ou constituídas pela consciência, enquanto um poder para dar
significação à realidade.
HUSSERL
E A PSICOLOGIA - Conforme Chauí (1980), o
filósofo que se autodenominava neocartesiano, entende a psicologia como uma
teoria do conhecimento, demonstrando tratar-se de uma descrição do
comportamento do sujeito na atividade de conhecer. Já a fenomenologia é uma
descrição da estrutura especifica do fenômeno como um fluxo imanente de
vivências que constitui a consciência e também a descrição da estrutura da
consciência enquanto constituinte, sendo, pois, a condição a priori do
conhecimento.
Pretendia
Husserl (1980) que a psicologia se aproximasse e se mantivesse próxima da
fenomenologia na análise e estudo da consciência, entendendo que a consciência
empírica é o que interessa para a psicologia, enquanto que a consciência pura
interessa à fenomenologia.
A
consciência, para Husserl (1980), é uma
atividade constituída por atos, denominado por ele de noesis, e que envolvem a percepção, imaginação, volição, paixão,
entre outras.
Em vista disso, a fenomenologia, no dizer de
Husserl (1980) é a ciência fundamental para todas as coisas. Assim, para ele, a
psicologia possui por objeto o estudo do ser humano em seu mundo. Com isso, ele
concebeu a Psicologia Fenomenológica com o objetivo de tratar da vida interior,
descrevendo as estruturas psíquicas na busca do fundamento para a
subjetividade. Suas ideias tornaram-se importante para a psiquiatria e
psicologia clinica, requerendo a subjetividade como fonte originária da vida
humana.
Para Husserl (1980), a psicologia
fenomenológica é uma ciência a priori e universal da vida anímica, que
se ocupa exclusivamente das estruturas internas entendidas por ele como as
estruturas subjetivas puras, ou estruturas proto-originárias da própria vida.
Desse modo, observa Goto (2007, p. 187) que,
para Husserl “[...] a psicologia não deve se ocupar de experiências externas
como faz a psicologia científica, seguindo o modelo da física e da fisiologia,
mas ao contrário, deve orientar-se exclusivamente para a vida interna,
experiência anímica interna, constituídas pelas vivencias intencionais”.
Ao criticar a metafísica e o positivismo,
conforme Fonseca (2014), Husserl constituiu uma abordagem ontológica e
epistemológica fundamentada na vivência da consciência pré-reflexiva do sujeito
cognoscente correlacionado intrinsecamente com o mundo. Por conta disso,
contribui diretamente com a psicologia e com a psicoterapia trazendo
alternativas aos modelos comportamentais e psicanalíticos.
A
crítica de Husserl, segundo Raffaelli (2004) e Silva (2009), é contra o
positivismo científico que se inseriu na Psicologia e de que esta não possui
nenhuma necessidade das ciências da natureza, podendo trilhar seu próprio
caminho na compreensão do ser humano e isso por meio da investigação
transcendental psicológica. De acordo com o pensamento do filósofo, entende
Silva (2009) que a Psicologia deve se voltar para a subjetividade como seu
próprio objeto. Dessa forma, o filósofo fazia restrições aos sistemas
psicológicos da época, inclusive a Gestalt por desconsiderarem a consciência
como fenômeno originário dos processos psíquicos.
Há que
considerar que a Gestalt foi fundada por alunos de Husserl e foi o sistema
psicológico que mais se aproximou dos seus ideais, consagrando-se ao estudo
experimental da percepção humana, relacionando a experimentação com a
interpretação fenomenológica.
A
psicologia, segundo Goto (2013), foi a maior tributária das ideias
fenomenológicas, permitindo a constituição de seu método e fundamento. Com
isso, a psicologia se definia no conteúdo e método como uma psicologia
apriorística pura ou fenomenológica, embasada na eidética, dirigindo-se
genuinamente à vida psíquica em
si mesma e a suas estruturas.
O filósofo, segundo Fonseca (2014),
inspirou-se nas propostas psicológicas de Franz Bretano, buscando captar a
essência mesma das coisas, descrevendo a experiência tal como se processa de
modo a que se atinja a realidade tal como ela é. A tarefa efetiva da
fenomenologia está em analisar as vivências intencionais da consciência para
perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno
global que se chama mundo. Por isso, ela busca ultrapassar as experiências
reais, atendo-se aos elementos ideais, considerados como a essência da
experiência.
A influência da fenomenologia husserliana, no
dizer de Fonseca (2014) contribuirá diretamente para a criação de um conjunto
de abordagens psicológicas e psicoterápicas originais, incluindo-se, nessa
reunião, a Gestalt de Kohler, Koffka e Wertheimer. Em vista disso, é a Gestalt
que desenvolverá uma psicologia fenomenológica. Assim sendo, observa-se que a fenomenologia
husserliana vai se tornar fundamento epistemológico e metódico para a
psicologia no que concerne à introdução da subjetividade no seu contexto,
permitindo que haja um avanço na constituição do objeto psicológico na criação
do conhecimento psicológico.
Vê-se,
pois, que não só contribuiu para a Filosofia, como para Psicologia Terapêutica.
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