MESMER E O MESMERISMO
INTRODUÇÃO - A construção da Psicanálise por seu criador Sigmund Freud (1856-1939)
foi um processo lento e laborioso, compreendendo uma pesquisa profunda e
determinada para sua plenitude. Evidencia-se que essa construção recebeu
inúmeras contribuições, entra elas os trabalhos e concepções do médico
austríaco Franz Anton Mesmer (1734-1815) e de sua técnica denominada
Mesmerismo, o qual o tornou precursor da hipnose, psicoterapia e do tratamento
de doenças psicossomáticas, à época e até então taxado de charlatão, por causa
do uso do magnetismo para curar.
Justifica-se a realização do presente estudo em razão de se encontrar as
bases teóricas que sedimentaram o processo de construção da Psicanálise e, por
consequência, da necessidade de maior observância acerca das ideias de Mesmer e
do Mesmerismo na contemporaneidade.
Objetiva, portanto, tratar acerca das técnicas e métodos utilizados pelo
médico austríaco Mesmer e o seu mesmerismo, observando-se a compreensão do
trabalho e das suas ideias.
A metodologia empregada no presente trabalho compreende uma pesquisa de
natureza exploratória de natureza bibliográfica, resultado de uma revisão da
literatura disposta em livros, artigos acadêmicos e publicações especializadas
da Internet.
MESMER: BREVE BIOGRAFIA E ASPECTOS HISTÓRICOS - Franz Anton Mesmer nasceu na vila de Iznang,
na Áustria, no dia 23 de maio de 1734, de uma família católica cujo pai era
intendente e guarda de campo do bispo de Constança. Na idade escolar estudou em
escola pública, sendo, posteriormente, transferido para um convento
franciscano, para fazer o colégio entre os jesuítas.
Em 1750, ingressa na Universidade de Dillingen, na Baviera, pertencente
a Companhia de Jesus, onde estuda Filosofia e Direito por quatro anos, tendo
acesso as obras de Galileu, Descartes, Leibniz, Kepler, Newton e outros,
chegando ao Doutorado em Teologia.
Em seguida, segundo Medeiros (2000), estudou medicina na Universidade de
Viena, tendo recebido seu doutorado em 1766 com uma tese que já prenunciava a
tônica dos seus trabalhos posteriores: “Sobre a Influência dos Planetas no
Corpo Humano”, uma vez que nesta época já havia estudos oriundos das ideias
cartesianas e dos questionamentos de Newton acerca dos fluidos invisíveis relativos
ao mais sutil espírito que jaz escondido em todos os corpos. Nesses estudos ele
defendia a teoria de que o homem está sujeito às influencias originadas no
universo, entendendo que um fluido magnético e misterioso emana das estrelas,
influenciando a vida das pessoas. Com isso, entendia que a doença era causada
pela má distribuição desse fluido.
Em 1768, ele casou-se com uma rica viúva mais velha dez anos que ele, Marie
Ane von Posch, passando a morar nos arredores de Viena, onde instalou seu
consultório médico. Apreciador de música e participante de saraus, incentivava
a cultura, o que proporcionou o início de sua amizade com o ainda promissor adolescente
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) que, inclusive, fez sua estreia na mansão
dele aos 12 anos de idade, com a ópera Bastien et Bastienne, encomendada pelo
próprio Mesmer, então professor da Universidade de Viena. Há que se registrar
que esta encomenda foi uma ajuda a Mozart, que havia sido expulso de Salzburgo,
sua terra natal.
Foi daí que, conforme Darnton (1988), surgiu a amizade com o compositor
e com o alquimista e maçom Conde Alessandro Cagliostro, resultando na
introdução tanto de Mozart como de Mesmer na Maçonaria e numa fraternidade de
ocultismo.
Acrescenta, ainda, Zweig (1930), Neubern (2008) e Santos (2015), que
esse trio atuava em numerosos problemas de saúde e que juntos aperfeiçoaram um
instrumento idealizado por Benjamim Franklin. Eles trabalharam em grupo que
reuniam atividades médicas e musicais na criação para fins curativos da glass
harmónica, inclusive, existindo até hoje Viena um grupo conhecido com o nome de
Duo Glassharmonica Vienner.
Mesmer a partir disso buscou reconhecimento científico para as suas
ideias do magnetismo animal, inspirado na obra do astrônomo jesuíta Maximillian
Hell (1720-1792), na teoria da gravitação animal do médico inglês Richard Mead
(1673-1754) e da Física do cientista inglês Isaac Newton (1643-1727), sugerindo
a influência do corpo pelo magnetismo.
Assim sendo, entre os anos de 1768 e 1778, procurou Mesmer esforçar-se
por fazer propaganda dos seus sucessos curativos.
Em 1773, segundo Figueiredo (2005) e Santos (2015), realizou-se o
primeiro tratamento por meio do magnetismo animal, descobrindo que as mãos das
pessoas seriam canais para uma espécie de magnetismo presente em todos os seres
vivos, inclusive nos animais. A mesma capacidade que o magnetismo mineral
possuía, o magnetismo animal detinha efeitos similares. Daí derivou-se o termo
magnetismo animal. Esse tratamento foi desenvolvido na paciente, Franziska
Esterlina, uma senhorita de vinte e nove anos, bastante debilitada, era uma
parenta da esposa de Mesmer e amiga da família Mozart
A partir de então, ele passou a ser conhecido por aplicar o que hoje em
dia se chama de “passes magnéticos” em pessoas enfermas, passando a receber duras
críticas e intensa oposição de médicos ortodoxos, chegando mesmo a ser banido
da medicina.
Tem-se registrado na literatura que ele realizou tratamento na famosa
pianista Maria Teresa Paradis, que, após as sessões se viu curada de sua
cegueira, o que gerou muitas críticas, resultando no fato de que, em 1777, Mesmer
foi envolvido numa polêmica que levou a retirada da paciente com estardalhaço,
pelos pais dela, dos seus cuidados.
Medeiros (2000) observa que seus métodos e, sobretudo o sensacionalismo
da publicidade com que cercava seus procedimentos curativos encontraram
crescente hostilidade em Viena por parte da classe médica tradicional, que
sentia-se incomodada, terminando Mesmer por ser expulso da cidade pela polícia.
Ele teve que se mudar para Paris em 1778, onde veio a causar grande sensação
popular com as suas práticas e com o sensacionalismo com que as revestia, ganhou
o apoio da imperatriz Maria Antonieta. Foi com isso que iniciou uma verdadeira
campanha para ganhar o reconhecimento de suas práticas pela comunidade
acadêmica francesa.
Em fevereiro de 1778, divulga sua teoria do magnetismo animal, em Paris,
apresentando as suas descobertas para os sábios e médicos. Requisita, então,
aos comissários da Sociedade Real de Medicina de Paris para fiscalizarem as
curas, o que foi recusado. Publica, então, em Paris um relato analítico da nova
ciência: “Memória sobre a descoberta do magnetismo animal”, após tentar, sem
sucesso, em todas as Universidades, um exame de seu sistema. Expõe a tese
defendida até então, ou seja, a existência de um fluido que interpenetrava tudo
o qual poderia ser utilizado na cura de doenças.
Insistindo, publicou em 1779 a sua obra “A Descoberta do Magnetismo
Animal”, na qual acreditava que as curas poderiam ser promovidas por meio do
poder dos imãs. Com a evolução do magnetismo animal, Mesmer insistiu em experimentos
e tratamentos com imãs (magnetos), mas concluiu que o próprio corpo humano
emanava forças mais poderosas que as do imã, o qual poderia ser utilizado na
cura de doenças. Teve boa aceitação, mas depois caiu em descrédito
Em busca de reconhecimento científico para a sua descoberta, propõe à
Faculdade de Medicina de Paris, um teste comparativo de seu método com a
medicina tradicional. Esses estudos acerca dos fluídos magnéticos encontrados
na natureza, a seu ver, possuíam propósitos terapêuticos e possibilitaria a
cura das pessoas.
Numa Assembleia Geral, realizada em 18 de setembro de 1780 e, após uma
leitura e um discurso, d'Eslon, seu discípulo, foi excluído do quadro dos
médicos e as proposições de Mesmer foram rejeitadas com desdém e animosidade. É
então que publica o que viria a ser a mais importante descrição histórica da
ciência do magnetismo animal, intitulada “Resumo histórico dos fatos relativos
ao magnetismo animal”.
Em seguida ele abandona definitivamente o uso direto dos imãs e passa a
utilizar vários outros objetos nas suas sessões, principalmente um tubo de
vidro que se tornaria famoso – a tina mesmérica -, mas que não passava de uma
forma modificada de uma garrafa de Leyden, espécie de capacitor primitivo
inventado por Peter van Mussenbroek na primeira metade do século XVIII. As
garrafas de Leyden eram capazes de concentrar uma grande quantidade de cargas
elétricas, podendo dispensar, desta forma, choques violentos.
Segundo as teorias de fluidos elétricos vigentes à época a garrafa era
vista como um condensador deste fluido. E Mesmer soube utilizar os efeitos
produzidos por um tal instrumento com grande destreza sensacionalista,
vinculando a crença científica no fluido elétrico ao seu construto de um fluido
vital de natureza magnética.
Ressalte-se que a crença na existência de fluidos vitais era algo bem antiga
e que persistia desde eras remotas, mas que encontrava grande receptividade à
época.
A crença de Mesmer, portanto, na existência desse fluido elétrico ou
magnético animal, não era um fato isolado, mas estava ligada a um conjunto de
crenças vigentes àquela época. Esse pensamento exerceria grande influência
sobre alguns cientistas dos séculos XVIII e XIX, notadamente sobre Galvani e
Aldini.
Dentro deste quadro de mútuas influências, Mesmer passou então a
defender, com vigor crescente, a ideia de que seu próprio corpo atuava como um
tipo de imã animal, reforçando o fluido vital ou magnético nos corpos dos seus
pacientes.
Por esse prisma, a doença, dentro do paradigma do mesmerismo era vista
assim como um obstáculo ao fluxo dos fluidos vitais. Ele rompia esse obstáculo
produzindo uma crise, frequentemente assinalada por convulsões, restaurando
assim a harmonia perdida. Nesse contexto, as ideias de Mesmer eram vistas como
uma espécie de medicina natural dentre outras desenvolvidas à época.
Mesmer, segundo Medeiros (2000) e Neubern (2008) não fornecia, porém,
nenhuma peça de evidência convincente, em termos que pudessem ser aceitos por
uma comunidade científica que rejeitava, por motivos variados, a sua teoria.
Não fornecia, igualmente, nem mesmo quaisquer descrições mais rigorosas dos seus
experimentos que os tornassem reprodutíveis por outros pesquisadores. Muito
pelo contrário, suas práticas eram crescentemente relacionadas com um certo
ocultismo de tradição hermética, com as formas de procedimento sendo
transmitidas apenas aos seus seguidores tidos como iniciados.
A grande polêmica que se estabeleceu sobre as suas práticas, com claras
acusações de charlatanismo, não impediu, porém, que o estado de transe
induzido, abrisse um debate sobre a possível existência de um campo da
atividade mental que não parecia estar disponível conscientemente, mas que
poderia afetar os pensamentos e as ações dos indivíduos. Estava iniciada a
prática que posteriormente seria chamada de hipnotismo.
Em 1781, publicou o “Sumário Histórico dos Fatos Relativos ao Magnetismo
Animal”. Em seguida, em 1784, assinala Santos (2015) que Mesmer envia uma carta
a Benjamin Franklin denunciando os equívocos da comissão nomeada para examinar
seu discípulo d'Eslon, desautorizado para agir em seu nome, e a impropriedade
do método adotado. Por causa disso, o rei da França nomeia uma comissão de
sábios da Academia de Ciências de Paris - Jean-Sylvain Bailly (1736-1793),
Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), Benjamin Franklin (1706-1790),
Antoine-Laurent Lavoiser (1743-1794) -, que em quatro meses conclui que as
proposições de Mesmer não passavam de imaginação e autossugestão dos pacientes,
redigindo também um relatório secreto enviado à polícia que alertava para o
ambiente potencialmente licencioso das clínicas mesmeristas.
Outra comissão formada por médicos da Sociedade Real de Medicina também
rejeita a existência do magnetismo animal. Porém, um de seus membros, Jussieu,
divergiu dos colegas e admitiu curas. Mesmo assim, as vinte e sete proposições
de Mesmer foram analisadas por essa comissão designada pelo governo francês
para averiguação da validade de suas curas, sendo assinaladas como releituras
do alquimista Paracelso e de outros autores ligados ao Ocultismo. Vários
ataques surgiram contra Mesmer, tendo a comissão classificado que as curas
obtidas pelo magnetismo animal seriam apenas efeito de sugestão. Todavia, conforma
anotado por Darnton (1988), seus biógrafos afirmam que ele já praticava a arte
da cura em sua terra natal, na fronteira entre Prússia, Áustria e Suíça, pois na
época em que chegara à capital já trazia a fama de ser bom curador dos “males
da alma”.
Também registra Santos (2015) que suas ideias foram incompreendidas,
resultando ser expulso das cidades de Viena e Paris. Todavia, em 1785, seus
alunos publicaram os seus Aforismos. Logo depois, em 1787, Mesmer é homenageado
por Mozart, em sua ópera Così fan tutte, na qual, no final do primeiro ato, a
personagem Despina, fantasiada de médico, imita Mesmer e seu tratamento. Neste
mesmo ano, a esposa de Mesmer falece de câncer no seio. Em seguida, ele é preso
pela polícia, ao retornar a Viena, pois estava sendo investigado por questões
políticas, suspeito de ser favorável aos jacobinos. Liberado, fica sob custódia
até 5 de dezembro. Continuaria, porém, sendo observado pelas autoridades e retorna
a Paris, depois se mudando para Versalhes.
Em 1799 lançou sua principal obra “Memória de F. A. Mesmer, Doutor em
Medicina, Sobre suas Descobertas”,
Por mais que persistisse os seus propósitos não encontraram repercussões
significativas entre as instituições de pesquisas científicas e mesmo rechaçado
pelas avaliações do químico francês Antoine Laurent de Lavoisier (1843-1794) e
o cientista, inventor e diplomata estadunidense Benjamin Franklin (1706-1790),
deu-se que outra comissão de cientistas formada anos depois veio demonstrar
alguns dos erros da comissão de Franklin e Lavoisier, assumindo a veracidade
das curas magnéticas. Mesmo assim, conforme Santos (2015), Mesmer foi desqualificado
pelos herdeiros da episteme clássica, não se reabilitando ao pensamento
oitocentista nascente, a episteme moderna, no dizer de Foucault (2007).
Apesar do esforço de Mesmer para ter o reconhecimento de seus pares e
receber as honras das academias de ciência, sua teoria não passou pelo teste de
Lavoisier e Franklin, a existência do magnetismo animal não pode ser
comprovada.
Por essa razão, Mesmer fica extremamente contrariado e se retira da vida
pública, desaparecendo por alguns anos, só voltando à sua terra natal, em
silêncio, para dar continuidade às suas práticas magnéticas.
Em 1815, com quase oitenta anos, Mesmer morreu.
MESMERISMO: A TERAPÊUTICA DO MAGNETISMO ANIMAL E DA HIPNOSE - O mesmerismo foi a denominação dada ao
tratamento desenvolvido por Mesmer, reconhecido predecessor do hipnotismo e, de
acordo com essa teoria, é possível irradiar o magnetismo animal não apenas para
pessoas, mas também magnetizar objetos, como camas, água e pratos.
Para Santos (2015), trata-se das técnicas de cura magnética que se
utilizam das mãos do operador para tratar casos de doenças físicas.
Assim, o princípio básico do Mesmerismo diz que tanto os animais quanto
os seres humanos seriam também possuidores de uma forma de magnetismo, tal como
o magnetismo de um ímã.
O MAGNETISMO ANIMAL E SEUS PRINCÍPIOS - Mesmer iniciou suas pesquisas com o imã e com
a magnetização de objetos. Depois descobriu que não apenas os minerais, mas
também os animais e o homem eram possuidores de uma forma especial de
magnetismo, a qual chamou de magnetismo animal.
Todo o modelo teórico desse magnetismo contido na sua
obra pode ser entendido pelo excelente resumo dos vinte e sete pontos de suas
proposições, que em resumo propunha:
1º Existe uma influência mútua entre os corpos celestes,
a terra e os corpos animados.
2º Um fluido universalmente propagado e contínuo, de modo
a não sofrer qualquer vazio, cuja sutileza não permite comparações, e que, por
sua natureza é suscetível de receber, propagar e comunicar todas as impressões
do movimento, é o meio desta influencia.
3º Essa ação recíproca está submetida a leis mecânicas
desconhecidas até o presente.
4º Resultam dessa ação efeitos alternativos que podem ser
considerados como um fluxo e refluxo.
5º Este fluxo e refluxo é mais ou menos geral, mais ou
menos particular, mais ou menos composto, segundo a natureza das causas que o
determinam.
6º É por essa operação, a mais universal que a natureza
nos oferece, que as relações de atividade se exercem entre os corpos celestes,
a Terra e suas partes constitutivas.
7º As propriedades da matéria e dos corpos organizados
dependem desta operação.
8º O corpo animal prova os efeitos alternativos deste
agente, que ao se insinuar na estrutura dos nervos, afeta-os imediatamente.
9º Ele manifesta, especialmente no corpo humano,
propriedades análogas ao ímã. Distinguem-se polos igualmente diferentes e
opostos, que podem ser comunicados, trocados, destruídos e reforçados; o
próprio fenômeno da inclinação é também ai observado.
10º A propriedade do corpo animal que o torna suscetível
à influência dos corpos celestes e a ação recíproca daqueles que o cercam,
manifesta pela sua analogia com o ímã, determinou a chama-lo: “Magnetismo
Animal.
11º A ação e a virtude do Magnetismo Animal, assim
caracterizados, podem ser comunicados a outros corpos animados e inanimados.
Uns e outros, entretanto, são mais ou menos suscetíveis.
12º Essa ação e essa virtude do Magnetismo Animal podem
ser reforçadas e prolongadas por esses mesmos corpos.
13º Observa-se, em experiências, o escoamento de uma
matéria, cuja sutileza penetra todos os corpos, sem perder praticamente sua
atividade.
14º Sua ação realiza-se a distância afastada, sem a
intervenção de qualquer corpo, intermediário.
15º Ela é aumentada e refletida pelos espelhos, tal como
a luz.
16º Ela é comunicada propagada e aumentada pelo som.
17º Essa virtude magnética pode ser acumulada,
concentrada, transformada.
18º Disse que os corpos animados não são igualmente
suscetíveis; acontece mesmo, ainda que muito raramente, que têm uma propriedade
tão oposta que sua simples presença destrói todos os efeitos desse magnetismo
em outros corpos.
19º Essa virtude oposta também penetra todos os corpos;
ela pode ser comunicada, propagada, acumulada e transformada, refletida por
espelhos e propagada pelo som; o que constitui não apenas uma privação, mas uma
virtude oposta: positiva.
20º O ímã, natural ou artificial, é suscetível ao
magnetismo animal e à virtude oposta, sem que sua ação sobre a agulha seja
alternada; o princípio do magnetismo animal difere, portanto, do mineral.
21º Este sistema fornecerá esclarecimentos sobre a
natureza do fogo e da luz, bem como pela teoria da atração, sobre o fluxo e o
refluxo do ímã e da eletricidade.
22º Ele permitirá saber que o ímã e a eletricidade artificial
tem, em relação as doenças, apenas propriedades comuns a um grande número de
outros agentes e que, se resultam alguns afeitos úteis da administração
daqueles, isso se deve ao magnetismo animal.
23º Reconhecer-se-á, por esses fatos, segundo as regras
práticas que estabelecerei, que o princípio pode curar diretamente as doenças
dos nervos e indiretamente as demais.
24º Com sua ajuda, o médico é esclarecido sobre a
utilização dos medicamentos; aperfeiçoa sua ação, provoca e dirige as crises
salutares, de modo a se tornar o senhor da situação.
25º Ao comunicar meu método, demonstrarei por uma nova
teoria das doenças, a unidade universal do princípio que lhe aponho.
26º Com este conhecimento, o médico julgará seguramente a
natureza e o progresso das doenças, mesmo das mais complicadas; ele impedirá
seu desenvolvimento e alcançará sua cura, sem jamais expor o doente a efeitos
perigosos ou a resultados inoportunos, seja qual for a idade, o temperamento ou
o sexo. As mulheres grávidas e por ocasião dos partos gozarão das mesmas
vantagens.
27º Esta doutrina, enfim colocará o médico em condições
de julgar corretamente o grau de saúde de cada indivíduo e de preserva-lo das
doenças às quais ele possa estar exposto. A arte de curar chegará à sua maior
perfeição.
No dizer de Medeiros (2000), essas concepções foram desenvolvidas
livremente sob a influência da Física newtoniana e de Mead. De Newton provinha
a ideia de que corpos como a Lua e o Sol podiam influenciar fenômenos
terrestres como as marés parece ter exercido sobre ele um enorme fascínio; e de
Mead a ideia da gravitação animal. Essas ideias ele associou à medicina na
defesa de que a saúde era uma resultante harmônica entre os órgãos do corpo e
os planetas, acreditando, assim, haver uma conexão entre a gravitação universal
newtoniana e o poder do corpo e da mente humana. Daí, portanto, ele começou a
defender a sua ideia de magnetismo animal, utilizando-se de imãs para efeitos
medicinais. Por consequência, advogava a ideia de que o corpo era análogo ao imã
e que um fluido vital ou magnético escoava de acordo com as leis da atração
magnética, aplicando essas ideias ao tratamento médico na cura da histeria, bem
como de vômitos, convulsões e paralisias.
A TERAPIA DO MESMERISMO - Mediante o exposto, assinala Santos (2015) que a terapia
de Mesmer consistia, dessa maneira, em fazer fluir novamente o magnetismo
animal. Não havia a ingestão de remédios, a aplicação de sangrias ou banhos
frios, tampouco a aplicação de choques. O médico sentava-se em frente ao
paciente e ia tocando em seus joelhos, mãos e hipocôndrio, olhando fixamente
dentro de seus olhos.
Em conformidade com o recolhido por Darnton (1988), Zweig (1930),
Figueiredo (2005), Medeiros (2000) e Roudinesco e Plon (1998), as ideias e
estudos de Mesmer levaram-no à crença sobre a existência de um fluído magnético
que se encontrava na natureza e que o seu conhecimento possibilitaria a
transmissão desse potencial para as pessoas sobre os propósitos terapêuticos.
O fluído magnético de Mesmer seria, dessa maneira, análogo a um fluído
elétrico. O magnetismo, no entanto, tinha uma característica interessante: como
já sinalizado anteriormente, ele estava especialmente relacionado com o que
Mesmer chamou de “sistema nervoso”. Além da denominação, o austríaco chamava a
atenção para as dificuldades que os médicos contemporâneos a ele encontravam
para restabelecer a saúde das pessoas adoecidas, especialmente daquelas que
sofriam de males nervosos. Ele acreditava, ainda, que era necessário reconhecer
a insuficiência médica no trato com tais doenças, pois somente assim poderia
ocorrer uma melhoria na arte de curar os nervos. E mais: que apesar de todos os
avanços realizados até aquele momento, os médicos continuavam ignorando o
funcionamento do sistema nervoso, sua “ordem natural”.
O BAQUET, A TINA MESMÉRICA OU CUBA MAGNÉTICA - Como o número de seus clientes cresceu
bastante durante sua morada em Paris, Mesmer idealizou uma forma de tratamento
em grupo. Para tanto criou a chamada ‘tina mesmérica’ – o Barquet: uma espécie
de reservatório de água que continha no fundo, limalha de ferro e cacos de
vidro, além de garrafas concentricamente dispostas. O fundo da tina é composto
de garrafas arranjadas entre si de maneira particular. Acima dessas garrafas,
coloca-se água até uma certa altura; varas de ferro, cujas extremidades tocam a
água, saem dessa tina; e a outra extremidade, terminada em ponta, se aplica
sobre os doentes. Uma corda, em comunicação com o reservatório magnético e o
reservatório comum, liga todos os doentes uns aos outros; de modo que existe
uma circulação de fluido ou de movimento que serve para estabelecer o
equilíbrio entre eles.
Tal reservatório fora criado para atender a população carente. E para
tanto ele magnetizava árvores e pendurava cordas em seus galhos. Os que
seguravam as cordas recebiam o fluido vital que precisavam. Essa tina e árvores
mesmerisadas eram tidas por Mesmer como acessórios muitas vezes dispensáveis
utilizados apenas para que ele pudesse atender mais pessoas em menos tempo.
Assim sendo, o Baquet consistia em uma espécie de tina ou barril de
madeira onde eram colocados água magnetizada e, eventualmente, outros
elementos. Dele saiam pequenos cordões, seguros na extremidade pelos pacientes,
que serviriam de condutores para o fluido.
Expressa Santos (2015) que nas sessões coletivas realizadas em Paris,
ele utilizava essa “cuba magnética”, aparato inspirado na recém descoberta
garrafa de Leyden, que consistia em uma espécie de banheira redonda onde ficava
contida a água magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma porção de hastes
de ferro, utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde o
magnetismo animal estava concentrado, ou seja, a parte que doía. Depois os
pacientes davam as mãos, fechava-se o círculo e, com isso, o magnetismo
circulava entre todos os presentes.
O próprio Mesmer, ao final de cada sessão, tocava um instrumento chamado
harmônica de vidro, cujo som etéreo, semelhante à vibração de taças de vidro,
facilitava a comunicação e propagação do magnetismo. Não havia conversação
durante as sessões. Os passes, as músicas, o ambiente terapêutico repleto de
espelhos eram os meios usados por Mesmer para aos poucos promover suas curas.
Havia ainda, segundo Darnton (1988), um elemento fundamental para que o
processo terapêutico se efetivasse: a crise. Geralmente essa crise era uma
intensificação do problema que vinha prejudicando a saúde do paciente. Eram
convulsões, crises asmáticas, vômitos, síncopes. Segundo Mesmer, tais crises
deveriam ocorrer para que a doença se enfraquecesse até desaparecer. Nesse
trajeto, também a intensidade das crises diminuía, até que ela não incomodasse
mais o doente.
A HIPNOSE MESMÉRICA - Assinala Medeiros (2000) que Mesmer utiliza-se do tratamento das
pessoas, deixando-as em transe para subordiná-los inteiramente à sua vontade e
exercendo conscientemente o magnetismo animal.
Conforme Zweig (1930) e Foucault (2007), a hipnose era uma prática antiga em
culturas distantes no tempo, como sendo uma forma de cura e que era utilizada pelos
sacerdotes. Não era usada nos termos formais de hipnose, mas utilizava-se
processos e procedimentos hipnóticos para a cura de dores e doenças.
Encontra-se registro dessa prática no Egito antigo do século 1500 a.C., quando
os sacerdotes induziam um certo tipo de estado hipnótico com finalidade de
cura, conforme escrito nos papiros de Ebers. Estes papiros continham uma
coletânea de antigos escritos médicos descrevendo como aliviar a dor e as
doenças.
Também na Grécia antiga dos templos Asclépia, se fazia o diagnóstico e
cura dos doentes por intermédio do sono divino ou terapia onírica. Neste estado
anterior ao sono, chamado na época estado hipnagógico, as imagens irrompiam
automaticamente à consciência do doente e o sacerdote trabalhava simbolicamente
sobre estas imagens, fornecendo sugestões hipnóticas de cura.
No século XI, Avicena - médico iraniano, filósofo e sábio, acreditava
que a imaginação era capaz de enfermar e curar as pessoas.
No século XVI Paracelsus, alquimista e principal representante da
medicina hermética, acreditava na influência magnética das estrelas na cura de
pessoas doentes, vindo a confeccionar talismãs com inscrições planetárias e
zodiacais.
Observa-se, portanto, que a hipnose utilizada na antiguidade era
impregnada de magia, misticismo e religiosidade com objetivos de cura através
da imaginação, profecias, captação de ideias e mensagens dos deuses.
Utilizava-se induções hipnóticas individuais ou em grupos, através de danças,
cantos, orações, rituais e palavras.
Foi Mesmer que passou a conduzir tal prática nos seus tratamentos e na
cura das doenças, realizando várias cirurgias e anestesias sobre o sono
mesmérico, desenvolvendo-se a partir daí a expressão Mesmerismo.
Foi somente no século XIX que o médico inglês James Braid (1795-1859),
assistindo a uma cirurgia efetuada por Mesmer com anestesia geral provocada
pelo uso da hipnose, passou a estudar o processo vindo a reformular a teoria de
Mesmer, definindo-a como o estado hipnótico um estado particular de "sono
do sistema nervoso", vindo a cunhar o termo hipnose, do grego Hypnos que
simbolizava o Deus do sono na Mitologia Grega. Dessa forma, o termo hipnose
ficou erroneamente associada a ideia de sono. Logo depois de haver cunhado este
termo, James Braid se arrependeu pois percebeu que cientificamente a hipnose
não poderia ser comparada ao sono, sendo um estado justamente oposto ao sono,
de intensa atividade psíquica e mental. Braid utilizava basicamente a hipnose
como forma de se obter a anestesia cirúrgica e para ensinar autohipnose aos
pacientes, lembrando que o éter foi introduzido somente 1846 e o clorofôrmio em
1847. Assim, durante muitos anos a hipnose foi esquecida e mal interpretada por
não se compreender na época a natureza e dinâmica dos seus fenômenos. Ela foi
resgatada na França por duas importantes escolas de pensamento que possuíam
visões muito distintas sob o fenômeno da hipnose: a escola de Salpêtrière,
liderada por Jean-Martin Charcot (1835-1893) e a escola de Nancy, comandada por
Auguste A. Liebeault (1823-1904) e Hipolyte Bernheim (1840-19191).
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MESMERISMO - No dizer de Santos (2015), Mesmer foi um
fruto de sua época, era um “filho do Iluminismo” e estava inserido em círculos
intelectuais de finais do século XVIII, e, ainda que influenciado pelo
pensamento mágico-vitalista, tentava articular seu discurso nos termos do
mecanicismo. Isso porque, segundo Darnton (1988), o mesmerismo tinha mais em
comum com as teorias vitalistas que haviam se multiplicado desde a época de
Paracelso e que o seu sistema descendia diretamente dos sistemas tanto do
alquimista, como de J. B. van Helmont, Robert Fludd e William Maxwell, que
apresentavam a saúde como um estado de harmonia entre o microcosmo individual e
o macrocosmo celestial, envolvendo fluidos, magnetos humanos e influências
ocultas de toda espécie. Seguia, portanto, os princípios conhecidos da atração
universal, constatando por meio de observações que os planetas se afetam
mutuamente em suas órbitas, e que a Lua e o Sol causam e dirigem, no globo, o
fluxo e o refluxo do mar, assim como o da atmosfera; avançando, essas esferas
exercem também uma ação direta sobre todas as partes constitutivas dos corpos
animados, particularmente sobre o sistema nervoso, por meio de um fluido que a
tudo penetra. Ao constatar a ação pela intensão e remissão das propriedades da matéria
e dos corpos organizados, que são: a gravidade, a coesão, a elasticidade, a
irritabilidade, a eletricidade. Portanto, a afetação mútua dos astros celestes,
chamada por Mesmer de agente geral fazia movimentar um fluido muito sutil,
universal, que agia diretamente nas propriedades da matéria. Sendo o corpo
humano constituído de matéria, o fluido também nele agia, passando, sobretudo,
pelos nervos, os principais agentes das sensações e do movimento.
O magnetismo de Mesmer pode ser definido, portanto, como a reciprocidade
estabelecida entre duas criaturas vivas através do fluido magnético. Esta
ciência foi amplamente dominada durante a Era Antiga, particularmente no Egito,
onde ela era utilizada nos rituais religiosos conhecidos como Mistérios, pois
eram reservados apenas aos iniciados em seus conhecimentos.
As perseguições e proibições dos métodos utilizados por Mesmer, mesmo
que ele tenha curado comprovadamente muita gente e aos poucos sua fama começou
a se espalhar e a clientela aumentou consideravelmente, tendo por principais
adversários dois conhecidos oftalmologistas de Viena, o professor Barth e dr.
Shoerk, que haviam diagnosticado como incurável a cegueira da pianista Maria
Teresa Paradis, a mesma que foi curada por Mesmer, mas que sob nova intriga,
fora retirada à força do tratamento dele. Viu-se, portanto, Mesmer sem apoio de
seus colegas.
Neubern (2008) destaca as ligações perigosas na construção da
marginalidade do sistema de Mesmer e seu parentesco com antigos sistemas
renascentistas que uniam, numa mesma tentativa, os primeiros esboços da
racionalidade científica e os antigos ensinos sobre a magia O mesmerismo,
apesar de seu apelo quase desesperado de legitimação científica, compunha, aos
olhos de muitos médicos, o grosso e incômodo volume de terapias que
preconizavam o uso de faculdades naturais dos indivíduos e poderiam ser
praticados por qualquer pessoa, mesmo que não possuísse formação médica. À essa
altura, não eram apenas os médicos que se colocavam na defensiva e contribuíam
de forma substancial para uma oposição forte e organizada contra o mesmerismo,
incluindo-se a Igreja Católica.
O mesmerismo trazia ainda, segundo Neubern (2008), uma perspectiva
distinta enquanto tratamento terapêutico. Saindo da frieza típica e questionada
dos ambientes médicos e acadêmicos, suas expressões comportavam um alto teor catártico,
provocando a estranheza e a condenação por parte de instituições, autoridades e
profissionais. É possível que o envolvimento relacional significativamente
distinto entre o médico e sua clientela, comportando uma troca emocional
acentuada, somada ao caráter teatral de muitos terapeutas, como o próprio
Mesmer, promovessem possibilidades de expressão emocional pouco aceitas na
sociedade da época, inclusive devido a seu teor erótico. Essa dimensão foi um
dos principais pilares da condenação do mesmerismo, posto que originou um
relatório secreto no qual as comissões sugeriam os perigos de sedução nele
existente sobre as mulheres. Em suma, todo o teor erótico ou catártico típico
dos pacientes em torno do baquet não consistiam, para os médicos da época, em
elementos inerentes a um processo terapêutico, mas na possibilidade de abuso
dos pacientes, inclusive os femininos. Uma vez que se criava um tal contexto, quaisquer
elementos referentes às relações humanas no mesmerismo poderiam ser facilmente
qualificado como uma perversão dos valores sexuais. Numerosos panfletos,
anônimos ou de autoria conhecida, foram escritos com acusações contra Mesmer e
seus seguidores, embora nenhuma denúncia tenha sido feita ou nenhum fato tenha
sido comprovado nesse sentido.
Mesmer é lembrado ainda como o percursor do hipnotismo e,
segundo Zwieg (1930) e Figueiredo (2005), razão pela qual, em 1843, o primeiro
sinal de apoio advindo da comunidade científica apareceu por parte dos
trabalhos de James Braid que alegou haver conseguido separar o “magnetismo
animal” daquilo que ele denominou o “hipnotismo”, um termo propositadamente
introduzido com a finalidade de substituir o mesmerismo. Para Braid as curas
obtidas por Mesmer não teriam sido devidas ao magnetismo animal alegado, mas ao
poder da sugestão. Foi o desenvolvimento dessas técnicas de sugestão que levou
Braid ao hipnotismo. Anos depois, ainda no século XIX, Jean Marie Charcot viria
a interpretar o hipnotismo como simples manifestações de histeria, retornando
às explicações magnéticas de Mesmer e classificando três estados de transe: a
letargia, a catalepsia e o sonambulismo. As polêmicas de Charcot com os
defensores do hipnotismo, principalmente os componentes do grupo de Nancy
(Liebault e Bernheim) são um outro belo capítulo das disputas interpretativas
na história da ciência.
CONCLUSÃO - A resistência e perseguição aos métodos de Mesmer se deve, inicialmente,
à sua filiação mística e ao Ocultismo, fato este que encontra um rico arsenal
de exemplos que consolidaram a injustiça, inclusive com Paracelso só resgatado
em pleno séc. XXI. A sua ligação com Mozart – reconhecido apenas como compositor
– e com Cagliostro – este carrega uma pecha de charlatão até o presente
momento, sendo revisto apenas com o advento do desenvolvimento da Neurociência
-, com a ordem maçônica e com o Ocultismo, tem-se revestido de fonte de
incompreensões e mal entendidos a esse respeito.
Há que se salientar que Neubern (2008) por meio de uma releitura
bibliográfica enfocou uma série de revisões históricas que propõem novas
perspectivas de entendimento sobre os acontecimentos envolvendo Mesmer e sua
proposta terapêutica – o magnetismo animal ou mesmerismo, embasado na revisão
que se tem feito na atualidade ao que se entende por místico e ocultismo. Tais estudos
rompem com a ideia linear e por vezes parcial de que o mesmerismo tenha sido
apenas inconsistente diante das exigências metodológicas que mais tarde poderiam
finalmente serem satisfeitas por uma psicologia enfim científica. Questionam a série
de erros existentes no processo de avaliação levado a cabo pelas comissões
oficiais, como também apontam para uma diversidade de fatores do contexto
social da época que contribuíram significativamente para a oposição sistemática
criada contra o mesmo: a subversão social que existia potencialmente em seus
pressupostos e adeptos e os incômodos causados junto a instituições reguladoras
da sociedade, como a Igreja, o Estado e a família. Tais estudos levam a
conceber que existiram inúmeros fatores que contribuíram para a rejeição do mesmerismo
e que, mais que isso, os processos de ordem social ocuparam um lugar
privilegiado em meio a essas construções. Há que se destacar as ressonâncias de
práticas sociais em determinados contextos que alimentaram a indisposição das
instituições dominantes contra tal doutrina, no que concerne às questões gerais
sobre a associação com doutrinas mágicas, os dilemas epistemológicos, a
associação com movimentos subversivos e algumas dificuldades das relações entre
Mesmer e as instituições científicas.
Por conclusão, encontra-se ressonância na revisão da literatura de que a
construção da marginalidade do mesmerismo não se deu apenas em função das
incompatibilidades metodológicas e epistemológicas com a racionalidade
dominante, mas foi também profundamente influenciada pelo contexto, práticas e
instituições sociais da época. A indisposição criada contra o mesmerismo era de
ordem pessoal que o colocava como aliado das práticas subversivas, como a magia
e o espiritualismo, a instituições suspeitas, como a maçonaria, associava-se a
noções indesejáveis, como as renascentistas, e acabava questionando pontos
centrais da ordem regulatória vigente, fosse em termos de uma epistemologia
cartesiana, fosse em termos da própria estratificação social ou da autoridade
médica.
Dentro desse quadro, observa Medeiros (2000) que as influências
exercidas por Mesmer, a heterodoxia das suas práticas e o fundamento das suas
crenças, são, entretanto, pontos importantes que podem testemunhar a
importância e contemporaneidade e que, pelos estudos ora realizados, chegou-se
a conclusão tratar-se Mesmer do precursor dos métodos hipnóticos que passaram a
ser desenvolvidos a partir dele no séc. XIX pelo médico escocês James Braid
Mesmer (1795-1860), bem como da utilização da técnica terapêutica preocupado
com a cura das pessoas.
REFERÊNCIAS
DARNTON, Robert. O lado oculto da revolução: Mesmer e o final do
Iluminismo na França. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1988.
FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Mesmer, a ciência negada e os textos
escondidos. Bragança Paulista (SP): Lachâtre, 2005.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MEDEIROS, Alexandre. Mesmer a doutrina do magnetismo animal no século
XVIII. I Simpósio Latino-Americano da Ioste. São Paulo, USP, fevereiro de 2000.
NEUBERN, Maurício. Sobre a construção da marginalidade no mesmerismo. Revista
Psico, v. 39, n. 1, pp. 106-112, jan./mar. 2008.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. São
Paulo: Zahar, 1998.
SANTOS, Maria Siqueira. Elementos alquímicos na teoria magnética de F.
A. Mesmer. Congresso de História das Ciências - História Social pela UEL.
Disponível em http://www.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345055132_ARQUIVO_MariaSiqueiraSantos_13CongressodeHistoriadasCiencias.pdf. Acesso em 16 fev 2015.
ZWEIG, Stefan. A cura pelo espírito: Mesmer, Mary Baker-Eddy, Freud. Rio
de Janeiro: Guanabara, 1930.
*Trabalho apresentado por Luiz Alberto Machado,
Taiana Marina Kislanov e Vinicio Morais Fontes, como exigência da disciplina
Psicanálise, ministrada pela professora Olivia Noris Cunha de Farias, em março
de 2015.
Veja mais aqui.