GILLES LIPOVETSKY – O filósofo, professor e teórico da
Hipermodernidade, Gilles Lipovetsky, é autor de uma série de livros que abordam
sobre a temática do hiperconsumo e do individualismo na contemporaneidade.
Durante a mais longa parte da história da
humanidade, as sociedades funcionaram sem conhecer os movimentados jogos das
frivolidades. Assim, as formações sociais ditas selvagens ignoraram e conjuraram implacavelmente, durante sua
existência multimilenar, a febre da mudança e o crescimento das fantasias
individuais. A legitimidade inconteste do legado ancestral e a valorização da
continuidade social impuseram em toda parte a regra de imobilidade, a repetição
dos modelos herdados do passado, o conservantismo sem falha das maneiras de ser
e de parecer. O processo e a noção de moda, em tais configurações coletivas,
não têm rigorosamente nenhum sentido. Aliás, não que os selvagens, mesmo fora
dos trajes cerimoniais, não tenham por vezes o gosto muito vivo das ornamentações
e não procurem certos efeitos estéticos, mas nada que se assemelhe ao sistema
da moda. Mesmo múltiplos, os tipos de enfeites, os acessórios e penteados, as
pinturas e tatuagens permanecem fixados pela tradição, submetidos a normas
inalteradas de geração em geração. Hiperconservadora, a sociedade primitiva
impede o aparecimento da moda por ser esta inseparável de uma relativa
desqualificação do passado: nada de moda sem prestígio e superioridade
concedidos aos modelos novos e, ao mesmo tempo, sem uma certa depreciação da
ordem antiga. Inteiramente centrada no respeito e na reprodução minuciosa do
passado coletivo, a sociedade primitiva não pode em nenhum caso deixar
manifestarem-se a sagração das novidades, a fantasia dos particulares, a
autonomia estética da moda. Sem Estado nem classes e na dependência estrita do
passado mítico, a sociedade primitiva é organizada para conter e negar a
dinâmica da mudança e da história. Como poderia ela entregar-se aos caprichos
das novidades quando os homens não são reconhecidos como os autores de seu
próprio universo social, quando as regras de vida e os usos, as prescrições e
as interdições sociais são colocados como resultantes de um tempo fundador que
se trata de perpetuar numa imutável imobilidade, quando a antiguidade e a
perpetuação do passado são os fundamentos da legitimidade? Para os homens, nada
mais resta fazer senão continuar na mais estrita fidelidade àquilo que foi
contado, nos tempos originários, pelas narrativas míticas. Na medida em que as
sociedades foram submetidas, tanto em suas atividades mais elementares como nas
mais carregadas de sentido, aos comportamentos dos ancestrais fundadores, e na medida
em que a unidade individual não pôde afirmar uma relativa independência em
relação às normas coletivas, a lógica da moda viu-se absolutamente excluída. A
sociedade primitiva criou uma barreira redibitória à constituição da moda, na
medida em que esta consagra explicitamente a iniciativa estética, a fantasia, a
originalidade humana, e implica, além disso, uma ordem de valor que exalta o
presente novo em oposição frontal com o modelo de legitimidade imemorial
fundado na submissão ao passado coletivo. Para que o reino das frivolidades
possa aparecer, será preciso que sejam reconhecidos não apenas o poder dos
homens para modificar a organização de seu mundo, mas também, mais tardiamente,
a autonomia parcial dos agentes sociais em matéria de estética das aparências. [...]
O IMPÉRIO DO EFÊMERO – O livro O império do efêmero, de
Gilles Lipovetsky aborda temas como o feérico das aparências, a moda e o
Ocidente, o momento aristocrático, a moda de cem anos, a moda aberta, a moda
consumada, a sedução das coisas, a publicidade mostra suas garras, cultura à
moda mídia, voga o sentido, os deslizamentos progressivos do social, entre
outros assuntos.
Uma nova modernidade nasceu: ela coincide com a “civilização do desejo”
que foi construída ao longo da segunda metade do século XX. Essa revolução e inseparável
das novas orientações do capitalismo posto no caminho da estimulação perpetua
da demanda, da mercantilização e da multiplicação indefinida das necessidades:
o capitalismo de consumo tomou o lugar das economias de produção. Em algumas décadas,
a affluent society alterou os gêneros de vida e os costumes, ocasionou
uma nova hierarquia dos fins bem como uma nova relação com as coisas e com o
tempo, consigo e com os outros. A vida no presente tomou o lugar das expectativas
do futuro histórico e o hedonismo, o das militâncias politicas; a febre do conforto
substituiu as paixões nacionalistas e os lazeres, a revolução. Sustentado pela nova
religião do melhoramento continuo das condições de vida, o maior bem-estar tornou
se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal
exaltado em todas as esquinas. Raros são os fenômenos que conseguiram modificar tão profundamente os
modos de vida e os gostos, as aspirações e os comportamentos da maioria em um
intervalo de tempo tão curto. Jamais se reconhecera tudo que o homem novo das
sociedades liberais “deve” a invenção da sociedade de consumo de massa. [...] Muitas são as razões que
levam a pensar que a cultura da felicidade mercantil não pode ser considerada
um modelo de vida boa. São suficientes, no entanto, para invalidar radicalmente
seu principio? Porque o homem não e Uno, a filosofia da felicidade tem o dever
de fazer justiça a normas ou princípios de vida antitéticos. Temos de
reconhecer a legitimidade da frivolidade hedonística ao mesmo tempo que a exigência
da construção de si pelo pensamento e pelo agir. A filosofia dos Antigos
procurava formar um homem sábio que permanecesse idêntico a si próprio,
querendo sempre a mesma coisa na coerência consigo e na rejeição do supérfluo.
Isso e de fato possível, de fato desejável? Não o creio. Se, como sublinha
Pascal, o homem e um ser feito de “contrariedades”, a filosofia da felicidade não
tem de excluir nem a superficialidade nem a “profundidade”, nem a distração
fútil nem a difícil constituição de si mesmo. O homem muda ao longo da vida e
não esperamos sempre as mesmas satisfações da existência. Significa dizer que não
poderia haver outra filosofia da felicidade que não desunificada e pluralista:
uma filosofia menos cética que eclética, menos definitiva que móvel. No quadro
de uma problemática “dispersa”, não e tanto o próprio consumismo que compete
denunciar, mas sua excrescência ou seu imperialismo constituindo obstáculo ao
desenvolvimento da diversidade das potencialidades humanas. Assim, a sociedade
hipermercantil deve ser corrigida e enquadrada em vez de posta no pelourinho.
Nem tudo e para ser rejeitado, muito e para ser reajustado e reequilibrado a fim
de que a ordem tentacular do hiperconsumo não esmague a multiplicidade dos horizontes
da vida. Nesse domínio, nada esta dado, tudo esta por inventar e construir, sem
modelo garantido. Tarefa árdua, necessariamente incerta e sem fim, a conquista
da felicidade não pode ter prazo. O que e verdade para a sociedade e verdade
para o individuo: o homem caminha rumo a um horizonte que se evapora a medida
que ele imagina estar próximo, toda solução trazendo consigo novos dilemas. A
cada dia, a felicidade tem de ser reinventada e ninguém detém as chaves que
abrem as portas da Terra Prometida: sabemos apenas pilotar sem instrumentos e
retificar ponto por ponto, com mais ou menos sucesso. Lutamos por uma sociedade
e uma vida melhor, buscamos incansavelmente os caminhos da felicidade, mas o
que nos e mais precioso, a alegria de viver, como ignorar que sempre nos será
dada por acréscimo?
A FELICIDADE PARADOXAL – O livro A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de
hiperconsumo, de Gilles Lipovetsky aborda na primeira parte sobre
a sociedade do hiperconsumo, as três eras do capitalismo de consumo, o
nascimento dos mercados de massa, a produção e marketing de massa, uma tripla invenção: marca, acondicionamento e publicidade; os grandes
magazines, a sociedade de consumo de massa, a economia fordista, uma nova salvação,
além da posição social: o consumo emocional, do consumo ostentatório ao consumo
experiencial, o consumo intimizado, paixão pelas marcas e consumo democrático,
fetichismo das marcas, luxo e individualismo; hperconsumo e ansiedade, poder e
impotência do hiperconsumidor, medicalização do consumo, controle do corpo e espoliação,
um hipermaterialismo médico, consumo, tempo e jogo; o consumo como viagem e
como divertimento, hedonismo, lazer e economia da experiência; a compra-prazer,
a febre da mudança perpétua, o consumo, a infância e o tempo; rejuvenescer a experiência vivida, nostalgia
e desejo de insignificância, a organização pós-fordista da economia, a economia
da variedade, extensão das séries e produção personalizada, a reorientação de
marketing de grande distribuição, a corrida à inovação, a inflação das
novidades, a economia da velocidade, cronoconcorrência, imagem, preço e
qualidade, hiperpublicidade e hipermarcas, rumo a um turboconsumidor, o consumo
discricionário de massa, a revolução do auto-serviço, o hedonismo consumidor, o
turboconsumismo, o consumo hiperindividualista, o consumidor-viajante, o
consumo continuo, um turboconsumismo policrônico, o efeito Diva, o consumo
balcanizado, a criança hiperconsumidora, Power Age, entre medida e caos, consumidor
“profissional” e consumidor anárquico, o fabuloso destino do Homo consumericus,
o consumo-mundo, o consumo sem freio, a espiritualidade consumista, o hiperconsumidor
cativado pela ética, o consumismo sem fronteira, o consumo reflexivo, da
vitrine à consciência, o hiperconsumo como destino, limites da mercantilização,
relações mercantis e sociabilidade, aniquilação dos valores? A sentimentalizacao
do mundo, frivolidade e fragilidade. Na segunda parte, aborda sobre prazeres
privados e a felicidade ferida, Penía: gozos materiais, insatisfação existencial, da decepção, consumo e decepção,
os novos vetores da decepção, vida profissional, vida sentimental, vida malograda,
desejos, frustrações e publicidade, a publicidade prometeica, extensão do domínio
publicitário, a ilusão da onipotência, a publicidade-reflexo, a tragédia do
hiperconsumo, a falta, o agir e os outros, pobreza e delinquência: a violência
da felicidade, exclusão, consumo e individualização, precariedade e
individualismo selvagem, miséria material, miséria interior, aflições e
renascimento, a vida recomeçada, Dionísio: sociedade hedonista, sociedade
antidionisíaca, a sagração das pequenas felicidades, o cotidiano ludicizado, lazeres
e tempo para si, era das comunidades, era dos indivíduos, conforto e bem-estar
sensitivo, do conforto tecnicista ao bem-estar emocional, o amor pela casa: o
conforto no conforto. conforto, tecnologias de conexão e segurança, o design
polissensorial, beber e comer, Gargantua envergonhado, prazeres gastronômicos e
cozinha hipemoderna, o desvanecimento do carpe diem, o triunfo de Knock, orgia
pesada, sexo ajuizado, um hedonismo bem temperado, sexo, amor e narcisismo;
noites de embriaguez dias de festa, drogas, desestruturação e criminalização, a
ressurreição da festa, a festa maneira, Super-Homem: obsessão pelo desempenho,
prazeres dos sentidos; vida profissional, vida privada, trabalho e tempo livre,
feliz no trabalho? Corpos competitivos e preguiçosos, a euforia esportiva, sociedade
dopante, esporte-lazer e corpos preguiçosos, superar-se ou sentir-se bem? “Maior
bem-estar” e corpo das sensações, medicalização, prudência e sofrimento; o
consumo paliativo, sexo-máquina, o amor, sempre; sexo-proeza, sexo emocional;
miséria sexual e gozo sensual, Nemesis: superexposição da felicidade, regressão
da inveja; o mau-olhado, quando a felicidade se mostra, a inveja neutralizada,
dizer a felicidade, medo da inveja e modernidade, confiança: felicidade e
inveja, confiança: suspeita e inveja, as metamorfoses da inveja, luxo e comparação
provocante, inveja existencial e inveja geral, o recuo da inveja, Homo felix:
grandeza e miséria de uma utopia, felicidade e esperança, sabedoria da ilusão,
consumo destrutível e responsável, uma sociedade de hiperconsumo durável, hiperconsumo
e anticonsumo, frugalidade e felicidade, a sabedoria ou a última ilusão, a sabedoria
light, ilusão da sabedoria, ética e estética: uma nova barbárie, barbárie
estética, barbárie moral, o espírito de consumo, arcaísmos, o pós-hiperconsumo,
o ecletismo da felicidade, entre outros assuntos.
Com a era individualista abre-se a possibilidade de uma era de violência
total da sociedade contra o Estado, sendo uma das suas consequências uma
violência não menos ilimitada do Estado sobre a sociedade, ou seja o Terror
como modo moderno de governo pela violência exercida em massa, não só contra os
opositores, mas também contra os partidários do regime. As mesmas razões que
permitem à violência civil subverter a ordem social e política tornam possível
um desafio sem precedentes do poder em relação à sociedade, nascendo o Terror
na nova configuração ideológica resultante da supre macia do indivíduo: quer os
massacres, as deportações, os processos se realizem em nome da vontade do povo
quer da emancipação do proletariado, o Terror só é possível em função de uma
representação democrática e, portanto, individualista, do corpo social, embora,
sem dúvida, para denunciar a sua perversão e para restabelecer pela violência a
prioridade do todo coletivo. Do mesmo modo que a vontade revolucionária não
pode explicar-se por contradições objetivas de classe, também é vão querer dar
conta do Terror a partir de simples necessidades circunstanciais é porque o Estado,
de acordo com o ideal democrático, se proclama idêntico e homogéneo à sociedade
que, com efeito, pode chegar a desafiar toda a legalidade, a desenvolver uma
repressão sem limites, sistemática, indiferente às noções de inocência e de
culpabilidade Se, por conseguinte, a evolução individualista-democrática
implica correlativamente, na longa duração, uma redução dos signos ostentatórios
do poder estatal e o advento de um poder benevolente, suave, protetor nem por
isso deixou de permitir a emergência de uma forma particularmente sangrenta de
poder, que podemos interpretar como uma última revivescência do brilho do soberano
condenado pela ordem moderna, uma formação de compromisso entre os sistemas da crueldade
simbólica tradicional e a impessoalidade gestionária do poder democrático A
grande fase do individualismo revolucionário termina ante os nossos olhos:
depois de ter sido um agente de guerra social, o individualismo contribui
atualmente para abolir a ideologia da luta de classes. Nos países ocidentais
desenvolvidos, a era revolucionária encerrou-se, a luta de classes
institucionalizou-se, já não é portadora de descontinuidade histórica, os parti
dos revolucionários encontram-se num estado de deliquescência total, a ne
gociação leva por todo o lado a melhor sobre os confrontos violentos. [...]
A ERA DO VAZIO – O livro A era do vazio: ensaios sobre o individualismo
contemporâneo, de Gilles Lipovetsky, trata acerca da sedução non stop, da indiferença pura, Narciso ou a estratégia do vazio,
modernismo e pós-modernismo, a sociedade humorística e violências selvagens,
violências modernas.
OS TEMPOS HIPERMODERNOS – O livro Os tempos hipermodernos, de Gilles Lipovetsky, aborda sobre o individualismo paradoxal, tempo contra
tempo ou a sociedade hipermoderna, a entrevista marcos de uma trajetória
intelectual, entre outros diversos assuntos.
REFERÊNCIAS
LIPOVETSKY,
Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas
sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
______. A era do vazio: ensaios
sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005.
______. A felicidade paradoxal:
ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras,
2007.
______. Os tempos hipermodernos,
São Paulo: Barcarolla, 2004.
Veja mais aqui.