A PSICOLOGIA NO BRASIL – A profissão de
psicólogo foi reconhecida no Brasil por força da Lei 4.119, de 27 de agosto de
1962, que também dispôs sobre os cursos de formação em psicologia. Ao longo
desses poucos mais de cinquenta anos de existência, conforme Lane (2006) e
Freitas (2009), a profissão se desenvolveu por meio de transformações e
mudanças que devem ser observadas para definição do papel da psicologia e do
psicólogo no Brasil.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de
Pesquisa de Opinião e Mercado (Who), em 2001, revelou que o perfil do psicólogo
brasileiro estava representado majoritariamente por profissionais femininas na
faixa dos 26 aos 45 anos de idade, tendo a carreira sendo definida por volição
e reparação: a primeira ocorre por vocação e busca do uso de recursos para
realização da atividade; e a segunda, a escolha se deu para corrigir uma falha
na infância. Nesse sentido, detecta-se que a identidade profissional ainda se
encontra na busca pela legitimação da ocupação e de engajamento do psicólogo no
campo ocupacional. Fatores internos, como realização pessoal, vocação,
compatibilidade com as próprias habilidades, gosto e valorização das atividades
e dos objetivos realizados pelos psicólogos mobilizam aqueles que escolhem a
carreira, bem como os fatores externos, como remuneração, abertura do mercado,
visibilidade da profissão e riscos diversos influenciam na decisão na definição
da graduação.
A esse respeito, Moura (1999) expressa a
existência de uma mobilização pró formação generalista para a área, com o
objetivo de formar psicólogos-cidadãos comprometidos com a realidade social,
atuando enquanto agentes de transformação, na direção da construção de uma
sociedade mais justa e democrática. Tal proposta atua contra a realidade
presente de adoção de uma modalidade teórico-metodológica embasada na
neutralidade e estabilidade amparadas no mito da universalidade que consideram
a concepção de um homem a-histórico e de que todos são iguais em qualquer época
e lugar, sob a influência estadunidense das chamadas especialidades atreladas a
um campo específico de atuação por meio de uma prática adaptacionista e
a-crítica da matriz individualizante. Ocorre que esse modelo entrou em colapso
fomentando a crise da Psicologia que se viu com a necessidade de sair das
clínicas, despreparada para atender as demandas sociais. Por consequência,
viu-se a necessidade de revisão da prática e ampliação da perspectiva de
analise profissional, direcionando-se pela ruptura com o modelo biomédico de
atuação que privilegia a prática exclusiva ao consultório e prática clínica,
evitando-se a leitura psicologizante da realidade, transformando-se para que os
sujeitos de desejos conquistem e reinventem a cidadania.
Por essa razão, a principal preocupação estava
voltada para as diretrizes curriculares com as propostas do MEC que não ouviu
nenhuma representação da categoria, ampliando a falta de flexibilidade do currículo
nacional. A base de discussão se encontrava e ainda se encontra na garantia do
perfil generalista, detectando, porém, a dificuldade de integração entre a
prática e a teoria, notadamente na questão de uma psicologia brasileira que
faça frente ao modelo descritivo e reprodutivo adotado. Além do mais, com a
emergência globalizante da atualidade, recheada de expectativas de paradoxos,
ampliou o conceito de profissionalismo, requerendo especializações e
experiência prévia, desde o primeiro emprego até os trainees, tornando a graduação insuficiente para o competente
exercício profissional. Destacam Malvezzi, Souza e Zanelli (2010) que uma visão
mais acurada do curriculum profissional voltyada para habilitação e
potencialidades obsta o acesso do recém-graduado pela exigência de experiência
e comprovação de especialização. Assinalam os autores que a habilitação não se
configura apenas com o diploma, mas por valores agregados nas competências e na
trajetória profissional.
Partindo para a visualização da realidade do profissional
no país, observou-se que entre as características dos psicólogos recém-graduados
tem-se demonstrado que a razão do interesse pela psicologia encontra-se,
segundo Malvezzi, Souza e Zanelli (2010), na viabilidade, na visibilidade, no
acesso não problemático e a potencialidade de realização pessoal e profissional
oferecido.
As condições de inserção profissional dos
recém-graduados, anotados por Malvezzi, Souza e Zanelli (2010), expressam
fatores como diversidade de contratos, multiplicidade de vínculos,
indiferenciação entre emprego, estágio e trabalho esporádico, remuneração por
resultados, competências, atividades exercidas e produtividade, e, enfim, a
superposição e a oscilação entre trabalho formal e informal são detectados como
os principais obstáculos para enquadramento profissional, levando-se em conta
que os empregos são instáveis, migrantes, dinamizados por alta competitividade
e com frequentes rupturas na carreira. Tanto que os autores assinalam a
atividade autônoma é a modalidade mais encontrada entre os profissionais,
seguindo-se de vínculos de atuação nos setores público, privado e ONGS.
Bastos, Gondim e Rodrigues (2010) apontam
para as bases do processo de crescimento e interiorização profissional ocorrida
na última década, demarcando a mobilidade entre os profissional no país e a
origem social desses profissionais, concluindo que a profissão está em
constante crescimento tanto nas capitais como no interior, em função da
expansão do sistema de formação.
Nesse cenário, observa-se que no cenário da
psicologia brasileira, muitas discussões ainda assinalam os mais diversos problemas
da categoria. Entre esses problemas há quem aponte que o erro não se encontra
apenas no ensino, nem só na falta de flexibilidade do currículo, como também,
deve-se destacar, a dificuldade pela descoberta de novas possibilidades de
trabalho fora da clínica, da escola ou do hospital, observando-se espaço para a
atuação na área da psicologia social e comunitária, penitenciária, jurídica, esportiva,
demonstrando a pluralidade profissional com uma riqueza de diversidade de
condição e de natureza de trabalho. Como assinalam Malvezzi, Souza e Zanelli
(2010, p. 104) que “Ser psicólogo é uma profissão aberta a diferentes caminhos,
diversificada para abrigar pessoas de distintos interesses, alicerçada para
enfrentar as turbulências da globalização e enriquecida de significativa pluralidade
de recursos para ser uma força de transformação na sociedade”, especialmente
por ser a profissão que enfrenta as contradições, os conflitos e as
desigualdades presentes no contexto brasileiro.
Face tal contexto, faz-se necessário destacar
a necessidade de diálogo do profissional psicólogo com equipes interdisciplinares,
com capacidade empreendedora formulada a partir do Plano de Desenvolvimento
Individual (PDI) e ênfase na pesquisa, tendo uma visão mais ampla da profissão
e da descoberta de espaços de intervenção. Também merece destaque o processo de
reterritorialização de atividades, pela disputa do profissional psicólogo com
outras categorias, a exemplo da área de gestão, reiterando-se a necessidade de
especialização flexível e competências portáteis que sejam disponibilizadas nas
mais diversas situações da atividade profissional. Em vista disso, convém
trazer a expressão de Malvezzi, Souza e Zanelli (2010) de que o objeto da
psicologia é o comportamento, seus determinantes e o processo de adaptação do
ser humano ao mundo e a si mesmo, como questão presente em todas as atividades
humanas, seja na saúde, no trabalho, na educação, na construção de estruturas
sociais e politicas, bem como na arte. Um profissional que seja, no dizer de
Moura (1999), “[...] capaz de empreender uma prática pluralista, crítica e
transformadora, que saiba reconhecer as demandas de intervenção e propor
caminhos que atendam a essas demandas. No entanto, para alcançar estes
propósitos teremos, inevitavelmente, que transitar por territórios
desconhecidos e movediços que, certamente, produzirão rupturas irreparáveis.
Entre tantas, destaca-se a necessária e urgente revisão do conceito de saúde
mental, da concepção de sujeito, do modelo de sociedade e, consequentemente, da
concepção de ciência e métodos de investigação que utilizamos. Depois de tudo,
teremos ainda que aprender a relativizar nosso saber acadêmico frente ao saber
empírico, a fim de estabelecermos um diálogo produtivo com os sujeitos
concretos. Estes, sim, verdadeiros agentes de transformações na realidade
sócio-econômico-político e cultural”.
REFERÊNCIA
BASTOS, Antônio; GONDIM, Sônia. O trabalho do
psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010.
BASTOS, Antonio; GONDIM, Sônia; RODRIGUES,
Ana Carolina. Uma categoria profissional em expansão: quantos somos e onde
estamos: In: BASTOS, Antônio; GONDIM, Sônia. O trabalho do psicólogo no Brasil.
Porto Alegre: Artmed, 2010.
FREITAS, Maria de
Fátima. Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (Social)
comunitária: práticas da psicologia em comunidades nas décadas de 60 a 90 no Brasil.
In: CAMPOS, R.H.F (Org.). Psicologia Social Comunitária. Petrópolis:
Vozes, 2007.
LANE, Silvia. Avanços da Psicologia Social na
América Latina. In: LANE, Silvia; SAWAIA, Bader (Orgs,). Novas veredas da
psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.
MALVEZZI, Sigmar; SOUZA, Janice; ZANELLI,
José Carlos. Inserção no mercado de trabalho: os psicólogos recém-formados. In:
BASTOS, Antônio; GONDIM, Sônia. O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto
Alegre: Artmed, 2010.
MOURA, Eliana. A psicologia (e os psicólogos)
que temos e a psicologia que queremos: reflexões a partir das propostas de
diretrizes curriculares (MEC/SESU) para os cursos de graduação em psicologia.
Revista Psicologia: Ciência e Profissão, vol. 19, nº 2, Brasília, 1999.
REVISTA VIVER PSICOLOGIA. O psicólogo, um
perfil em construção. 22 de setembro de 2007.
Veja mais aqui.