sábado, 7 de fevereiro de 2015

EU E TU, DE MARTN BUBER


[...] O homem aspira possuir Deus; ele aspira por uma continuidade da posse de Deus no espaço e no tempo. Ele não se contenta com a inefável confirmação do sentido, ele quer vê-la difundida como um continuo, sem interrupção espacio-temporal que lhe forneça uma segurança a sua vida, em cada ponto, em cada momento. Tão  intensa e sua sede de continuidade que o homem não se satisfaz com o ritmo vital da relação pura onde se alternam atualidade e latência, onde e nossa forca de relação que diminui, por isso, a presença, e não a presença originaria. Ele aspira a extensão temporal, a duração. Deus se torna um objeto de fé. Originariamente a fé completa, no tempo, os atos de relação e, gradualmente, ela os substitui. [...] Deus se torna deste modo, um objeto de culto. O culto, também completa, originariamente, os atos de relação, na medida em que insere a oração viva, o dizer-Tu imediato em um conjunto espacial de grande poder de ima- a graça, reflete sobre aquele que concede este dom e assim não atinge nem um nem outro. Na experiência da vocação. Deus e para ti a presença. Aquele que, em missão, percorre o caminho, tem Deus diante de si; quanto mais fiel o cumprimento da missão, mais intensa e constante a proximidade. Ele não pode, sem duvida, ocupar-se de Deus, mas pode entreter-se com ele. A reflexão ao contrario, faz de Deus um objeto. O seu movimento, que aparentemente o faz dirigir-se para o fundamento originário, não passa, na verdade, de um aspecto do movimento universal de afastamento. Do mesmo modo o movimento, que aparentemente realiza aquele que cumpre sua missão, ao afastar-se dele, pertence, na realidade, ao movimento universal de aproximação. Pois estes dois movimentos fundamentais, metacosmicos: a expansão para o próprio ser e a conversão para o vinculo, encontram sua mais alta forma humana, a verdadeira forma espiritual de seu confronto e de sua conciliação, de sua composição e separacao1 1 na historia do contato humano com Deus. Na conversão, o Verbo nasce sobre a cerra, na expansão, ele se transforma e se encerra na crisálida da religião, em uma nova conversão, ele renasce com asas renovadas. Aqui não reina o arbitrário; embora o movimento para o Isso vai, as vezes, tão longe a ponto de oprimir e ameaçar, sufocar o movimento de retorno ao Tu. As poderosas, revelações que as religiões invocam, se assemelham fundamentalmente as revelações silenciosas que se passam em todo tempo e lugar. As revelações poderosas que estão na origem das grandes comunidades, nos movimentos de transição das etapas da humanidade, nada mais são do que eterna revelação. A revelação, no entanto, não é derramada sobre o mundo através de seu destinatário, como se o fosse através de um funil; ela chega a ele, ela o toma em sua totalidade, em todo o seu modo de ser e se amalgama a ele. Também  o homem, que e a “boca", e exatamente a boca e não um porta-voz, não e um instrumento, mas um órgão que soa segundo suas próprias leis e soar e transformar. Ha todavia, uma diferença qualitativa entre as etapas da historia. Ha uma maturação do tempo, onde o elemento verdadeiro do espírito humano, oprimido e soterrado, amadurece para a disposição, sob tal pressão e em tal tensão que, ele só espera um toque daquele cujo contato produz o surgimento. A revelação, que ai se produz envolve na totalidade de sua constituição, ela o funde e imprime nele uma forma, uma nova forma de Deus no mundo. E assim pois, que, ao longo do caminho da Historia, através das transformações do elemento humano, são chamados a forma divina sempre novos domínios do mundo e do espírito. Esferas sempre novas tornam-se o lugar da teofania. O que aqui atua não e mais o poder próprio do homem, também não e a pura passagem de Deus, e uma mistura de divino e humano. Aquele a quem na revelação, foi confiada uma missão, leva em seus olhos uma imagem de Deus — por mais supra sensível que seja, ele leva nos olhos de seu espírito, nesta forca visual de seu espírito não e de modo algum, metafórico, mas plenamente real. O espírito, por sua vez, responde também através de uma visão, através de uma visão formadora. Embora nos, terrestres, não percebamos jamais Deus sem o mundo, mas só o mundo em Deus, ao percebermos, criamos eternamente a forma de Deus. A forma também e uma mistura de Tu e Isso; ela pode solidificar-se em um objeto de fé e de culto; porem em virtude da essência da relação que subsiste nela, ela se transforma sempre em presença. Deus e próximo de suas formas, enquanto o homem não se afasta delas. Na verdadeira prece, o culto e a fé se unem e se purificam para a relação viva. O fato de a verdadeira prece permanecer viva nas religiões e o sinal de sua verdadeira vida; enquanto vivem nela, elas permanecem vivas. A degeneração das religiões significa a degeneração da prece nelas. Na medida em que o poder de relação e cada vez mais encoberto pela objetividade, torna-se cada vez mais difícil de nelas pronunciar o Tu com o ser total e indiviso, e o homem, para poder fazê-lo, e finalmente sair de sua falsa segurança para a aventura do infinito, sair da comunidade reunida somente sob a cúpula do templo e não sob o firmamento para projetar-se para a ultima solidão. Atribuir este anseio ao subjetivismo e desconhece-lo profundamente; a vida diante da Face e a vida na atualidade única, o único “objectivum" verdadeiro; e o homem que se projeta para este fim quer, antes que o falso e ilusório objetivo tenha perturbado a sua verdade, refugiar-se naquele que e realmente. Enquanto, o subjetivismo absorve Deus na alma, o objetivismo faz dele um objeto; este e uma falsa segurança aquele uma falsa libertação; ambos são desvios do caminho da atualidade, ambos são tentativas de substituição da atualidade. Deus e próximo de suas formas, enquanto o homem não as afasta d’Ele. Porem, quando o movimento de expansão das religiões dificulta o movimento de conversão e afasta a forma de Deus, apaga a face da forma, seus lábios desfalecem, suas mãos caem, Deus não a conhece mais e a morada universal, construída em volta de seu altar, o cosmos humano cai em ruínas. Que o homem, diante de sua verdade destruída, não veja mais o que ai aconteceu e próprio do acontecimento. Aconteceu a decomposição da Palavra. A Palavra esta presente na revelação, ela age na vida da forma e seu valor esta no reino da forma morta. Tal e a ida e a vinda da Palavra eterna e eternamente presente na historia. As épocas nas quais a palavra esta presente, são aquelas onde se renova o contato do Eu e do mundo. As épocas onde reina a Palavra ativa são aquelas nas quais perdura o acordo entre o Eu e o Mundo. As épocas nas quais a Palavra se torna valida são aquelas nas quais se realizam a desatualização, a alienação entre o Eu e o Mundo, a fatalidade do devir — ate que sobrevenha o grande tremor e a suspensão do alento na obscuridade, e o silencio preparador. A estrada não e, porem, circular. Ela e o caminho. Em cada novo Eon, a fatalidade se torna mais opressora, a conversão mais assoladora. E a teofania se torna cada vez mais próxima, ela se aproxima sempre mais da esfera entre seres, se aproxima do reino que se oculta no meio de nos, no "entre”. A historia e uma aproximação misteriosa. Cada espiral do caminho nos conduz igualmente a uma perdição mais profunda e a uma conversão mais originaria. Porem o evento que do lado do mundo se chama conversão, do lado de Deus, se chama redenção.

EU E TU – O livro Eu e tu, do filósofo e escritor judeu Martin Buber (1878-1965) traz reflexões que expressam seu pensamento religioso e que abrange vários campos, filosofia e sociologia, sionismo e hassidismo, exegese da literatura bíblica, traduções, ensaios, ao lado da influencia do misticismo alemão e de sua passagem pelo socialismo religioso. O autor defende a reconciliação entre atitudes científicas modernas e experiências religiosas e influenciou pensadores de várias corrente filosóficas, com a sua doutrina filosófica explorando a aplicação do método de eu e tu – que denomina princípio dialogal – aos problemas da comunidade e da educação. Utiliza o mesmo método para interpretação da Bíblia, concebendo o relacionamento entre Deus e Israel como o exemplo, em escala nacional, dessa relação dialogal. Para ele, Deus se manifesta ao homem e este se apropria da palavra Deus – o que significa um encontro existencial. A fé religiosa, segundo ele, é um diálogo entre o homem e Deus; essa formula eu-tu influenciou profundamente a teologia cristã contemporânea. Observa-se que a intersubjetividade compreende que o homem nasce com a capacidade de interrelacionamento com seu semelhante, ou seja, a relação entre sujeito e sujeito, ou ainda, sujeito e objeto, envolvendo diálogo, o encontro e a responsabilidade, entre dois sujeitos e a relação entre sujeito e objeto.

REFERÊNCIA
BUBER, Martin. Eu e tu. São Paulo: Moraes, 1974.


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