domingo, 1 de fevereiro de 2015

AS OBRAS DE ABELARDO


LÓGICA PARA PRINCIPIANTESPara aqueles dentre nós que se iniciam no estudo da lógica digamos algumas palavras sobre as suas propriedades, e comecemos por tratar do gênero a que ela pertence, ou seja, a filosofia. Boécio não denomina qualquer ciência filosofia, mas só aquela que consiste no estudo das coisas mais elevadas. De fato, não damos o nome de filósofos a quaisquer estudiosos, mas apenas aos sábios cuja inteligência se aprofunda na consideração das questões mais sutis. Boécio distingue três espécies de filosofia, isto é, a especulativa, que investiga a natureza das coisas; a moral, que considera a questão da vida honesta; e a racional, denominada lógica pelos gregos e que trata da argumentação. Alguns autores, entretanto, separam a lógica da filosofia com afirmar que ela constitui mais um instrumento, de acordo com Boécio, do que uma parte da ciência filosófica, uma vez que todas as outras disciplinas dela se utilizam de alguma forma, quando usam os seus argumentos para fazerem as próprias demonstrações. Quer se trate de uma investigação sobre o mundo físico, quer de um assunto moral, os argumentos procedem da lógica. O próprio Boécio rebate essa opinião com afirmar que nada impede a lógica de ser, ao mesmo tempo, instrumento e parte da filosofia, tal como a mão é, ao mesmo tempo, instrumento e parte do corpo humano. Às vezes, a própria lógica parece ser instrumento de si mesma, quando demonstra com os seus argumentos uma questão pertencente à sua área, como, por exemplo, a seguinte: o homem é uma espécie do gênero animal. [...] Na redação de um tratado de lógica impõe-se necessariamente certa ordem no tratamento dos assuntos, pois, uma vez que as argumentações se compõem de proposições, e já que estas são formadas por termos, quem escreve uma obra completa de lógica precisa primeiramente tratar dos simples termos, depois, das proposições e, por fim, coroar o seu estudo com o exame das argumentações, tal como o fez o nosso príncipe Aristóteles, que escreveu as Categorias  sobre a doutrina dos termos, o Peri Hermeneias sobre as proposições, e os Tópicos e os Analíticos sobre as argumentações. Esta obra de Porfirio, conforme o esclarece a indicação do título, constitui uma introdução às Categorias de Aristóteles, mas, como o próprio autor demonstra posteriormente, ela é necessária para toda a arte da lógica. Passaremos a examinar agora, de modo breve e preciso, a intenção do autor, a matéria de que trata, o método seguido, a utilidade do estudo, e a parte da dialética à qual se subordina esta ciência.


A HISTÓRIA DAS MINHAS CALAMIDADES - [...] Caríssimo irmão em Cristo e íntimo companheiro de vida religiosa, esta é a história das minhas  calamidades, que venho sofrendo continuamente quase desde o berço. Penso que já é suficiente o que escrevi em vista da tua desolação e da injustiça que sofreste, para que julgues, como declarei no início de minha carta, que a tua provação é nula ou ínfima em comparação das minhas, e para que a suportes mais pacientemente, considerando-a pequena. E assim, encorajados por esses ensinamentos e por esses exemplos, suportemos mais tranquilamente estas provações quanto mais injustas elas são. Não duvidemos de que, se elas não servem para nosso mérito, pelo menos concorrem para a nossa purificação, e visto que todas as coisas ocorrem por disposição divina, que cada um dos fiéis se console com este pensamento de que a suprema bondade de Deus não permite jamais que nada aconteça desordenadamente, e que todas as coisas que se fazem de mal Ele próprio se encarrega de levar a um ótimo fim.

PEDRO ABELARDO – O teólogo e filósofo escolástico francês Pedro Abelardo ou Pierre Abélard (1079-1142) foi um dos maiores pensadores do século XII, ocupando posição de destaque pela formulação do conceitualismo em que não se filia nem ao idealismo platônico nem ao materialismo aristotélico. É autor da obra denominada Dialética, com inspiração pelo pensamento de Boécio, utilizada como manual escolar pela introdução da sua lógica nas disputas metafísicas e teológicas. A dialética para ele é o único caminho da verdade, desfazendo os preconceitos e encorajando o pensamento livre e identificando o real ao particular e considerando o universal como o sentidos das palavras, ao rejeitar o nominalismo, permitindo o esclarecimento dos conceitos de forma e emancipando a lógica da metafísica. Ele defendia a abstração dos universais, se opondo aos conceitos reinantes de vox (nominalismo) e res (realismo), o sermo, função lógica do espírito. Para ele o conceito é universal, enquanto se aplica aos indivíduos que dele participam, representando portanto, uma situação e não uma coisa em si. Procurou aproximar a teologia da lógica, ligando a trindade cristã ao conceito de Uma-Alma-Mente do neoplatonismo. Acreditava na capacidade da mente humana de alcançar o verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame critico das Escrituras à luz da razão. Prestava especial atenção à linguagem, suscetível a tantas interpretações quanto a diversidade dos que a empregam. Com isso, renovou o método de ensino da escolástica com a sua obra Pró e contra, sobre a interpretação das Escrituras e dos dogmas, adotando o sistema por meio do método inquisitivo, opondo-se as afirmações positivas às afirmações contrárias, usando o exame critico e a discussão dialética para elucidar as controvérsias, afirmando que só da dúvida surge o conhecimento, procurando assim, dar base lógica à doutrina cristã, mas seus métodos foram considerados heréticos. O pensamento de Abelardo é todo fundamentado na lógica e na dialética, ignorando a matemática, desinteressado pelas ciências naturais, sua doutrina apesar de brilhante e profunda, não pode ser considerada completa. Aproxima-se em sua essência do conceitualismo moderno e por sua moral individualista foi precursor do racionalismo Frances. Entre as suas principais obras estão Teologia cristã (1123), Ética ou livro chamado Conhece-te a ti mesmo (1129) e Cartas que foram traduzidas em 1879. Escreveu também o Tratado sobre a unidade e a trindade divina, obra que foi condenada pelo Concilio de Soissons, em 1121. Obrigado a abandonar a abadia por contestar a identificação tradicional de Saint Denis com Dionisio, o Areopagia, fundou com seus discípulos o mosteiro do Paracleto, que mais tarde doou a Heloisa e suas freiras. Como abade de Saint-Fildas-de-Ruys, combateu a corrupção e quase foi assassinado pelos monges corruptos. Voltando a ensinar na escola de Saint-Genevoève, recrudesceram os ataques às suas doutrinas teológicas e viu-se condenado pelo papa e pelo Concilio de Sens. Pretendia apelar para Roma, mas morreu antes de realizar seu intento. 


HELOISA – Enquanto professor em Nortre-Dame conhecera a moça de grande beleza e atributos intelectuais, chamada Heloisa, então com dezesseis anos e sobrinha do cônego Fulbert que, muito depois, surpreendem os dois, o que passou a ser um escândalo. A população passa a maldizer de Heloisa por tomar somente para si um homem tão importante. Por outro lado, ela achava que o casamento não convém a um filosofo, pois o governo de uma casa é incompatível com o estudo e o ensino. Preferia ser amante e não esposa, para que as alegrias que eles experimentassem fossem tanto mais intensas quanto mais raros os encontros. Apesar disso, por insistência de Abelardo, eles se casam secretamente em Paris. O cônego sentindo-se ultrajado, pois para ele nada poderia reparar a vergonha sofrida, passando a ameaçar o casal, o que o faz a levá-la para o mosteiro de Argenteuil. O cônego e familiares se vingam atacando-o e, ao final, emasculando-o. Em razão disso, ele se torna monge em Saint-Denis, mesmo sendo figura indesejável dos outros monges da abadia. A história do casal redundou na obra História das minhas calamidades. Do relacionamento do casal nasceu o filho, Astrolábio. Abelarde falece em 1142 e, em sua homenagem, Heloisa manda erguer uma sepultura. Ela falece em 1164 e, a seu pedido, foi enterrada ao lado da sepultura dele. Conta-se que ao abrirem a sepultura de Abelardo para enterrar Heloísa, encontraram o seu corpo ainda intacto e de braços abertos como se estivesse aguardando a chegada de sua amada.


STEALING HEAVEN (EM NOME DE DEUS) – No ano de 1988 foi lançado o filme Stealing Heaven (Em Nome de Deus), um drama baseado em fatos reais do romance medieval francês do século XII vivido por Pedro Abelardo e Heloísa, numa produção do Reino Unido/Yugoslávia, dirigido por Clive Donner e estrelado por Derek de Lint e Kim Thomson.

REFERÊCIA
ABELARDO, Pedro. Lógica para principiantes (lógica ingredientibus). São Paulo: Abril Cultural, 1979.
______. A história das minhas calamidades (carta autobiográfica). São Paulo: Abril Cultural, 1979.

Veja mais aqui.