LÓGICA PARA PRINCIPIANTES – Para aqueles
dentre nós que se iniciam no estudo da lógica digamos algumas palavras sobre as
suas propriedades, e comecemos por tratar do gênero a que ela pertence, ou
seja, a filosofia. Boécio não denomina qualquer ciência filosofia, mas só aquela
que consiste no estudo das coisas mais elevadas. De fato, não damos o nome de
filósofos a quaisquer estudiosos, mas apenas aos sábios cuja inteligência se
aprofunda na consideração das questões mais sutis. Boécio distingue três
espécies de filosofia, isto é, a especulativa, que investiga a natureza das
coisas; a moral, que considera a questão da vida honesta; e a racional,
denominada lógica pelos gregos e que trata da argumentação. Alguns autores,
entretanto, separam a lógica da filosofia com afirmar que ela constitui mais um
instrumento, de acordo com Boécio, do que uma parte da ciência filosófica, uma
vez que todas as outras disciplinas dela se utilizam de alguma forma, quando usam
os seus argumentos para fazerem as próprias demonstrações. Quer se trate de uma
investigação sobre o mundo físico, quer de um assunto moral, os argumentos
procedem da lógica. O próprio Boécio rebate essa opinião com afirmar que nada
impede a lógica de ser, ao mesmo tempo, instrumento e parte da filosofia, tal
como a mão é, ao mesmo tempo, instrumento e parte do corpo humano. Às vezes, a
própria lógica parece ser instrumento de si mesma, quando demonstra com os seus
argumentos uma questão pertencente à sua área, como, por exemplo, a seguinte: o
homem é uma espécie do gênero animal. [...] Na
redação de um tratado de lógica impõe-se necessariamente certa
ordem no tratamento dos assuntos, pois, uma vez que as argumentações se compõem
de proposições, e já que estas são formadas por
termos, quem escreve uma obra completa de lógica precisa primeiramente tratar
dos simples termos, depois, das proposições e, por fim, coroar o seu estudo com
o exame das argumentações, tal como o fez o nosso príncipe Aristóteles, que
escreveu as Categorias sobre a doutrina
dos termos, o Peri Hermeneias sobre as proposições, e os Tópicos e os
Analíticos sobre as argumentações. Esta obra de Porfirio, conforme o esclarece
a indicação do título, constitui uma introdução às Categorias de Aristóteles,
mas, como o próprio autor demonstra posteriormente, ela é necessária para toda
a arte da lógica. Passaremos a examinar agora, de modo breve e preciso, a
intenção do autor, a matéria de que trata, o método seguido, a utilidade do
estudo, e a parte da dialética à qual se subordina esta ciência.
A HISTÓRIA DAS MINHAS CALAMIDADES - [...] Caríssimo irmão em Cristo e
íntimo companheiro de vida religiosa, esta é a história das minhas calamidades, que venho sofrendo continuamente
quase desde o berço. Penso que já é suficiente o que escrevi em vista da tua
desolação e da injustiça que sofreste, para que julgues, como declarei no
início de minha carta, que a tua provação é nula ou ínfima em comparação das
minhas, e para que a suportes mais pacientemente, considerando-a pequena. E
assim, encorajados por esses ensinamentos e por esses exemplos, suportemos mais
tranquilamente estas provações quanto mais injustas elas são. Não duvidemos de
que, se elas não servem para nosso mérito, pelo menos concorrem para a nossa
purificação, e visto que todas as coisas ocorrem por disposição divina, que
cada um dos fiéis se console com este pensamento de que a suprema bondade de Deus
não permite jamais que nada aconteça desordenadamente, e que todas as coisas
que se fazem de mal Ele próprio se encarrega de levar a um ótimo fim.
PEDRO ABELARDO – O teólogo e filósofo escolástico francês Pedro Abelardo ou Pierre
Abélard (1079-1142) foi um dos maiores pensadores do século XII, ocupando
posição de destaque pela formulação do conceitualismo em que não se filia nem
ao idealismo platônico nem ao materialismo aristotélico. É autor da obra
denominada Dialética, com inspiração
pelo pensamento de Boécio, utilizada como manual escolar pela introdução da sua
lógica nas disputas metafísicas e teológicas. A dialética para ele é o único
caminho da verdade, desfazendo os preconceitos e encorajando o pensamento livre
e identificando o real ao particular e considerando o universal como o sentidos
das palavras, ao rejeitar o nominalismo, permitindo o esclarecimento dos
conceitos de forma e emancipando a lógica da metafísica. Ele defendia a
abstração dos universais, se opondo aos conceitos reinantes de vox
(nominalismo) e res (realismo), o sermo, função lógica do espírito. Para ele o
conceito é universal, enquanto se aplica aos indivíduos que dele participam,
representando portanto, uma situação e não uma coisa em si. Procurou aproximar
a teologia da lógica, ligando a trindade cristã ao conceito de Uma-Alma-Mente
do neoplatonismo. Acreditava na capacidade da mente humana de alcançar o
verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame critico das
Escrituras à luz da razão. Prestava especial atenção à linguagem, suscetível a
tantas interpretações quanto a diversidade dos que a empregam. Com isso, renovou
o método de ensino da escolástica com a sua obra Pró e contra, sobre a interpretação das Escrituras e dos dogmas,
adotando o sistema por meio do método inquisitivo, opondo-se as afirmações
positivas às afirmações contrárias, usando o exame critico e a discussão
dialética para elucidar as controvérsias, afirmando que só da dúvida surge o conhecimento,
procurando assim, dar base lógica à doutrina cristã, mas seus métodos foram
considerados heréticos. O pensamento de Abelardo é todo fundamentado na lógica
e na dialética, ignorando a matemática, desinteressado pelas ciências naturais,
sua doutrina apesar de brilhante e profunda, não pode ser considerada completa.
Aproxima-se em sua essência do conceitualismo moderno e por sua moral
individualista foi precursor do racionalismo Frances. Entre as suas principais
obras estão Teologia cristã (1123), Ética ou livro chamado Conhece-te a ti mesmo
(1129) e Cartas que foram traduzidas
em 1879. Escreveu também o Tratado sobre
a unidade e a trindade divina, obra que foi condenada pelo Concilio de
Soissons, em 1121. Obrigado a abandonar a abadia por contestar a identificação
tradicional de Saint Denis com Dionisio, o Areopagia, fundou com seus
discípulos o mosteiro do Paracleto, que mais tarde doou a Heloisa e suas
freiras. Como abade de Saint-Fildas-de-Ruys, combateu a corrupção e quase foi
assassinado pelos monges corruptos. Voltando a ensinar na escola de
Saint-Genevoève, recrudesceram os ataques às suas doutrinas teológicas e viu-se
condenado pelo papa e pelo Concilio de Sens. Pretendia apelar para Roma, mas
morreu antes de realizar seu intento.
HELOISA – Enquanto professor em Nortre-Dame conhecera a moça de
grande beleza e atributos intelectuais, chamada Heloisa, então com dezesseis
anos e sobrinha do cônego Fulbert que, muito depois, surpreendem os dois, o que
passou a ser um escândalo. A população passa a maldizer de Heloisa por tomar
somente para si um homem tão importante. Por outro lado, ela achava que o
casamento não convém a um filosofo, pois o governo de uma casa é incompatível
com o estudo e o ensino. Preferia ser amante e não esposa, para que as alegrias
que eles experimentassem fossem tanto mais intensas quanto mais raros os
encontros. Apesar disso, por insistência de Abelardo, eles se casam
secretamente em Paris. O cônego sentindo-se ultrajado, pois para ele nada
poderia reparar a vergonha sofrida, passando a ameaçar o casal, o que o faz a
levá-la para o mosteiro de Argenteuil. O cônego e familiares se vingam
atacando-o e, ao final, emasculando-o. Em razão disso, ele se torna monge em
Saint-Denis, mesmo sendo figura indesejável dos outros monges da abadia. A
história do casal redundou na obra História das minhas calamidades. Do relacionamento do casal nasceu
o filho, Astrolábio. Abelarde falece em 1142 e, em sua homenagem, Heloisa manda
erguer uma sepultura. Ela falece em 1164 e, a seu pedido, foi enterrada ao lado
da sepultura dele. Conta-se
que ao abrirem a sepultura de Abelardo para enterrar Heloísa, encontraram o seu
corpo ainda intacto e de braços abertos como se estivesse aguardando a chegada
de sua amada.
STEALING HEAVEN (EM NOME DE DEUS) – No ano de 1988 foi lançado o filme Stealing Heaven (Em Nome de Deus), um drama baseado em fatos reais do
romance medieval francês do século XII vivido por Pedro Abelardo e Heloísa, numa
produção do Reino Unido/Yugoslávia, dirigido por Clive Donner e estrelado por
Derek de Lint e Kim Thomson.
REFERÊCIA
ABELARDO,
Pedro. Lógica para principiantes (lógica ingredientibus). São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
______.
A história das minhas calamidades (carta autobiográfica). São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
Veja mais
aqui.