[...] O homem aspira possuir Deus; ele aspira por uma continuidade da posse de
Deus no espaço e no tempo. Ele não se contenta com a inefável confirmação do
sentido, ele quer vê-la difundida como um continuo, sem interrupção
espacio-temporal que lhe forneça uma segurança a sua vida, em cada ponto, em
cada momento. Tão intensa e sua sede de
continuidade que o homem não se satisfaz com o ritmo vital da relação pura onde
se alternam atualidade e latência, onde e nossa forca de relação que diminui, por
isso, a presença, e não a presença originaria. Ele aspira a extensão temporal,
a duração. Deus se torna um objeto de fé. Originariamente a fé completa, no
tempo, os atos de relação e, gradualmente, ela os substitui. [...] Deus se torna deste modo, um objeto de culto.
O culto, também completa, originariamente, os atos de relação, na medida em que
insere a oração viva, o dizer-Tu imediato em um conjunto espacial de grande
poder de ima- a graça, reflete sobre aquele que concede este dom e assim não atinge
nem um nem outro. Na experiência da vocação. Deus e para ti a presença. Aquele
que, em missão, percorre o caminho, tem Deus diante de si; quanto mais fiel o
cumprimento da missão, mais intensa e constante a proximidade. Ele não pode,
sem duvida, ocupar-se de Deus, mas pode entreter-se com ele. A reflexão ao
contrario, faz de Deus um objeto. O seu movimento, que aparentemente o faz
dirigir-se para o fundamento originário, não passa, na verdade, de um aspecto do
movimento universal de afastamento. Do mesmo modo o movimento, que
aparentemente realiza aquele que cumpre sua missão, ao afastar-se dele,
pertence, na realidade, ao movimento universal de aproximação. Pois estes dois
movimentos fundamentais, metacosmicos: a expansão para o próprio ser e a conversão
para o vinculo, encontram sua mais alta forma humana, a verdadeira forma espiritual
de seu confronto e de sua conciliação, de sua composição e separacao1 1 na historia do contato humano
com Deus. Na conversão, o Verbo nasce sobre a cerra, na expansão, ele se transforma
e se encerra na crisálida da religião, em uma nova conversão, ele renasce com
asas renovadas. Aqui não reina o arbitrário; embora o movimento para o Isso vai,
as vezes, tão longe a ponto de oprimir e ameaçar, sufocar o movimento de
retorno ao Tu. As poderosas, revelações que as religiões invocam, se assemelham
fundamentalmente as revelações silenciosas que se passam em todo tempo e lugar.
As revelações poderosas que estão na origem das grandes comunidades, nos movimentos
de transição das etapas da humanidade, nada mais são do que eterna revelação. A
revelação, no entanto, não é derramada sobre o mundo através de seu destinatário,
como se o fosse através de um funil; ela chega a ele, ela o toma em sua
totalidade, em todo o seu modo de ser e se amalgama a ele. Também o homem, que e a “boca", e exatamente a
boca e não um porta-voz, não e um instrumento, mas um órgão que soa segundo
suas próprias leis e soar e transformar. Ha todavia, uma diferença qualitativa
entre as etapas da historia. Ha uma maturação do tempo, onde o elemento
verdadeiro do espírito humano, oprimido e soterrado, amadurece para a disposição,
sob tal pressão e em tal tensão que, ele só espera um toque daquele cujo
contato produz o surgimento. A revelação, que ai se produz envolve na
totalidade de sua constituição, ela o funde e imprime nele uma forma, uma nova
forma de Deus no mundo. E assim pois, que, ao longo do caminho da Historia, através
das transformações do elemento humano, são chamados a forma divina sempre novos
domínios do mundo e do espírito. Esferas sempre novas tornam-se o lugar da
teofania. O que aqui atua não e mais o poder próprio do homem, também não e a
pura passagem de Deus, e uma mistura de divino e humano. Aquele a quem na revelação,
foi confiada uma missão, leva em seus olhos uma imagem de Deus — por mais supra
sensível que seja, ele leva nos olhos de seu espírito, nesta forca visual de
seu espírito não e de modo algum, metafórico, mas plenamente real. O espírito,
por sua vez, responde também através de uma visão, através de uma visão formadora.
Embora nos, terrestres, não percebamos jamais Deus sem o mundo, mas só o mundo em
Deus, ao percebermos, criamos eternamente a forma de Deus. A forma também e uma
mistura de Tu e Isso; ela pode solidificar-se em um objeto de fé e de culto;
porem em virtude da essência da relação que subsiste nela, ela se transforma sempre
em presença. Deus e próximo de suas formas, enquanto o homem não se afasta
delas. Na verdadeira prece, o culto e a fé se unem e se purificam para a relação
viva. O fato de a verdadeira prece permanecer viva nas religiões e o sinal de
sua verdadeira vida; enquanto vivem nela, elas permanecem vivas. A degeneração das
religiões significa a degeneração da prece nelas. Na medida em que o poder de
relação e cada vez mais encoberto pela objetividade, torna-se cada vez mais difícil
de nelas pronunciar o Tu com o ser total e indiviso, e o homem, para poder fazê-lo,
e finalmente sair de sua falsa segurança para a aventura do infinito, sair da
comunidade reunida somente sob a cúpula do templo e não sob o firmamento para
projetar-se para a ultima solidão. Atribuir este anseio ao subjetivismo e
desconhece-lo profundamente; a vida diante da Face e a vida na atualidade única,
o único “objectivum" verdadeiro; e o homem que se projeta para este fim
quer, antes que o falso e ilusório objetivo tenha perturbado a sua verdade,
refugiar-se naquele que e realmente. Enquanto, o subjetivismo absorve Deus na
alma, o objetivismo faz dele um objeto; este e uma falsa segurança aquele uma
falsa libertação; ambos são desvios do caminho da atualidade, ambos são tentativas
de substituição da atualidade. Deus e próximo de suas formas, enquanto o homem não
as afasta d’Ele. Porem, quando o movimento de expansão das religiões dificulta o
movimento de conversão e afasta a forma de Deus, apaga a face da forma, seus
lábios desfalecem, suas mãos caem, Deus não a conhece mais e a morada
universal, construída em volta de seu altar, o cosmos humano cai em ruínas. Que
o homem, diante de sua verdade destruída, não veja mais o que ai aconteceu e próprio
do acontecimento. Aconteceu a decomposição da Palavra. A Palavra esta presente
na revelação, ela age na vida da forma e seu valor esta no reino da forma
morta. Tal e a ida e a vinda da Palavra eterna e eternamente presente na
historia. As épocas nas quais a palavra esta presente, são aquelas onde se
renova o contato do Eu e do mundo. As épocas onde reina a Palavra ativa são aquelas
nas quais perdura o acordo entre o Eu e o Mundo. As épocas nas quais a Palavra
se torna valida são aquelas nas quais se realizam a desatualização, a alienação
entre o Eu e o Mundo, a fatalidade do devir — ate que sobrevenha o grande
tremor e a suspensão do alento na obscuridade, e o silencio preparador. A
estrada não e, porem, circular. Ela e o caminho. Em cada novo Eon, a fatalidade
se torna mais opressora, a conversão mais assoladora. E a teofania se torna
cada vez mais próxima, ela se aproxima sempre mais da esfera entre seres, se
aproxima do reino que se oculta no meio de nos, no "entre”. A historia e
uma aproximação misteriosa. Cada espiral do caminho nos conduz igualmente a uma
perdição mais profunda e a uma conversão mais originaria. Porem o evento que do
lado do mundo se chama conversão, do lado de Deus, se chama redenção.
EU E TU – O livro Eu e tu, do filósofo e escritor judeu Martin Buber (1878-1965) traz
reflexões que expressam seu pensamento religioso e que abrange vários campos,
filosofia e sociologia, sionismo e hassidismo, exegese da literatura bíblica,
traduções, ensaios, ao lado da influencia do misticismo alemão e de sua
passagem pelo socialismo religioso. O autor defende a reconciliação entre
atitudes científicas modernas e experiências religiosas e influenciou
pensadores de várias corrente filosóficas, com a sua doutrina filosófica
explorando a aplicação do método de eu e tu – que denomina princípio dialogal –
aos problemas da comunidade e da educação. Utiliza o mesmo método para
interpretação da Bíblia, concebendo o relacionamento entre Deus e Israel como o
exemplo, em escala nacional, dessa relação dialogal. Para ele, Deus se
manifesta ao homem e este se apropria da palavra Deus – o que significa um
encontro existencial. A fé religiosa, segundo ele, é um diálogo entre o homem e
Deus; essa formula eu-tu influenciou profundamente a teologia cristã
contemporânea. Observa-se que a intersubjetividade compreende que o homem nasce
com a capacidade de interrelacionamento com seu semelhante, ou seja, a relação
entre sujeito e sujeito, ou ainda, sujeito e objeto, envolvendo diálogo, o
encontro e a responsabilidade, entre dois sujeitos e a relação entre sujeito e
objeto.
REFERÊNCIA
BUBER,
Martin. Eu e tu. São Paulo: Moraes, 1974.
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