sábado, 14 de fevereiro de 2015

NISE DA SILVEIRA


Querem transformar os doentes em normais, quando a sociedade é que está cheia de loucos.

O que interessa à psicologia é o conteúdo simbólico do trabalho alquímico e não os avanços da física que passou a admirar a profunda intuição dos alquimistas quanto ás possibilidades de transmutação da matéria.

É muito importante enfocar que o adoecer é um conjunto de fatores biológicos, psicológicos, sociais, espirituais e, também, ambientais, que formam um ser humano único, onde corpo, mente e alma é indissolúvel.

A verdade é que não somos nós que temos o complexo, o complexo é que nos tem, que nos possui. Deles depende o mal-estar ou o bem-estar da vida do individuo e está no conflito a sua origem. O complexo pode ser comparado a infecções ou tumores malignos, que se desenvolvem sem qualquer intervenção da consciência.

Necessita que o psiquiatra use vestimenta de escafandrista para mergulhar na mente do psicótico. Remédios sedam, mas não solucionam. Só o escafandrista é capaz de vasculhar o que se passa com o doente mental e após um mergulho profundo retornar à superfície, com algum achado indicativo de mistérios que habita a mente do psicótico.

É nos mitos que se acham condensadas e polidas em narrativas exemplares as imaginações criadas pela psique, quando vivencia situações típicas muito carregadas de afeto.

A alma das pessoas em sua totalidade era uma flor. E o psiquismo também poderia renascer como uma flor no sentido maior de viver, simplesmente viver.

Nem sempre é possível distinguir o médico do doente.

A psiquiatria é tão pobre de casos clínicos, principalmente os cheis de sentimento.

O inconsciente é um oceano. De vez em quando a gente pesca uma imagem.

Arte e afeto curam, muito mais do que os psicotrópicos.

A loucura está profundamente ligada ao desamor e, por isso, é preciso amor para salvar alguém da loucura.

A arte representa a mais alta atividade humana.

Aprendi mais psicologia com Machado de Assis do que em muitos textos técnicos. Ele era um profundo conhecedor da alma humana; que resta ao psicólogo fazer, ainda hoje, em relação á obra de Machado de Assis senão admirar o autor.

Estamos diante de símbolos que exprimem coisas universais.

Nunca se cure demais, gente muito curada é gente muito chata, por isso você é maravilhosa, porque conseguiu viver sua imaginação, que é a nossa realidade.

O Mito de Hórus é a história da luz divina que acaba de nascer... salvação do homem pela cultura, isto é, pela consciência.

O estudo da mitologia não será diletantismo de eruditos. Faz parte indispensável do equipamento de trabalho de todo psicoterapeuta.

O mito? Quem é que sabe? É a expressão do inconsciente, digamos assim. O mito é como uma espécie de trilha. Se você partir do mito, você chega aonde quiser.

O sonho é uma auto-representação espontânea, sob forma simbólica, da situação do inconsciente. Os sonhos revelam muitas vezes um fio dourado que liga pessoas profundamente afins e em outra oportunidade diz sorrindo que os sonhos eram como uma droga, viciavam uma pessoa, no bom sentido, é claro.

O corpo é manobrado como um robô, torturado de todas as maneiras, às vezes martirizados até o esquartajamento.

O olhar do cliente é um tesouro preciosíssimo. Sem a relação de uma pessoa para outra, não há cura possível.

A palavra paciente não deveria existir em nosso vocabulário. Esta palavra diminui a pessoa humana, colocando-a numa situação passiva, submetida ao poder do outro.

Todo mundo é uma personalidade. As pessoas geralmente vivem recobertas pela persona, que é a mascara do ator. As pessoas vivem representando com a roupa de ator.

O que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psiquiatria, meu apego ao que se chama psiquiatria é a pesquisa do mundo interno do processo psicótico. Do que se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturamente o mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno.

Matéria e energia são a mesma coisa e, mesmo hoje, nas escolas ainda não é ensinado.

O sentido da vida está no inconsciente.

O self é o principio e o arquétipo da orientação e do sentido: nisso reside sua função criativa.

Pode-se representar a psique como um vasto oceano (inconsciente), no qual emerge pequena ilha (consciente). Na área do inconsciente desenvolvem-se as relações entre conteúdos psíquicos e o ego, que é o centro do consciente.

O estar vazio sugere que algo está faltando.

O terapeuta não deve esquecer das suas próprias feridas, da sua condição de um simples mortal, deixando a onipotência para Deus.

Todas as religiões são válidas. Na medida em que recolhem e conservam as imagens simbólicas oriundas das profundezas do inconsciente e as elaboram em seus dogmas, promovendo assim conexões com as estruturas básicas da vida psíquica. A religiosidade é suscetível de ser desenvolvida, cultivada e aprofundada, e poderá ser também negligenciada, deturpada ou reprimida.

Me assusto, porque as pessoas não são sensíveis. Uma pessoa sensível não agride. Não esqueça que todos os seres são sensíveis. Não digo só as pessoas... as plantas, os bichos. Ame as plantas, ame os bichos.

Ganhei algum dinheiro fazendo teses para psiquiatras.... uma imoralidade horrível (risos). Escrevi uma tese muito boa, eu tive uma pena enorme de entregá-la ao médico que a tinha encomendado.

Fofoca é um distúrbio do instinto, juntou duas, três pessoas, logo aparece. Tem muita coisa por baixo da fofoca: desejo de poder, desejo de roubar, desejo de riqueza, etc. O melhor será não dá atenção. Esta seria a forma de parar uma fofoca.

O que educa fundamentalmente a criança é a vida dos pais.

Quando vejo esses corruptos mentindo, com a maior desfaçatez, minha vontade é matar todos eles. Mas eu sei que isso não adiantaria nada.

Na época em que me encontrava na casa de detenção, como presa política, vi uma pequena gata dormindo. Olhava fixamente a gata um preso comum chamado Nestor... Perguntei: Nestor, porque você está olhando tão fixamente para esta gata?  Ele respondeu como um sábio: Essa gata é quem sabe tirar cadeia! Com efeito, refleti, o que importa à gata se está dormindo ao sol, no pátio da casa de detenção ou num terraço de uma bela mansão? Aprovei em várias ocasiões essa magnífica lição de Nestor.

Minha cor predileta é o azul. E para surpresa minha, uma cor de que eu não gostava e passei a gostar, não sei se por causa de Artaud, Van Gogh, Carlos Pertuis, é o amarelo. O Sol.

O bicho gente é pouco confiável. Prefiro os animais, os gatos, principalmente por sua liberdade. Identifico-me com eles.

Os gatos são seres perfeitos, velos, garbosos, sensuais, ensimesmados e capazes de nos ensinar a liberdade.

Quero vadiar como uma borboleta.

Prefiro ser uma loba faminta a ser um cão gordo e encoleirado. A palavra que mais gosto é liberdade. Gosto do som desta palavra.

Meus defeitos são tantos que até as minhas virtudes são defeituosas.

Eu não sou uma pessoa que tenha muita bossa histórica, a minha bossa é para o futuro. Tenho em meus arquivos material relativo ao passado, mas raramente uso. Eu nunca seria uma historiadora... se bem que me parece que não se pode tomar pé de um espaço sem antes conhecer algo da história desse espaço.

A morte não é uma coisa terrível, é dançável e alegre.

A pessoa que resiste à morte, quando chega o tempo de morrer, vai virar neurótica, e proporcionando a si próprio um morrer desesperado.

Não me leve para hospital, porque lá eu morro. Eu vou para outras galáxias.

NISE DA SILVEIRA – O livro Nise: abecedário de uma libertadora, de Dídimo Otto Kummer, traz em forma de verbetes toda a trajetória de vida da médica psiquiatra e psicoterapeuta alagoana, Nise da Silveira (1905-1999). Ela estudou com Carl Jung e desenvolveu uma atividade com doentes mentais que foi reconhecida internacionalmente. Durante a Intentona Comunista, ela foi denunciada por uma enfermeira por posse de livros marxista, ficando no presídio onde se encontravam, entre outros, Graciliano Ramos e Olga Benário. Entre as suas obras estão Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil (Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1926); Jung: vida e obra (José Álvaro, 1968), Terapêutica ocupacional: teoria e prática (Casa das Palmeiras, 1979), Museu de Imagens do Inconsciente (MEC, 1980), Imagens do inconsciente (Alhambra, 1981), Casa das Palmeiras: a emoção de lidar (Alhambra, 1986), Artaud: a nostalgia do mais (Numem, 1989), A farra do boi: do sacrifício do touro na antiguidade à farra do boi catarinense (Nume/Espaço Cultural, 1989), O mundo das imagens (Ática, 1992), Cartas a Spinoza (Francisco Alves, 1995) e Gatos, a emoção de lidar (Leo Cristiano, 1998). Entre os seus feitos, em 1952 ela fundou no Rio de Janeiro o Museu da Imagem do Inconsciente, na condição de centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura, abrindo novas possibilidades para compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico. Em 1956, ela criou a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas. Nessa instituição tornou-se pioneira com o tratamento de seus pacientes contando com auxílios de animais na condição de co-terapeutas. O cineasta Leon Hirszman realizou o filme Imagens do inconsciente, uma trilogia mostrando as obras realizadas pelos internos a partir de um roteiro de Nise. Por fim, com direção de Roberto Berlinder, foi lançando o filme Nise da Silveira – A senhora das imagens, protagonizado pela atriz Glória Pires. Dos seus relacionamentos pessoas surgiram vários apelidos e entre os seus cognomes estão de amiga dos animais, arquétipa, bandeirante, barulhenta, caralâmpia, cangaceira, desbravadora, Deusa Bastet, especial, feiticeira, Gata Nise, Gatilda, gênio do cotidiano, gênio vivo, gigante de metroemeio, grande alma, grande mãe, guerreira, humanista, leite de onça, luminosa, mãe caralâmpia, mulher do século, psiquiatra mor, Rui Barbosa de saia e Sofia tupiniquim.

REFERÊNCIAS
KUMMER, Dídimo Otto. Nise: abecedário de uma libertadora. Maceió: Catavento, 2004.


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