Querem
transformar os doentes em normais, quando a sociedade é que está cheia de
loucos.
O que
interessa à psicologia é o conteúdo simbólico do trabalho alquímico e não os
avanços da física que passou a admirar a profunda intuição dos alquimistas
quanto ás possibilidades de transmutação da matéria.
É muito
importante enfocar que o adoecer é um conjunto de fatores biológicos, psicológicos,
sociais, espirituais e, também, ambientais, que formam um ser humano único,
onde corpo, mente e alma é indissolúvel.
A verdade é
que não somos nós que temos o complexo, o complexo é que nos tem, que nos
possui. Deles depende o mal-estar ou o bem-estar da vida do individuo e está no
conflito a sua origem. O complexo pode ser comparado a infecções ou tumores
malignos, que se desenvolvem sem qualquer intervenção da consciência.
Necessita que
o psiquiatra use vestimenta de escafandrista para mergulhar na mente do psicótico.
Remédios sedam, mas não solucionam. Só o escafandrista é capaz de vasculhar o
que se passa com o doente mental e após um mergulho profundo retornar à superfície,
com algum achado indicativo de mistérios que habita a mente do psicótico.
É nos mitos
que se acham condensadas e polidas em narrativas exemplares as imaginações
criadas pela psique, quando vivencia situações típicas muito carregadas de
afeto.
A alma das
pessoas em sua totalidade era uma flor. E o psiquismo também poderia renascer
como uma flor no sentido maior de viver, simplesmente viver.
Nem sempre é possível
distinguir o médico do doente.
A psiquiatria
é tão pobre de casos clínicos, principalmente os cheis de sentimento.
O
inconsciente é um oceano. De vez em quando a gente pesca uma imagem.
Arte e afeto
curam, muito mais do que os psicotrópicos.
A loucura
está profundamente ligada ao desamor e, por isso, é preciso amor para salvar alguém
da loucura.
A arte representa
a mais alta atividade humana.
Aprendi mais
psicologia com Machado de Assis do que em muitos textos técnicos. Ele era um
profundo conhecedor da alma humana; que resta ao psicólogo fazer, ainda hoje,
em relação á obra de Machado de Assis senão admirar o autor.
Estamos diante
de símbolos que exprimem coisas universais.
Nunca se cure
demais, gente muito curada é gente muito chata, por isso você é maravilhosa,
porque conseguiu viver sua imaginação, que é a nossa realidade.
O Mito de Hórus
é a história da luz divina que acaba de nascer... salvação do homem pela
cultura, isto é, pela consciência.
O estudo da
mitologia não será diletantismo de eruditos. Faz parte indispensável do
equipamento de trabalho de todo psicoterapeuta.
O mito? Quem é
que sabe? É a expressão do inconsciente, digamos assim. O mito é como uma espécie
de trilha. Se você partir do mito, você chega aonde quiser.
O sonho é uma
auto-representação espontânea, sob forma simbólica, da situação do
inconsciente. Os sonhos revelam muitas vezes um fio dourado que liga pessoas
profundamente afins e em outra oportunidade diz sorrindo que os sonhos eram
como uma droga, viciavam uma pessoa, no bom sentido, é claro.
O corpo é
manobrado como um robô, torturado de todas as maneiras, às vezes martirizados
até o esquartajamento.
O olhar do
cliente é um tesouro preciosíssimo. Sem a relação de uma pessoa para outra, não
há cura possível.
A palavra
paciente não deveria existir em nosso vocabulário. Esta palavra diminui a
pessoa humana, colocando-a numa situação passiva, submetida ao poder do outro.
Todo mundo é
uma personalidade. As pessoas geralmente vivem recobertas pela persona, que é a
mascara do ator. As pessoas vivem representando com a roupa de ator.
O que
caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psiquiatria, meu
apego ao que se chama psiquiatria é a pesquisa do mundo interno do processo psicótico.
Do que se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturamente o
mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente em dois mundos, o mundo
externo e o mundo interno.
Matéria e
energia são a mesma coisa e, mesmo hoje, nas escolas ainda não é ensinado.
O sentido da
vida está no inconsciente.
O self é o
principio e o arquétipo da orientação e do sentido: nisso reside sua função
criativa.
Pode-se
representar a psique como um vasto oceano (inconsciente), no qual emerge
pequena ilha (consciente). Na área do inconsciente desenvolvem-se as relações
entre conteúdos psíquicos e o ego, que é o centro do consciente.
O estar vazio
sugere que algo está faltando.
O terapeuta
não deve esquecer das suas próprias feridas, da sua condição de um simples
mortal, deixando a onipotência para Deus.
Todas as
religiões são válidas. Na medida em que recolhem e conservam as imagens simbólicas
oriundas das profundezas do inconsciente e as elaboram em seus dogmas,
promovendo assim conexões com as estruturas básicas da vida psíquica. A religiosidade
é suscetível de ser desenvolvida, cultivada e aprofundada, e poderá ser também negligenciada,
deturpada ou reprimida.
Me assusto,
porque as pessoas não são sensíveis. Uma pessoa sensível não agride. Não esqueça
que todos os seres são sensíveis. Não digo só as pessoas... as plantas, os
bichos. Ame as plantas, ame os bichos.
Ganhei algum
dinheiro fazendo teses para psiquiatras.... uma imoralidade horrível (risos). Escrevi
uma tese muito boa, eu tive uma pena enorme de entregá-la ao médico que a tinha
encomendado.
Fofoca é um distúrbio
do instinto, juntou duas, três pessoas, logo aparece. Tem muita coisa por baixo
da fofoca: desejo de poder, desejo de roubar, desejo de riqueza, etc. O melhor
será não dá atenção. Esta seria a forma de parar uma fofoca.
O que educa
fundamentalmente a criança é a vida dos pais.
Quando vejo
esses corruptos mentindo, com a maior desfaçatez, minha vontade é matar todos
eles. Mas eu sei que isso não adiantaria nada.
Na época em
que me encontrava na casa de detenção, como presa política, vi uma pequena gata
dormindo. Olhava fixamente a gata um preso comum chamado Nestor... Perguntei:
Nestor, porque você está olhando tão fixamente para esta gata? Ele respondeu como um sábio: Essa gata é quem
sabe tirar cadeia! Com efeito, refleti, o que importa à gata se está dormindo
ao sol, no pátio da casa de detenção ou num terraço de uma bela mansão? Aprovei
em várias ocasiões essa magnífica lição de Nestor.
Minha cor
predileta é o azul. E para surpresa minha, uma cor de que eu não gostava e
passei a gostar, não sei se por causa de Artaud, Van Gogh, Carlos Pertuis, é o
amarelo. O Sol.
O bicho gente
é pouco confiável. Prefiro os animais, os gatos, principalmente por sua liberdade.
Identifico-me com eles.
Os gatos são
seres perfeitos, velos, garbosos, sensuais, ensimesmados e capazes de nos
ensinar a liberdade.
Quero vadiar
como uma borboleta.
Prefiro ser
uma loba faminta a ser um cão gordo e encoleirado. A palavra que mais gosto é
liberdade. Gosto do som desta palavra.
Meus defeitos
são tantos que até as minhas virtudes são defeituosas.
Eu não sou
uma pessoa que tenha muita bossa histórica, a minha bossa é para o futuro. Tenho
em meus arquivos material relativo ao passado, mas raramente uso. Eu nunca
seria uma historiadora... se bem que me parece que não se pode tomar pé de um
espaço sem antes conhecer algo da história desse espaço.
A morte não é
uma coisa terrível, é dançável e alegre.
A pessoa que
resiste à morte, quando chega o tempo de morrer, vai virar neurótica, e
proporcionando a si próprio um morrer desesperado.
Não me leve
para hospital, porque lá eu morro. Eu vou para outras galáxias.
NISE DA
SILVEIRA –
O livro Nise: abecedário de uma
libertadora, de Dídimo Otto Kummer, traz em forma de verbetes toda a
trajetória de vida da médica psiquiatra e psicoterapeuta alagoana, Nise da Silveira (1905-1999). Ela estudou
com Carl Jung e desenvolveu uma atividade com doentes mentais que foi
reconhecida internacionalmente. Durante a Intentona Comunista, ela foi
denunciada por uma enfermeira por posse de livros marxista, ficando no presídio
onde se encontravam, entre outros, Graciliano Ramos e Olga Benário. Entre as
suas obras estão Ensaio sobre a
criminalidade da mulher no Brasil (Salvador: Imprensa Oficial do Estado,
1926); Jung: vida e obra (José
Álvaro, 1968), Terapêutica ocupacional:
teoria e prática (Casa das Palmeiras, 1979), Museu de Imagens do Inconsciente (MEC, 1980), Imagens do inconsciente (Alhambra, 1981), Casa das Palmeiras: a emoção de lidar (Alhambra, 1986), Artaud: a nostalgia do mais (Numem,
1989), A farra do boi: do sacrifício do
touro na antiguidade à farra do boi catarinense (Nume/Espaço Cultural,
1989), O mundo das imagens (Ática,
1992), Cartas a Spinoza (Francisco
Alves, 1995) e Gatos, a emoção de lidar
(Leo Cristiano, 1998). Entre os seus feitos, em 1952 ela fundou no Rio de
Janeiro o Museu da Imagem do
Inconsciente, na condição de centro de estudo e pesquisa destinado à
preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura,
abrindo novas possibilidades para compreensão mais profunda do universo
interior do esquizofrênico. Em 1956, ela criou a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos
pacientes de instituições psiquiátricas. Nessa instituição tornou-se pioneira
com o tratamento de seus pacientes contando com auxílios de animais na condição
de co-terapeutas. O cineasta Leon Hirszman realizou o filme Imagens do inconsciente, uma trilogia
mostrando as obras realizadas pelos internos a partir de um roteiro de Nise.
Por fim, com direção de Roberto Berlinder, foi lançando o filme Nise da Silveira – A senhora das imagens,
protagonizado pela atriz Glória Pires. Dos seus relacionamentos pessoas
surgiram vários apelidos e entre os seus cognomes estão de amiga dos animais,
arquétipa, bandeirante, barulhenta, caralâmpia, cangaceira, desbravadora, Deusa
Bastet, especial, feiticeira, Gata Nise, Gatilda, gênio do cotidiano, gênio
vivo, gigante de metroemeio, grande alma, grande mãe, guerreira, humanista,
leite de onça, luminosa, mãe caralâmpia, mulher do século, psiquiatra mor, Rui
Barbosa de saia e Sofia tupiniquim.
REFERÊNCIAS
KUMMER, Dídimo Otto. Nise: abecedário de uma libertadora.
Maceió: Catavento, 2004.
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