sexta-feira, 5 de junho de 2015

A PSICANÁLISE DE JACQUES LACAN


JACQUES LACAN – Jacques Lacan (1901-1981) reinterpretou quase todos os conceitos freudianos, assim como os grandes casos e acrescentou ao corpus psicanalítico sua própria conceitualidade. Era estimado como um brilhante intelectual fora dos meios psicanalíticos franceses, sofreu por não ser reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris, na qual seus trabalhos não eram levados em conta e seu anticonformismo causava irritação. Na historia do movimento psicanalítico, chama-se lacanismo a corrente representada pelos partidários de Lacan, pertencente à constelação freudiana e se distingue das outras escolas de psicoterapia pelo tratamento pela fala como lugar exclusivo do tratamento psíquico, e aos grandes conceitos freudianos fundamentais: o inconsciente, a sexualidade, a transferência, o recalque e a pulsão.

ESTÁDIO DO ESPELHO – Expressão cunhada para designar um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho.

O ÉDIPO LACANIANO – Lacan centrou a questão edipiana na triangulação, levando em conta as contribuições da escola kleiniana. No âmbito de sua teoria do significante e de sua tópica (imaginário, real e simbólico), ele definiu o complexo de Édipo como uma função simbólica: o pai intervém sob a forma da lei, para privar a criança da fusão com a mãe. Segundo essa perspectiva, o mito edipiano atribui ao pai, por conseguinte, a exigência da castração: a lei primordial é aquela que,, regulando a aliança, superpõe o reino da cultura ao reino da natureza, entregue à lei do acasalamento. Essa lei, portanto, faz-se conhecer suficientemente como idêntica a uma ordem de linguagem.

NOME-DO-PAI – Termo criado por Lacan e conceito para designar o significante da função paterna. Tem sua fonte primordial e inconsciente na vida de Lacan e em sua experiência pessoal e dolorosa da paternidade. Como filho, ele teve de suportar as falhas do seu pai. Havendo-se tornado pai, Lacan não pôde dar seu nome a sua filha, que foi registrada em cartório com o sobrenome Bataille vez que a mãe era ainda esposa legítima de George Bataille. Esse imbróglio infernal do nome do pai, decorrente da legislação francesa sobre a filiação, duraria até 1964 e o mergulharia em diversas ocasiões numa culpa terrível. Ao falar sobre a família, Lacan mostrou que a psicanálise nasceu em Viena, de um sentimento de declínio da imago paterna (designação da representação inconsciente através da qual um sujeito designa a imagem que tem de seus pais, utilizada por Jung) e da vontade freudiana de revaloriza-la. Ele adotou o mesmo modelo de reformulação simbólica da paternidade, embora integrando as teses kleinianas referentes às relações arcaicas com a mãe. Inspirado em Levi-Straus, mostrou que o Édipo freudiano podia ser pensado como uma passagem da natureza para a cultura. Segundo essa perspectiva, o pai exerce uma função essencialmente simbólica: ele nomeia, dá seu nome, e através desse ato, encarna a lei. Por conseguinte, se a sociedade humana, como ele sublinha, é denominada pelo primado da linguagem, isso quer dizer que a função paterna não é outra coisa senão o exercício de uma nomeação que permite à criança adquirir sua identidade. Ele passou então a definir essa função como função do pai, depois função do pai simbólico, o que o levou a interpretar o complexo de Édipo não mais em referencia a um modelo de patriarcado ou matriarcado, mas em função de um sistema de parentesco. O conceito de Nome-do-pai está associado ao de foraclusão e mais tarde estendeu esse protótipo à própria estrutura da psicose. Foi aí que ele teorizou o vinculo existente entre o sistema educacional de um pai e o delírio de um filho. Nessa perspectiva e no âmbito da teoria lacaniana do significante, a transição edipiana da natureza para a cultura efetua-se da seguinte maneira: sendo a encarnação do significante, por chamar o filho por seu nome, o pai intervém junto a este como privador da mãe, dando origem ao ideal do eu na criança. No caso da psicose, essa estruturação não se dá. Sendo então foracluido o significante do Nome-do-pau, ele retorna no real sob a forma de um delírio contra Deus, encarnação de todas as imagens malditas da paternidade.

O GRANDE OUTRO – O outro é um termo utilizado por Lacan para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente, ou Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo. Pode ser simples escrito com maiúscula, opondo-se então a um outro com letra minúscula, definido como outro imaginário ou lugar da alteridade especular. Mas pode também receber a grafia grande Outro ou grande A, opondo-se então que ao pequeno outro, quer ao pequeno a, definido como objeto (pequeno) a. A questão da alteridade – relação do homem com seu meio, com seu desejo e com o objeto, na perspectiva de uma determinação inconsciente. Mais do que os outros, entretanto, procurou mostrar o que distingue radicalmente o inconsciente freudiano – como outra cena ou como lugar terceiro que escapa à consciência – de todas as concepções de inconsciente oriundas da psicologia. Na sua noção de simbólico, surgiu uma nova concepção de alteridade, que desembocou na invenção do termo grande Outro e se separou de todas as concepções pós-freudianas da relação de objeto que estavam em vigor na época. Além das representações do eu, especulares ou imaginárias, o sujeito é determinado por uma ordem simbólica designada como lugar do Outro e perfeitamente distinta do que é do âmbito de uma relação com o outro: não existe metalinguagem, não existe determinação anterior à linguagem que possa garantia a existência de uma linguagem. Com isso, Lacan estabeleceu um vínculo entre o desejo, o sujeito, o significante e o Outro. E definiu o Outro como o lugar onde se constitui o sujeito e é representado pelo significante numa cadeia que o determina. Na loucura, a relação extasiado com o Outro só é possível mediante um auto-aniquilamento do sujeito e um surgimento da heterogeneidade radical de um Outro absoluto, na figura de um Deus apavorante. Na ampliação da sua definição da relação transferencial, o Outro tornou-se a outra cena (o inconsciente), mas compreendida como o lugar de desdobramento da fala onde o desejo do homem é o desejo do Outro.

O IMAGINÁRIO – Termo derivado do latim imago (imagem) e empregado como substantivo na filosofia e na psicologia para designar aquilo que se relaciona com a imaginação, isto é, com a faculdade de representar coisas em pensamento, independentemente da realidade. Utilizado por Lacan como correlato da expressão estádio do espelho e designa uma relação dual com a imagem do semelhante. Associado ao real e ao simbólico no âmbito de uma tópica, o imaginário se define como o lugar do eu por excelência, com seus fenômenos de ilusão, captação e engodo.

O REAL – Termo empregado como substantivo por Lacan, extraído da filosofia e do conceito freudiano de realidade psíquica, para designar uma realidade fenomênica que é imanente à representação e impossível de simbolizar. Utilizado no contexto de uma tópica, o conceito de real é inseparável dos outros dois componentes desta, o imaginário e o simbólico, e forma com eles uma estrutura. Designa a realidade própria da psicose (delírio, alucinação), na medida em que é composto de significantes foracluidos (rejeitados) do simbólico.

O SIMBÓLICO – Termo extraído da antropologia e empregado como substantivo masculino por Lacan, para designar um sistema de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito à sua revelia, permitindo-lhe referir-se a ele, consciente ou inconscientemente, ao exercer sua faculdade de simbolização. O conceito de simbólico é inseparável de imaginário e real, formando os três uma estrutura. Assim, designa tanto a ordem (ou função simbólica) a que o sujeito está ligado quanto a própria psicanálise, na medida em que ela se fundamenta na eficácia de um tratamento que se apoie na fala.

FORACLUSÃO – Conceito forjado por Lacan para designar um mecanismo especifico de psicose, através do qual se produz a rejeição de um significante fundamental para fora do universo simbólico do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é foracluido. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob a forma alucinatória no real do sujeito.

SUJEITO – Termo corrente em psicologia, filosofia e lógica. É empregado para designar ora um individuo, como alguém que é simultaneamente observador dos outros e observado por eles, ora uma instancia com a qual é relacionado um predicado ou um atributo. Lacan conceituou a noção lógica e filosófica do sujeito no âmbito da sua teoria do significante, transformando o sujeito da consciência num sujeito inconsciente, da ciência e do desejo. Apoiou-se na teoria saussuriana do signo linguístico, e iniciou sua concepção da relação do sujeito com o significante: um significante é aquilo que representa um sujeito para outro significante. Esse sujeito está submetido ao processo freudiano de clivagem do eu. O significante introduzido por Saussure no quadro de sua teoria estrutural da língua, designa a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som ou imagem acústica, em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito. Lacan retomou como um conceito central em seu sistema de pensamento, passando a ser o elemento significativa ou discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica.

Na teoria lacaniana, o sujeito é conceituado dentro da noção lógica e filosófica e no âmbito da teoria de significante, ciência e desejo: penso onde não sou, sou onde não penso. Assim, o sujeito não nasce, se constitui. E a constituição do sujeito se dá a partir do entendimento de que o sujeito é dividido pelo recalcamento: linguagem e objeto causa do desejo. Ou seja, a divisão do sujeito é assegurada pelo recalcamento. Os efeitos produzidos no sujeito pelo inconsciente são: alienação e separação. Alienação como inscrição do sujeito na linguagem e com o mecanismo fundamental do recalcamento, sendo, portanto, fato do sujeito, do significante; a separação é a perda do objeto e esta diz respeito ao objeto: olhar e voz, que são objetos causa de desejo. A angústia surge ante a falta de objeto e quando a separação pode ocorrer no Simbólico. 
O significante é um elemento da linguagem no ser falante, permitindo romper com o imposto como ordem natural. Os significantes lacanianos são S1 e S2 que formam parte uma linguagem formalizada e recebem significações diversas. S1 é o oposto de S2: S1 é um significante que se opõe a outro significante e a todos os outros S2 do mesmo conjunto; S2 é um significante a que todos os outros se opõem. Os significantes especiais denominados S1 são aqueles que dão lugar ao sujeito no Outro, operação que se torna importante e necessária para incluir o sujeito no Outro e dar entrada no mundo do discurso. O signo é a relação entre um conceito e uma imagem acústica, sendo a combinação de ambas. A imagem acústica é a presença na mente vinculada a um conceito

OBJETO A – Introduzido por Lacan para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ela a ponto de ser não representável, ou de se tornar um resto não simbolizável. Nessas condições, ele aparece apenas como uma falha-a-ser, ou então de forma fragmentada, através de quatro objetos parciais desligados do corpo: o seio, objeto da sucção, as fezes (material fecal) objeto da excreção, e a voz e o olhar, objetos do próprio desejo. Ele forneceu então sua concepção pessoal da relação de objeto, a meio caminho entre o freudismo clássico, o kleinismo e as teses de Winnicott. Formulou a questão do objeto em termos de falta e de perda, instaurando uma espécie de geometria variável da objetalidade, na qual intervinham três modalidades relacionais: a privação, a frustração e a castração., hierarquizadas conforme três ordens, o real, o imaginário e o simbólico. A privação foi definida como a falta real de um objeto simbólico; a frustração, como a falta imaginaria de um objeto real (uma reivindicação infindável); e a castração, como a falta simbólica de um objeto imaginário (resolução do enigma da diferença sexual: o pênis falta na mulher, mas sem por isso inferioriza-la). 
O objeto a é um conceito para nomeação da falta estrutural real do objeto e se constitui a partir das cordas do corpo que são as zonas erógenas de Freud. A noção de objeto está vinculada à noção de falta e o que falta é o objeto como causa de desejo. O objeto voz - invocante - é o portador de palavras-imperativas. O olhar está relacionado com o desejo de saber e com a particularidade de ser elemento predominante e o efeito da potência do Outro.
Os cinco objetos naturais são formados por três freudianos e dois lacanianos: oral, anal e fálico, mais os objetos escópico e vocal.

DESEJO – Lacan conceituou a ideia de desejo em psicanálise a partir da tradição filosófica, para dela fazer a expressão de uma cobiça ou apetite que tendem a se satisfazer no absoluto, isto é, fora de qualquer realização de um anseio ou de uma propensão. Segundo essa concepção, emprega-se desejo no sentido de desejo de um desejo.

GOZO – Raramente utilizado por Sigmund Freud, o termo tornou-se um conceito na obra de Lacan. Inicialmente ligado ao prazer sexual, o conceito de gozo implica a ideia de uma transgressão da lei: desafio, submissão ou escarnio. O gozo, portanto, participa da perversão, teorizada por ele como um dos componentes estruturais do funcionamento psíquico, distinto das perversões sexuais. Posteriormente, o gozo foi repensado por ele no âmbito de uma teoria da identidade sexual, expressa em formulas da sexuação que levaram a distinguir o gozo fálico do gozo feminino ou gozo dito suplementar. As fórmulas da sexuação compreendem proposições lógicas formuladas por ele para traduzir a diferença sexual e a sexualidade feminina. Ele construiu um matema de identidade sexual, no contexto da sua última reformulação lógica das ideias de matema e de nó borromeano, mediante o qual tentou superar o falicismo freudiano e estabelecer sua própria concepção de sexualidade feminina e da diferença sexual. Utilizando o quadrado lógico de Apuleio, enunciou o que denominou de formulas da sexuação: quatro proposições lógicas. As duas primeiras são proposições universais, uma afirmativa e uma negativa: Todos os homens têm falo; nenhuma mulher tem falo. As duas outras, uma é particular negativa: Todos os homens, menos um, estão submetidos à castração, só pode existir logicamente se existir um outro elemento, distinto do conjunto; no caso, o pai originário da horda primitiva que pode possuir todas as mulheres. A última formula é particular negativa: não existe nenhum X que constitua uma exceção à função falida. Na medida em que não existe, para o conjunto feminino, um equivalente do pai originário que escape à castração – o pelo-menos-um do conjunto dos homens -, todas as mulheres têm um acesso ilimitado à função fálica. Existe, portanto, uma dissimetria entre os dois sexos. Foi a partir destas duas últimas fórmulas que ele definiu as formas masculina e feminina do seu conceito de gozo.

REFERÊNCIA
JORGE, Antonio Coutinho. Fundamentos da psicanálise de Freud e Lacan: as bases conceituais. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
ROUDINESCO, Elisabeth. Jacques Lacan: esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.


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