quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O MUNDO LÍQUIDO DE ZYGMUNT BAUMAN


ZYGMUNT BAUMAN – O sociólogo polonês Zygmunt Bauman iniciou sua carreira como professor emérito de Sociologia da Universidade de Varsóvia e Leeds e é autor de vários livros sobre o consumo e a modernidade líquida.

Quem não se preocupa com o futuro, faz isso por sua própria conta e risco. E certamente pagará um preço pesado. Mais cedo do que tarde, descobre-se que o desagradável "adiamento da satisfação" foi substituído por um curto adiamento da punição - que será realmente terrível – por tanta pressa. Qualquer um pode ter o prazer quando quiser, mas acelerar sua chegada não torna o gozo desse prazer mais acessível economicamente. Ao fim e ao cabo, a única coisa que podemos adiar é o momento em que nos daremos conta dessa triste verdade. Por mais amarga e deletéria que seja, esta não é a única pequena cláusula anexada à promessa, grafada em letras maiúsculas, do "desfrute agora, pague depois". Para impedir que o efeito dos cartões de crédito e do crédito fácil se reduza a um lucro que o emprestador só realiza uma vez com cada cliente, a dívida contraída tinha de ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro. (Zygmunt Bauman, Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos).

Pergunte-se o que é realmente uma família hoje em dia? O que significa? E claro que há crianças, meus filhos, nossos filhos. Mas, mesmo a paternidade e a maternidade, o núcleo da vida familiar, estão começando a se desintegrar no divórcio... Avós e avôs são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e filhas. Do ponto de vista de seus netos, o significado das avós e dos avôs tem que ser determinado por decisões e escolhas individuais. O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos "poderes de derretimento" da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de "quebrar a forma" na história da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém - eles podem ser desculpados por ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por padrões e figurações que, ainda que "novas e aperfeiçoadas' eram tão duras e indomáveis como sempre. Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para aquele lugar. (Zygmunt Bauman, Modernidade líquida).

Diferentemente de “relações”, “parentescos”, “parcerias” e noções similares — que ressaltam o engajamento mútuo ao mesmo tempo em que silenciosamente excluem ou omitem o seu oposto, a falta de compromisso —, uma “rede” serve de matriz tanto para conectar quanto para desconectar; não é possível imaginá-la sem as duas possibilidades. Na rede, elas são escolhas igualmente legítimas, gozam do mesmo status e têm importância idêntica. Não faz sentido perguntar  qual  dessas  atividades  complementares constitui “sua essência”! A palavra “rede” sugere momentos nos quais “se está em contato” intercalados por períodos de movimentação a esmo. Nela as conexões são estabelecidas e cortadas por escolha. A hipótese de um relacionamento “indesejável, mas impossível de romper” é o que torna “relacionar-se” a coisa mais traiçoeira que se possa imaginar. Mas uma “conexão indesejável” é um paradoxo. As conexões podem ser rompidas, e o são, muito antes que se comece a detestá-las. Elas são “relações virtuais”. Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não falar daqueles com “compromisso” muito menos dos compromissos de longo prazo), elas parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se deseja que as “possibilidades românticas” (e não apenas românticas) surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando-se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de “ser a mais satisfatória e a mais completa”.  Diferentemente  dos  “relacionamentos  reais”  é  fácil  entrar  e  sair  dos  “relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos,  fáceis de usar, compreender  e manusear. Entrevistado a respeito da crescente popularidade do namoro pela Internet, em detrimento dos bares para solteiros e das seções especializadas dos jornais e revistas,  um jovem de 28 anos da Universidade de Bath apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica: “Sempre se pode apertar a tecla de deletar”. Como  que  obedecendo  à  lei  de  Gresham,  as  relações  virtuais  (rebatizadas  de  “conexões”) estabelecem o padrão que orienta todos os outros relacionamentos. Isso não traz felicidade aos homens e mulheres que se rendem a essa pressão; dificilmente se poderia imaginá-los mais felizes agora do que quando se envolviam nas relações pré-virtuais. Ganha-se de um lado, perde-se de outro. Como apontou Ralph Waldo Emerson,  quando se esquia sobre gelo fino,  a salvação está  na velocidade. Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra  na quantidade. Se “os compromissos são irrelevantes” quando as relações deixam de ser honestas e parece improvável que se sustentem, as pessoas se inclinam a substituir as parcerias pelas redes. Feito isso, porém, estabelecer-se fica ainda mais difícil (e adiável) do que antes — pois agora não se tem mais a habilidade que faz, ou poderia fazer, a coisa funcionar. Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa. Mais importante, a desagradável incerteza e a irritante confusão, supostamente escorraçadas pela velocidade, recusam-se a sair de cena. A facilidade do desengajamento e do rompimento (a qualquer hora) não reduzem os riscos, apenas os distribuem de modo diferente, junto com as  ansiedades que provocam. Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em nosso líquido mundo moderno. (Zygmunt Bauman, Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos).

Em suma, “comunidade” é o tipo de mundo que não está, lamentavelmente, a nosso alcance — mas no qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir. Raymond Williams, atento analista de nossa condição comum, observou de modo cáustico que o que é notável sobre a comunidade é que “ela sempre foi”. Podemos acrescentar: que ela sempre esteve no futuro. “Comunidade” é nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido — mas a que esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que podem levar-nos até lá. Paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma maneira ou de outra, não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um paraíso que conheçamos a partir de nossa própria experiência. Talvez seja um paraíso precisamente por essa razão. A imaginação, diferente das duras realidades da vida, é produto da liberdade desenfreada. Podemos “soltar” a imaginação, e o fazemos com total impunidade — porque não teremos grandes chances de submeter o que imaginamos ao teste da realidade. Não é só a “dura realidade”, a realidade declaradamente “não comunitária” ou até mesmo hostil à comunidade, que difere daquela comunidade imaginária que produz uma “sensação de aconchego”. Essa diferença apenas estimula a nossa imaginação a andar mais rápido e torna a comunidade imaginada ainda mais atraente. A comunidade imaginada (postulada, sonhada) se alimenta dessa diferença e nela viceja. O que cria um problema para essa clara imagem é outra diferença: a diferença que existe entre a comunidade de nossos sonhos e a “comunidade realmente existente”: uma coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, o sonho realizado, e (em nome de todo o bem que se supõe que essa comunidade oferece) exige lealdade incondicional e trata tudo o que ficar aquém de tal lealdade como um ato de imperdoável traição. A “comunidade realmente existente”, se nos achas- abandonar a busca — mas a continuar tentando. Sendo humanos, não podemos realizar a esperança, nem deixar de tê-la. Pouco resta fazer para fugir ao dilema — podemos negá-lo por nossa conta e risco. Uma boa coisa a fazer, contudo, é avaliar as chances e perigos das soluções já propostas e tentadas. Armados de tal conhecimento, estaremos aptos ao menos a evitar a repetição de erros do passado; ou mesmo tentar evitar ir muito longe por caminhos que podem ser percebidos por antecipação como sem saída. Uma avaliação desse tipo — provisória e incompleta — é o que tentei neste livro. (Notar o uso abusivo do verbo poder...) Não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não podemos ter as duas ao mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos. Isso não é razão para que deixemos de tentar (não deixaríamos nem se fosse uma boa razão). Mas serve para lembrar que nunca devemos acreditar que qualquer das sucessivas soluções transitórias não mereceria mais ponderação nem se beneficiaria de alguma outra correção. O melhor pode ser inimigo do bom, mas certamente o “perfeito” é um inimigo mortal dos dois. (Zygmunt Bauman, Comunidade: a busca por segurança no mundo atual).

A arte da “recomodicação” do trabalho em sua forma nova e atualizada é singularmente imprópria para ser aprendida a partir da pesada burocracia governamental, notoriamente inerte, presa à tradição, resistente à mudança e amante da rotina. E essa burocracia é particularmente imprópria para cultivá-la, ensiná-la e inculcá-la. É melhor deixar esse trabalho para os mercados de consumo, já conhecidos por sua perícia em treinar seus clientes em artes similares e por orescerem a partir disso. E assim se faz. Transferir para o mercado a tarefa de recomodicar o trabalho é o signicado mais profundo da conversão do Estado ao culto da “desregulamentação” e da “privatização”. O mercado de trabalho é um dos muitos mercados de produtos em que se inscrevem as vidas dos indivíduos; o preço de mercado da mão-de-obra é apenas um dos muitos que precisam ser acompanhados, observados e calculados nas atividades da vida individual. Mas em todos os mercados valem as mesmas regras. [...] Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem m para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar  de mercadorias em que, para citar aquela que talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel, os diferentes signicados das coisas, “e portanto as próprias coisas, são vivenciados como imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e cinzento” – enquanto tudo “utua com igual gravidade especíca na corrente constante do dinheiro”. A tarefa dos consumidores, e o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacando-se da massa de objetos indistinguíveis “que utuam com igual gravidade especíca” e assim captar o olhar dos consumidores (blasé!)... (Zygmunt Bauman, Comunidade: a busca por segurança no mundo atual).



AMOR LÍQUIDO - A obra Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, trata sobre apaixonar-se e desapaixoonar-se, dentro e fica da caixa de ferramentas da socialidade, sobre a dificuldade de amar o próximo, o convívio destruído na era da modernidade líquida em que vivemos — um mundo repleto de sinais confusos,  propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível.

COMUNIDADE – O livro Comundiade: a busca por segurança no mundo atual, trata da agonia de Tântalo, a reinserção dos desenraizados , tempos de desengajamento ou a grande transformação, a secessão dos bem-sucedidos, duas fontes do comunitarismo, direito ao reconhecimento, direito à redistribuição, dDa igualdade ao multiculturalismo, o nível mais baixo: o gueto e muitas culturas, uma humanidade.

CAPITALISMO PARASITÁRIO – A obra Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos, aborda sobre o capitalismo parasitário, a cultura de oferta, novos desafios para a educação, a relação aluno/professor na fase líquida-moderna, a sociedade do medo, o corpo em contradição e um homem com esperanças.

MODERNIDADE LÍQUIDA – O livro Modernidade líquida trata do ser leve e líquido, emancipação, as bênçãos mistas da liberdade, as casualidades e a sorte cambiantes da crítica, indivíduo em combate com o cidadão, o compromisso da teoria crítica na sociedade dos indivíduos, a teoria crítica revisitada, a crítica da política-vida, individualidade, capitalismo - pesado e leve, tenho carro, posso viajar, pare de me dizer; mostre-me!, a compulsão transformada em vício, o corpo do consumidor, comprar como ritual de exorcismo, livre para comprar - ou assim parece, separados, compramos, tempo/espaço, quando estranhos se encontram, lugares êmicos, lugares fágicos, não-lugares, espaços vazios, não fale com estranhos, a modernidade como história do tempo, da modernidade pesada à modernidade leve, a sedutora leveza do ser, vida instantânea, trabalho, progresso e fé na história, ascensão e queda do trabalho, do casamento à coabitação, digressão: breve história da procrastinação, os laços humanos no mundo fluido, a autoperpetuação da falta de confiança, comunidade, nacionalismo, marco, unidade - pela semelhança ou pela diferença?, segurança a um certo preço, depois do Estado- nação, preencher o vazio, Cloakroom communüies, escrever; escrever Sociologia.

VIDA PARA O CONSUMO – O livro Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, de Zygmunt Bauman, trata sobre o segredo mais bem guardado da sociedade dos consumidores, consumismo versus consumo, sociedade de consumidores, cultura consumista e baixas colaterais do consumismo  149

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 2004.
______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003
______. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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